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Dados divulgados pelo II Seminário de Políticas de Permanência na Universidade indicam que, entre 2012 e 2015, caiu em 7,5% o percentual de ingressantes de cor/raça/etnia branca, ao passo que aumentou em 3,7% o número de estudantes pardos e em 6% o número de estudantes vindos do ensino público. Os resultados indicam a importância crescente das políticas de assistência estudantil e a própria razão de ser da Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis (Prae), responsável por desenvolver políticas e ações institucionais relacionadas à permanência de estudantes nos cursos de graduação e pós-graduação. 

Esses dados estão em consonância com o perfil socioeconômico das universidades federais, levantado em 2014 e apresentado este ano em pesquisa desenvolvida pela Andifes, segundo o qual quase metade dos alunos de graduação do Brasil (47,57%) é de cor/raça negra ou parda. De acordo com os dados, em números absolutos, de 2003 a 2014, os alunos autodeclarados pardos passaram de 132 mil para 354 mil. Já os negros, que eram 27 mil, hoje são 92 mil.

Na Unifesp, a rede de assistência da qual dispõem os estudantes integra restaurantes universitários, Núcleos de Apoio ao Estudante (NAEs), estabelecidos nos campi, e o Serviço de Saúde do Corpo Discente (SSCD), que oferece atendimento médico e odontológico. “Temos uma possibilidade ímpar de transformação social”, afirma a pró-reitora de Assuntos Estudantis, Andrea Rabinovici.

foto da equipe da Prae

Nos últimos três anos, sua estrutura de atuação passou por diversas mudanças. A ampliação da equipe foi crucial. “Antes com quatro, a equipe da Prae na Reitoria conta hoje com 12 pessoas, incluindo assistente social, psicóloga, analista de sistema, técnico em informação, cinco assistentes em administração, pedagogo, administrador, recepcionista e nutricionista”. Algumas equipes dos NAEs também dispõem agora de novos servidores.

O programa Bolsa de Iniciação à Gestão foi reformulado, para que parte dos bolsistas trabalhe com temas ligados à assistência estudantil e ajude na comunicação e diálogo com estudantes. “Cada NAE passou a ter à disposição até cinco bolsistas; na Prae, contamos com quatro. Por terem uma linguagem própria, os bolsistas ajudam a amadurecer nossa relação com os estudantes, em todas as suas especificidades”, pontua.

A atual gestão apostou na coordenação e institucionalização das estruturas de apoio estudantil nos campi. “Buscamos fazer com que houvesse um trabalho coordenado entre os NAEs e a Prae, respeitadas as diferenças entre os campi. Os NAEs inclusive participaram da criação, aprovada pelo Conselho de Assuntos Estudantis, de um regimento, construído para orientar suas atuações e os fluxos nos campi”.

A partir de então, foi possível construir atuações, políticas, regulamentos e campanhas, visando à ampliação e organização de atividades multiprofissionais para atender questões específicas da assistência estudantil. Temas como diversidade sexual, de gênero, racismo e drogas, por exemplo, são o foco de ações em diálogo com os estudantes e também com outras pró-reitorias. 

Além disso, dá-se uma atenção especial à questão da acessibilidade. “Adotamos um protocolo, em parceria com a Pró-Reitoria de Graduação (Prograd), para que nos informem, a cada nova lista de chamada, os ingressantes com quaisquer tipos de deficiência. Assim, com apoio dos NAEs, estabelecemos o contato com os estudantes e podemos acolher e encaminhar suas necessidades, bem como acompanhá-los durante o curso”. 

As crises de natureza política e orçamentária no âmbito nacional impediram que algumas atividades fossem realizadas, tais como a construção de moradias estudantis. Apesar disso, foi possível dar maior transparência às decisões e ao uso dos recursos orçamentários. “Disponibilizamos mensalmente em nosso site a aplicação detalhada dos recursos do Plano Nacional de Assistência Estudantil (PNAE) com bolsas, auxílios, subsídio aos restaurantes universitários e outros. Todo final de ano, elaboramos um balanço e publicamos o relatório. Procuramos dar total transparência aos dados.”

A Prae recebeu visita da Controladoria Geral da União (CGU) para a realização de auditoria. “Tivemos uma aprovação de contas de 100%, o que significa que estamos conseguindo efetuar um controle eficaz do dinheiro que passa por aqui”, pondera.

 

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Publicado em Edição 14

A Unifesp oferece 51 cursos de graduação, com ingressos por meio do Sistema de Seleção Unificado (Sisu) e do Sistema Misto (Enem + Vunesp). Ao longo da formação, várias atividades são oferecidas, como o Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (Pibic), o Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (Pibid), as monitorias, entre outros. Em 2015, foram 11.612 estudantes matriculados, entre eles 1.087 concluintes e 2.753 ingressantes, sendo 996 cotistas (por renda familiar, ensino médio em escola pública e/ou cor/raça/etnia negra, parda ou indígena). Hoje são um pouco mais de 12 mil discentes vinculados diretamente à Pró-Reitoria de Graduação (Prograd), dos quais 3.064 são cotistas.

A Prograd priorizou a aproximação com a comunidade, os discentes, os docentes e também o relacionamento entre as partes. Entre as atividades marcantes com a comunidade externa estão as desenvolvidas pelo Comitê Gestor Institucional de Formação Inicial e Continuada de Profissionais da Educação Básica (Comfor), que contribuíram para a profissionalização de 10 mil professores da rede pública.

Nos últimos anos, houve investimento na capacitação da própria equipe da pró-reitoria, aperfeiçoando as competências técnicas para melhor coordenar os processos de planejamento pedagógico e para qualificar as discussões sobre a elaboração dos cursos a serem abertos, como os de Direito, Design Educacional e os do Campus Zona Leste (Administração Pública, Arquitetura, Engenharia Ambiental, Engenharia Civil e o bacharelado e a licenciatura em Geografia). Tal articulação, feita de maneira ampla e participativa, permitiu pactuar normas e pontos em comum sobre os projetos e trajetórias curriculares.

A Prograd apresenta também um melhor alinhamento das ações junto às pró-reitorias de Assuntos Estudantis (Prae) e de Extensão e Cultura (Proec). A intenção é aperfeiçoar essa interação, não só com as demais pró-reitorias acadêmicas, mas com outros órgãos da instituição, como a Universidade Aberta do Brasil (UAB), a Secretaria de Educação a Distância (Sead) e a Secretária de Relações Internacionais (SRI).

O Conselho de Graduação é um fórum de efetiva institucionalidade, responsável por propor soluções, como o oferecimento do curso de libras em todos os campi, a consolidação das unidades curriculares intercampi – como o Cálculo –, a inclusão das atividades de extensão dos cursos – 10% da carga horária total, conforme a lei –, além da promoção da convergência das ações da Unifesp. “No caso das atividades de extensão, a Prograd e a Proec criaram, com os coordenadores e comissões de cursos, uma comissão responsável por levantar o que já está sendo realizado em termos de extensão na graduação. Estamos fazendo, na verdade, uma autorreflexão para dar visibilidade e oficializar essas atividades, que são formativas, na carga horária dos cursos”, explica a pró-reitora de graduação, Maria Angélica Minhoto.

foto de uma mulher estudando

Especialmente com a Prae, um dos projetos desenvolvidos foi o perfil socioeconômico, cultural e acadêmico dos ingressantes em 2015. “Foi uma inciativa importantíssima. Permitiu desenhar políticas mais consistentes de inclusão e de permanência dos estudantes. Foi possível estimular o apoio pedagógico, visualizar a trajetória acadêmica desses alunos, levantar as necessidades na formação dos docentes, verificar os problemas relacionados à evasão. Temos condições, assim, de orientar e olhar mais aproximadamente os campi, os NAEs, as direções acadêmicas, as coordenações”, comenta.

A Prograd buscou também trazer novas tecnologias, como o ensino à distância. “A Sead tem nos apoiado muito, principalmente com as disciplinas multicampi e as inciativas do Comfor. No entanto, um dos trabalhos em desenvolvimento é a renovação do Moodle (plataforma de ensino à distância) da graduação. Estamos modernizando essa versão e promovendo a formação das equipes de Tecnologia da Informação dos campi. Então, o docente que quiser um ambiente virtual nesse Moodle atualizado, a partir do ano que vem, pode solicitar e o ambiente será criado para ele”, pontua.

Uma das ações de destaque foi a organização do Simpósio de Graduação. Realizado desde 2014, agora nomeado Congresso Acadêmico da Unifesp, o evento passou a envolver também a Proec, a Prae e a Pró-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa (ProPGPq). O objetivo é integrar as diferentes atividades acadêmicas.

“Tudo começou com o Congresso de Iniciação Científica. Procuramos juntar todos os programas institucionais que possuem impacto na graduação. Quando realizamos o simpósio, em 2014, com todas essas iniciativas e abraçando as pró-reitorias, tivemos enorme sucesso. No ano seguinte, a proposta foi ampliada e, em 2016, consolidada. Essa atividade representa uma forma de realização da concepção declarada em nosso Projeto de Desenvolvimento Institucional (PDI): a convergência do conhecimento.”, finaliza Maria Angélica.

 

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Quarta, 19 Outubro 2016 13:59

ProPessoas humaniza a vida universitária

>Até 2012, todas as questões funcionais relativas aos servidores eram concentradas no Departamento de Recursos Humanos (DRH). Em 2013, tomando por base as experiências de outras universidades federais e com apoio de grupos de trabalho, formados por técnicos administrativos em educação (TAEs) e docentes de todos os campi, foi criada a Secretaria de Gestão com Pessoas (Segesp), estrutura que culminou, em 14 de maio de 2014, no surgimento da Pró-Reitoria de Gestão com Pessoas (ProPessoas).

Foram criados os órgãos responsáveis pela divisão das competências relacionadas à gestão de pessoas, incluindo os departamentos de Desenvolvimento e Gestão de Pessoas (DDGP) e o de Saúde do Trabalhador (DSTra) e as coordenadorias de Gestão de Vagas e Concursos (CGVC) e a de Segurança, Medicina do Trabalho e Perícias Médicas, esta última substituindo o antigo Serviço Especializado em Saúde e Medicina do Trabalho (SESMT).

A pró-reitora Rosemarie Andreazza explica que, devido às mudanças pelas quais passou a Unifesp, a complexidade do trabalho cresceu. “Hoje há muito mais cobrança por produtividade. As formas de trabalho se modificaram, as demandas e necessidades dos servidores são outras”. Segundo Norberto Lobo, diretor do DDGP, as questões mais específicas, como as relacionadas à saúde do trabalhador e ao desenvolvimento de pessoal, precisavam de mais atenção. “O DRH cuidava de todo o rito burocrático e operacional, mas outras ações igualmente importantes não contavam com estrutura própria”.

Capacitação dos TAEs

O DDGP deu continuidade ao programa de capacitação e incentivo à qualificação voltados aos TAEs. “Com a nova estrutura, foi possível aprimorar as ações de capacitação anual, além de celebrarmos parcerias com instituições, como a Escola de Administração Fazendária (Esaf), a Receita Federal, a Controladoria Geral da União (CGU) e a Escola do Parlamento de São Paulo, que oferecem cursos especializados”, explica Lobo. Outra importante ação para a formação dos servidores foi a aprovação, pelo ConPessoas, das regras para afastamentos dos TAEs para sua qualificação.

A questão da mobilidade funcional também está ligada ao DDGP. Ela ocorre quando surge a necessidade de mudança de setor, departamento ou, até mesmo, de instituição, por questões de saúde, de ordem pessoal ou interesse institucional. “Acolhemos com um olhar humanizado, sensíveis à necessidade do servidor, porém sem desconsiderar o interesse da instituição”, diz Adriana Franco, Coordenadora do Núcleo de Mobilidade Funcional. Em alguns casos, o motivo da solicitação se dá por questões de saúde ou conflitos interpessoais. “Nesses casos, atuamos em conjunto com o Departamento de Saúde do Trabalhador, realizando os encaminhamentos necessários, visando o restabelecimento da saúde do servidor, como também, promovendo, quando possível, a mediação de conflitos”, completa.

O DDGP também atua nos processos de avaliação dos servidores, no caso dos TAEs, em conjunto com a Comissão Interna de Supervisão/PCCTAE, e na carreira docente, apoiando a operacionalização dos processos avaliativos para a progressão e promoção, de maneira articulada com a Comissão Permanente de Pessoal Docente (CPPD).

O Núcleo de Relações Interpessoais e Conflitos, ligado ao DSTra, recebe as demandas, analisa os casos e procede aos encaminhamentos. “Recebemos a denúncia, que é documentada e mantida sob sigilo, e fazemos uma primeira escuta para entender o que está acontecendo. Para os casos de conflito, oferecemos a mediação”, afirma a diretora Janaína Costa. O núcleo promoveu o simpósio Discutindo o Assédio Moral no Ambiente Universitário e vem participando da construção de uma proposta institucional que vai atuar nas situações que envolvam conflitos, violências e violações de direitos humanos no âmbito da universidade, em parceria com as pró-reitorias de Assuntos Estudantis, Graduação, Extensão e Cultura, a Ouvidoria e a Comissão Permanente Processante.

Saúde laboral

O DSTra implementou ações de promoção à saúde, tais como a ginástica laboral e a orientação à reabilitação postural, visando a prevenção de doenças osteomusculares, principal causa de afastamento de servidores. Por enquanto, o projeto funciona na Reitoria e no HU, em parceria com o programa de Residência Multiprofissional em Ortopedia e Traumatologia da Baixada Santista e conta com a participação de dois profissionais educadores físicos e um fisioterapeuta. Ainda atuando na prevenção da segunda e terceira causas de afastamento (doenças mentais e cânceres), realiza o Ciclo de Palestras em Saúde, promovendo o diálogo entre a comunidade e especialistas em cada área.

A Coordenadoria de Gestão de Vagas e Concursos (CGVC) tem como objetivo central estabelecer o controle eficiente das alocações das vagas, dando maior transparência a esse processo. As pactuações de quadro de pessoal (docentes e TAEs) por campi são exemplo da atuação da CGVC, além de ter realizado três concursos para o provimento de cargos TAEs, somando mais de 500 vagas. Os concursos para docentes totalizaram mais de 400 nomeações.  “Conseguimos reduzir os apontamentos feitos pelo Ministério Público após revermos e discutirmos, no Consu, as resoluções relativas aos concursos para docentes. Houve um ganho significativo se considerarmos a quantidade de concursos que realizamos”, afirma Rosemarie.

Em relação à flexibilização da jornada para 30 horas semanais, foi criada uma comissão, no Consu, para estudar sua viabilidade e implantação. A mudança proporciona importantes benefícios, levando-se em consideração a positiva ampliação do horário de atendimento ao público. “Percebemos que as 30 horas melhoraram a qualidade de vida e a saúde do servidor, por meio da reorganização das tarefas”, explica Janaína, que fez parte da comissão. A primeira fase de implantação está passando por uma avaliação para demonstrar sua efetividade, aprimorar e continuar com as próximas etapas.

Censo universitário

A ProPessoas realizou o primeiro Censo da Unifesp, que contou com a participação de mais de 4.000 servidores. Será a base para um estudo preliminar sobre o dimensionamento de TAEs para os campi. 

Das ações que estão em fase de implantação, destacam-se a elaboração do regimento da ProPessoas, a descentralização das atividades de gestão com pessoas nos campi, de acordo com a política da pró-reitoria, além de reuniões mensais com os servidores dessas divisões, o que culminará na efetivação de uma Câmara Técnica de Pessoas.

“Somos uma nova pró-reitoria que sempre terá como objeto o conflito entre os nossos desejos e as inúmeras legislações e normas que regem a gestão das pessoas nas universidades federais. Percebemos que não só os conflitos do desencontro entre as pessoas e as normas estão presentes no nosso dia a dia, mas também aqueles vividos no cotidiano do trabalho dos servidores em várias dimensões e intensidades. Assumimos que os conflitos podem e devem ser entendidos não como problema em si, mas como parte do nosso fazer, da própria gestão, como analisadores do nosso trabalho, da nossa instituição”, afirma Rosemarie.

Foto da equipe da ProPessoas

 

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Focada na continuidade da reforma iniciada em 2013, a Pró-Reitoria de Administração (ProAdm) pôde consolidar sua atuação na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), especialmente no setor de infraestrutura. Nesse sentido, a criação do Escritório Técnico de Apoio à Gestão e Assuntos Estratégicos (Etagae), naquele ano, permitiu apoiar e orientar a alta gestão da universidade, por meio das câmaras técnicas, em questões relacionadas à administração, gestão pública e direito administrativo.

Anteriormente, a ProAdm acumulava a gestão e desenvolvimento de pessoal e o Departamento de Recursos Humanos (DRH), funções remanejadas para a Pró-Reitoria de Gestão com Pessoas (ProPessoas), criada em 2014. Após a redistribuição de tarefas e responsabilidades com essa e demais pró-reitorias, a Unifesp criou as câmaras técnicas de compras e de orçamentos, além do Grupo de Trabalho de Acompanhamento e Controle da Execução Orçamentária e Financeira. “A criação das câmaras permitiu maior transparência e descentralização dos processos e fluxos para os campi, pois inclui todas as unidades e campi da instituição nas diversas áreas de gestão”.

Seguindo a política de reformulação da ProAdm, foi criado o Departamento de Gestão e Segurança Ambiental (DGA), que por sua vez também criou sua câmara técnica, da qual participam as divisões relacionadas aos campi. Em sua atividade, o DGA tem dado assistência à gestão e elaborado diagnóstico da situação atual e projeções futuras. No ano de 2014, por iniciativa do DGA, o Consu aprovou a Política de Excelência em Sustentabilidade Ambiental (Pensa/Unifesp).

Manuais de gestão agilizam procedimentos 

Decorrentes das necessidades identificadas pelas câmaras técnicas da universidade, os manuais de gestão foram elaborados, também em 2013, com o objetivo de padronizar os procedimentos internos. Tânia Mara, responsável pelo Etagae, explica que eles estão em constante aprimoramento. “Sempre que sai uma nova legislação normativa, novas regras são estabelecidas de um modo geral. A universidade é um organismo grande e complexo, com especificidades em cada campus”.

Outra importância dos manuais está relacionada ao servidor recém-chegado à instituição, pois eles servem como subsídios para o treinamento e aprendizado. Ela cita, por exemplo, o manual de orçamento, que explica detalhadamente como se faz a nota de empenho (documento autorizativo da despesa).

Além das orientações e legislação normativa da área de compras, a Unifesp conta com os manuais de fiscalização de contratos, que orientam as atividades dos fiscais, de gestão orçamentária e gestão financeira, que tratam do fluxo de documentos, entre outros.

Todos os manuais são homologados pelas câmaras técnicas, instância de governança da universidade com ampla representatividade, e refletem a necessidade da instituição como um todo. 

 

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José Luiz Guerra, Juliana Narimatsu e Valquíria Carnaúba

Em consonância com a Lei da Transparência, n°12.527, de 18 de novembro de 2011, e com a política de estímulo ao debate plural e democrático com a comunidade da Unifesp, a Reitoria elaborou um relatório de sua gestão, englobando as principais ações desenvolvidas entre 2013 e 2016. Os resultados revelam uma nova universidade, mais integrada e inserida em diversas áreas do conhecimento e campos de atuação.

Dez foram os compromissos assumidos com a comunidade acadêmica. As ações que se desenrolam focam em duas principais missões: consolidar a expansão quantitativa e qualitativa da universidade e equacionar os problemas de custeio decorrentes de um modelo de financiamento que se provou insuficiente. Nas páginas seguintes, apresentamos, de forma resumida, aquilo que foi realizado a partir dos dez pontos aqui elencados:

1. Uma universidade que contribua para promover transformações, por uma sociedade mais justa
Promoveu-se a interlocução entre os campi e áreas do saber, e deles com a sociedade. A política de extensão e o trabalho de pesquisas foram renovados, considerando sua adequação às necessidades reais do país.
2. Real valorização do ensino, pesquisa e extensão
O Congresso Acadêmico, realizado em junho de 2016, permitiu maior integração das atividades e a definição de grandes temas de pesquisa que unificam áreas do saber.
3. Gestão plural, democrática e transparente
Os conselhos paritários foram dotados de uma nova dinâmica, mais ativa e deliberativa. A criação da Pró-Pessoas, de dois novos conselhos (Planejamento e Gestão com Pessoas) e do Escritório Técnico (Etagae) garantiu mais transparência ao planejamento e à execução de orçamento e obras de infraestrutura.
4. Descentralização dos órgãos gestores
A descentralização do orçamento e de sua execução, mediante a criação de câmaras técnicas, de grupos de trabalho e de assessoria permanente nos campi estabeleceu um processo de diálogo e tomada de decisões que abrangem a universidade como um todo.
5. Planejamento efetivo e democrático, incluindo o orçamento participativo
A Pró-Reitoria de Gestão com Pessoas e os conselhos criados possibilitam a definição de políticas institucionais, de forma democrática e planejada.
6. Construção de infraestrutura e de espaços físicos adequados e sustentáveis
Revitalização da Pró-Reitoria de Planejamento e criação do Departamento de Gestão e Segurança Ambiental permitiram realizar concursos de projetos, elaborar programas de regularização de imóveis, de devolução de imóveis alugados e de verticalização, e efetuar reformas com ampliação de infraestrutura e do corpo funcional da universidade.
7. Maior visibilidade e representatividade dos diferentes segmentos da comunidade
O congresso paritário definiu a reforma do estatuto e a aprovação da eleição paritária para reitor e diretores. Foram criados espaços como os fóruns, coletivos, audiências públicas, congregações abertas e plenárias, assegurando transparência e implantação de canais que permitem um diálogo qualificado.
8. Valorização, respeito e investimento na carreira dos servidores
Foi definida legislação normativa para a valorização da atividade docente e dos técnicos, além de regras mais elásticas e justas para avaliação do professor associado e promoção para titular.
9. Melhoria das condições de acesso e permanência nos campi
A concessão de bolsas obedece agora a critérios públicos e transparentes. Aprimorou-se a dinâmica de revisão dos contratos de restaurantes universitários (RUs). A Escola Paulistinha de Educação foi reestruturada, com a sua regularização legal e contratação de professores.
10. Expansão da universidade pública em diálogo com a sociedade

A consolidação dos campi da expansão foi elaborada de forma participativa, por meio do PDInfra. Os campi Diadema, Baixada Santista e São Paulo foram os primeiros contemplados. A crise orçamentária determinou a suspensão do início do curso de Direito, bem como impôs dificuldades ao processo de abertura dos campi Embu das Artes e Zona Leste.

Foto  da equipe da reitoria em 2013

 

entrementes 14 2016  Sumário do número 14

Publicado em Edição 14
Segunda, 22 Agosto 2016 15:28

A juventude não sonha

A juventude não sonha” O vereador Gilberto Natalini fala sobre sua prisão e tortura quando estudava da EPM, em1972, e faz uma avaliação dos trabalhos da CV - SP, que preside

Erika Sena

Entrementes - Como foi, para você, estudar na EPM durante a ditadura?

Gilberto Natalini – A EPM era, no geral, muito conservadora. Havia poucos alunos filhos de operários, de gente popular. Meu pai era balanceiro de usina de açúcar. Estudávamos muito, mas queríamos livrar o Brasil da ditadura. Criamos um grupo, no começo dos anos 70, para atuar na faculdade. Junto com outras cinco escolas de Medicina, lançamos o jornal “Articulação”, que era pregado, de madrugada, em murais. Éramos muito procurados por grupos clandestinos, que pediam apoio, consulta médica, dinheiro para mandar alguém para fora do país. Aí veio a luta contra o ensino pago. O MEC aumentou a matrícula da EPM em 1.000% e dividiu em 12 vezes, ou seja, instituiu uma mensalidade. Fizemos um piquete na porta da secretaria, no pátio interno da escola. Não deixamos os estudantes fazerem as matrículas. Foi juntando aluno, e virou um ato contra a privatização. Barramos a matrícula e o MEC recuou.

E - Quando aconteceu a sua prisão?

GN – Em 1972. Cida, irmã de um colega, Paulo Horta, era do Movimento de Libertação Popular. O Paulo repassava os jornais da Molipo para nós. Entreguei um jornal para um estudante que era do PCB. Ele foi preso, torturado e entregou o meu nome. A repressão me seguiu por 30 dias. Fui preso à porta da casa da minha avó, no Bosque da Saúde, e levado ao DOI-CODI, para ser interrogado pelo coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra. Eu disse ter encontrado os jornais no banheiro da faculdade: ‘Tenho todos esses jornais em casa, se o senhor me levar lá entrego tudo’. Ao chegar em casa, minha tia contou que cinco ou seis colegas meus tinham passado por lá e levado tudo para a casa do meu tio. Já saí dali apanhando dos agentes. Voltei para o DOI- -CODI. Prenderam meus tios e 10 colegas da EPM. Invadiram nossos armários da Escola. No final de uma semana, eles soltaram oito e ficamos eu, o Paulo Horta e o Valter Nascimento. Queriam saber o nome de quem nos entregava o jornal. Bateram muito, prenderam a mulher grávida do Paulo, duas primas dele, a namorada do Valter. Mas não delatamos a Cida. Mais ou menos 50 dias depois, um guarda chegou na cela, de madrugada, e disse ao Paulo: “Teu pai mandou te avisar que você pode falar o nome da tua irmã porque ela já fugiu.” O guarda era de Guaratinguetá, e a família do Paulo também. O Paulo falou, mas a Cida já tinha escapado para o Chile. Eu fiquei surdo, por causa dos choques elétricos nos ouvidos. Depois de um tempo, mandaram a gente cumprir pena de 30 dias numa cela do Dops, no largo General Osório. Depois fomos soltos. Aí aconteceu a parte bonita. Passamos 90 dias fora da Escola, nós íamos perder o ano letivo. Os professores da Clínica Médica nos disseram que eles não concordavam com a gente, que a gente era muito radical, mas que, como liberais, eles defendiam o direito de a gente pensar e de se expressar. Pediram que estudássemos para fazer segunda época, em janeiro. Passaram a gente de ano. Foi um ato de generosidade.

Foto de Gilberto Natalini sorrindo

E- Como você enxerga a criação de uma CV na Unifesp?

GN - Com uma alegria enorme. A Escola teve um caso emblemático, o do professor Marcos Lindenberg. Ficaria muito feliz se a Escola reintegrasse o professor, simbolicamente. E - Em que pé estão os trabalhos da CV da câmara municipal? GN - A CV da Câmara foi iniciada em 2012. Este ano, propus recriar a CV com o mesmo prazo de funcionamento da CV Nacional (CVN). Já ouvimos as questões do caso Vladimir Herzog, do sepultamento clandestino de presos políticos, da morte de Juscelino Kubitschek e agora queremos apurar a participação de religiosos na resistência à ditadura. Vamos restituir simbolicamente o mandato dos 42 vereadores que foram cassados da Câmara (entre 1936-1969). Estamos também apurando a perseguição dos dirigentes sindicais paulistanos. Convocamos o José Maria Marim, o delegado Aparecido Laerte Calandra e o Paulo Maluf. Delfim Neto já veio depor. O objetivo é verificar a participação civil no financiamento da repressão.

E- Há algum caso em estágio avançado de investigação ou de autoria de crimes comprovada?

GN - Estamos conversando muito sobre a morte do Juscelino. Ele saiu de São Paulo, quando morreu num suposto acidente na via Dutra e estava articulando a sua nova candidatura à presidência da república. Acabei de pedir uma perícia no crânio do motorista do JK e no objeto metálico que foi encontrado dentro de sua cabeça, que, segundo informações de alguns, seria um projétil de arma de fogo e não um prego do caixão como foi dado na perícia oficial da época da ditadura. Ouvimos também o fotógrafo do cadáver de Herzog, que comprova que ele já estava morto quando foi montada a cena para a fotografia. Ouvimos o Cláudio Guerra, um ex-delegado do Dops do Espírito Santo que atuava em São Paulo.

E - O trabalho das CVs é suficiente para fazer justiça às vítimas da ditadura?

GN - Quem vai fazer justiça ou não é a própria justiça. A CV apura e denuncia fatos históricos, concretos e objetivos sobre prisão, tortura, desaparecimento e morte de pessoas no período da ditadura. O argumento de que a anistia foi para os dois lados é complicado. Os perseguidos pela ditadura foram presos, torturados, mortos. Já torturadores como o coronel Ustra e o delegado Calandra vivem como se nada tivessem feito. A anistia foi muito torta, capenga. Pessoalmente, defendo a punição dos torturadores, como feito na Argentina e em outros países, sem nenhum trauma. No Brasil, o delegado, assassino e torturador Sérgio Fleury, chefe do Dops em São Paulo, é nome de rua na capital paulistana. Isso tudo só foi possível porque a redemocratização no Brasil foi um processo de conciliação política, chefiado pelo Tancredo Neves, entre a oposição e o regime militar. Tancredo representava alas conservadoras que estavam se apartando do regime, mas com caráter conciliatório, e aceitaram uma Lei de Anistia que encobriu os crimes da ditadura. Isso começou a mudar com a Constituição de 1988, que democratizou mais a política brasileira, e na década de 90, quando o governo FHC adotou uma série de medidas para começar a investigar o desaparecimento de presos políticos.

E - Vivemos numa democracia?

GN - É uma democracia dúbia. A democracia social não chegou de jeito nenhum. Vivemos em um país com bolsões de miséria terríveis. Dentro da cidade de São Paulo, há 2 milhões de pessoas que vivem em uma situação muito abaixo do mínimo tolerável. Hoje, a Polícia Militar é agente de uma cultura de violência que a ditadura construiu. A PM entra na periferia, gira a metralhadora e mata todo mundo, o que estiver em volta. É uma atitude que serve de contenção ao levante popular. Mas, a violência e o genocídio não estão presentes apenas na PM. Só no ano passado, houve 60 mil assassinatos no Brasil, envolvendo a PM, milícias e gangues. Nesse período democrático, registramos o avanço do crime organizado. A CV vai acabar mostrando as consequências que a democratização frágil e defeituosa trouxe para o Brasil. Os brasileiros não têm mais sonhos. O máximo do sonho de um brasileiro é comprar um carro em 60 meses ou uma geladeira nova. A nossa juventude não sonha.

Capa do jornal entrementes de outubro de 2013  Sumário do número 3

Publicado em Entrementes edição 3
Quinta, 18 Agosto 2016 14:04

Professor da vida

Juliana Narimatsu

O barulho ensurdecedor se mistura com o flash das câmeras. Todos os olhos estão voltados para um único ponto da pista oval, verde e amarelo. Não. Não o brasileiro, o sul-africano de pernas de aço é que chama a atenção. Ele espera pelo momento certo, junto com os outros oito. O percurso já é conhecido, são os mesmos duzentos metros à frente. Livres, totalmente livres.

Uma pessoa alta. Cabelos cor de café cuidadosamente desalinhados, olhos emoldurados por hastes prateadas e um sorriso jovial. Nasceu na interiorana Botucatu em 21 de abril de 1979. Filho de uma professora e de um corretor de imóveis, ele chegou ao mundo para viver do esporte. Ou melhor, para o esporte. Isso vem desde os sonhos de criança. Após a jornada diária na escola, gostava de passar o resto das tardes com os amigos no clube da cidade, tanto para jogar conversa fora, quanto para jogar uma boa partida de futebol. 

De longe, sinto uma nuvem de tensão pairando no ar. Depois de ajudar um dos nossos atletas, puxo uma cadeira para assistir à prova ao lado da equipe. Meu péssimo ouvido tenta decifrar a narração polida do inglês, apresentando um por um. Estamos quase certos que uma medalha será nossa. Agora, a cor...isso será na hora.

Com 18 anos, decidiu tentar seguir carreira em Fisioterapia, porém sem sucesso. Seis meses se passaram e lá estava ele iniciando a graduação na Faculdade de Tecnologia (Fatec) de Jaú, no curso de Administração em Navegação Fluvial. Tudo tranquilo, até chegarem as notas de Matemática. Descobriu ser o melhor da turma, algo estranho, já que não tinha tanta afinidade com números. Por causa do sucesso inesperado e da confiança adquirida, resolveu largar tudo para realizar o desejo de infância, encontrando-se finalmente ao cursar Educação Física na Unicamp.

Eles estão a postos. Mãos e joelhos se apoiam no chão alaranjado. A chance de ser o campeão está chegando. Escuto o silêncio, ele toma conta do público. A sirene sinaliza a posição de largada; logo, um disparo. Começou.

O pontapé inicial que despertou sua vocação foi dado por Júlio Galvão, seu professor da disciplina de Esporte Adaptado. Num dia de apuro, este pediu sua ajuda para participar de um dos projetos de extensão. Foi quando conheceu Wellington Rodrigues, o Baiano, corredor deficiente visual. O atleta apenas precisava de um companheiro para guiá-lo nas provas, e o aprendiz assim o fez. A maravilha desse trabalho lhe ofereceu a oportunidade de observar o diferente, vendo suas potencialidades, nada mais. Uma lição que leva sempre consigo e que o motivou a tornar-se especialista em atletismo paralímpico.

A torcida enlouquece. Nos segundos iniciais, três deles se destacam, mas o sul-africano vai ganhando distância. O locutor narra com vigor, e o estádio entra em estado de êxtase. É a última curva.

A partir daí, o destino possibilitou-lhe vários chutes no ângulo. Um emprego, em 1998, na secretaria do Campeonato Mundial de Futebol para Cegos, em Paulínia, quando presenciou a vitória do Brasil na final do jogo contra a Argentina, e a experiência em algumas competições no exterior, ainda na época de estudante, foram os melhores gols. Entretanto, sua grande realiza- ção chegou em 2000, com a primeira Paralimpíada, em Sidney. Havia ali uma aura inexplicável. A sensação de frio na barriga e o coração batendo a milhão existiram e sempre vão existir em qualquer competição. Representar uma nação, sendo responsável pela preparação dos atletas, mostrou que sua vida se modulava cada vez mais pelo ritmo prazeroso que é o esporte.

Vinte segundos. O tempo em que as cores do meu país ultrapassam a todos. Somos o número um! Meu amigo, cujo crescimento acompanhei desde os 15, vence! Cansado, ele cumprimenta seus rivais, faz o sinal da cruz e finaliza apontando o dedo para cima. Uma dedicatória aos céus.

Destino ou acaso, os ciclos quadrienais dos grandes jogos influenciaram o seu trabalho. Atenas, 2004: o Comitê Paralímpico Brasileiro (CPB) convidou-o para fazer parte do grupo técnico de atletismo, prática que mais o atrai. Vários projetos e ações acadêmicas que realizou enquadraram-se nessa modalidade, além de ser o hobby preferido aos finais de semana. Pequim, 2008: mesmo lecionando em Florianópolis, decidiu mudar-se para a Baixada Santista, após ser aprovado no concurso para docente na Unifesp. Eram outras portas se abrindo.

Maracanaço! É o que eu posso dizer! Não consigo parar de gritar de tanto orgulho! De repente, não é que vejo uns policiais? Não, está tudo bem. Estou aqui com o pessoal! Você tem que entender, esse é o Alan Fonteles ganhando do maior atleta paralímpico, o Pistorius. Precisamos comemorar...

Londres, 2012, última Paralímpiada, uma cena marcante: a conquista de Alan Fonteles, jovem corredor brasileiro, morador do município de Ananindeua, foi importante, servindo de inspiração a ambos para enfrentar novos desafios. O técnico havia encontrado os seus. Hoje está envolvido na construção de projetos que pretende legar as gerações futuras. Um, material, com a criação do Centro de Treinamento Paralímpico em São Paulo, e outro, na produção científica, aplicada à rotina dos atletas do CPB, com a parceria da Unifesp. Uniu o útil ao agradável. Fora isso, a espera pelo tão falado 2016, quando o maior evento esportivo do mundo será realizado na cidade maravilhosa, o Rio de Janeiro.

Além disso, ele cultiva suas paixões. Além da prática esportiva nas horas oportunas, é amante da internet e apreciador de qualquer estilo musical, de Pena Branca e Xavantinho a Beethoven. E, hoje, ele também é pai. Sua vida gira em torno do baixinho Vinícius e, a deste, em torno do esporte. São sete anos presenciando, lado a lado, treinos e campeonatos dos – carinhosamente chamados pelo filho –, titios.

Foto de Ciro Winckler sorrindo

Foram muitos jogos, quatro Paralímpiadas, 32 países visitados e amizades com pessoas inesquecíveis. São ocasiões que só o Educador Físico Futebol Clube poderia proporcionar, mas ele acredita que aconteceram apenas por estar no lugar certo e na hora certa. Não trocaria essa profissão por nada. Ela transformou sua vida, ensinando-o a valorizar mais o ser humano. “Todos têm sua capacidade, por piores que as situações possam parecer. As mudanças virão e serão fantásticas, basta estimulá-las para que elas aconteçam”, conclui o professor da vida, Ciro Winckler.

Imagem da capa do jornal da edição 4, com várias fotos de alguns eventos ocorridos  Sumário do número 4

Publicado em Entrementes Edição 4
Quarta, 20 Julho 2016 10:43

Guerra às drogas viola os direitos

Modelo uruguaio reacende debate sobre alternativas à repressão

Lu Sudré

Em dezembro de 2013, o Uruguai tornou-se o primeiro país a legalizar a produção, distribuição e venda de maconha sob o controle do Estado e, com isso, suscitou novas discussões em torno do uso recreativo e medicinal da cannabis. Trata-se de um problema que também interpela a instituição universitária, por suas dimensões e significado social, político, ideológico, e cultural, além do impacto na saúde pública. Aceitando o desafio, em maio, a Unifesp promoveu a Conferência Internacional sobre Drogas, em conjunto com o Programa de Orientação e Atendimento a Dependentes (Proad), desenvolvido pelo Departamento de Psiquiatria da Escola Paulista de Medicina da Unifesp (EPM/Unifesp).

A atividade contou com a presença do neurocientista Carl Hart, professor do Departamento de Psicologia e Psiquiatria da Universidade de Columbia (NY) e membro do Conselho Nacional dos Estados Unidos sobre o Abuso de Drogas, e da psiquiatra Raquel Peyraube, assessora da Secretaria Nacional de Drogas do Uruguai, com mediação do psiquiatra Dartiu Xavier da Silveira, responsável pelo Proad. Para Dartiu, a chamada guerra contra as drogas é um fracasso. “Somos herdeiros de uma guerra às drogas patética e falível porque escolhemos o inimigo errado. O inimigo não é a droga, é a vulnerabilidade social”.

Durante a adolescência, Carl Hart usou e traficou drogas em Miami. Como uma exceção à regra, conseguiu abandonar o passado para ser neurocientista. Aos 47 anos, defende a descriminalização das drogas e uma política educacional sobre as substâncias. Em mais 20 anos de profissão, o neurocientista debruçou-se em pesquisas sobre drogas e deparou-se com uma realidade contrária aos mitos sobre usuários de drogas e sobre as próprias substâncias, como o crack.

“É dito que uma vez que se usa, está viciado. Isso não é verdade. Não há nada no mundo que se usa uma vez e o indivíduo já torna-se um viciado imediatamente. Dessa forma, classificam os usuários de droga como seres irracionais”, argumenta Hart. Ele afirma que as drogas não viciam na proporção que se imagina - segundo o neurocientista, apenas 11% dos consumidores podem ser considerados viciados - e que os entorpecentes não causam danos cerebrais irreversíveis.

Raquel Peyraube, que acompanhou todo o processo de legalização da maconha no Uruguai, adota a mesma perspectiva. “Somos ensinados a pensar as drogas como um problema de saúde e criminal”, diz Raquel, “mas na verdade a problemática das drogas deveria ser entendida como uma questão geopolítica que se manifesta no meio social”. Segundo a psiquiatra, a lógica belicista do combate às drogas determina estratégias desumanas e intervenções ineficazes baseadas na repressão abusiva, aplicada indiscriminadamente contra os indivíduos que usam drogas, tratando-os como criminosos e atingindo setores específicos da população, o que estabelece uma política de extermínio e de higienização social.

De acordo com Hart, o uso de drogas não prejudica o desempenho profissional de uma pessoa. “Os três últimos presidentes dos Estados Unidos (Bill Clinton, George Bush e Barack Obama) afirmaram já ter usado drogas. Não falo como demérito, mas apenas para mostrar que é possível usar drogas e ser produtivo. O ponto é que pessoas podem usar drogas e ainda serem responsáveis”.

A “guerra às drogas”, para Hart, é uma estratégia de controle social. “Os negros sofrem o lado negativo como resultado da guerra às drogas”, diz Hart, destacando que as políticas de drogas nos Estados Unidos, assim como no Brasil, são racialmente discriminatórias. “Nós não temos problemas com drogas, é um problema com a polícia. Ser negro é ser constantemente questionado e estar submetido ao ódio o tempo todo”. Hart complementa que tal conflito social não é um fracasso e sim um grande sucesso para aqueles que ganham dinheiro por sua causa. É também “um grande sucesso para os políticos que não têm que lidar com os reais problemas que as pessoas enfrentam, com a injustiça social. Apenas excluem os pobres”.

Hart visitou a cracolândia, região no centro de São Paulo e definiu a área como ‘bizarra’. “A cracolândia é um bode expiatório. Existem inúmeras coisas acontecendo naquela região e as drogas são apenas uma pequena parcela delas”. Para o neurocientista, os governos criam bodes expiatórios com o discurso de combate às drogas. “Eles dizem que podemos vencer o crack e assim não precisam falar sobre a falta de educação e falta de saúde. Eles não precisam falar ou ensinar nada para as crianças sobre as drogas. Se formos atrás do crack, não precisaremos lidar com nenhum outro problema”.

A solução para o neurocientista é combinar a ciência com as políticas públicas. “Precisamos considerar a descriminalização de todas as drogas, não prender pessoas devido a violações envolvendo drogas. Não sou contra a legalização, mas acho que precisamos de mais educação pública antes de reivindicarmos a legalização. Se melhorarmos a educação e as pessoas conversarem sobre as drogas, tenho certeza que podemos legalizar”.

Os tratamentos para usuários de drogas violam os direitos humanos, diz Raquel. “As pessoas usuárias são como troféus e muitas vezes expostas como propaganda institucional. As políticas de drogas são determinadas por interesses políticos e econômicos mas também por uma moral hegemônica a qual todas as pessoas devem ajustar-se, e as que não se ajustarem, serão excluídas”, afirma. A psiquiatra ainda coloca a superlotação das prisões como uma das consequências mais desastrosas da guerra às drogas.

O processo de legalização da maconha no Uruguai foi formulado de modo a reforçar as estruturas democráticas e evitar violações da soberania nacional. Raquel destaca a legalização como um fenômeno antropológico, social e político estimulado pelo governo do ex-presidente Tabaré Vázques e concretizado pelo atual presidente José Mujica. “A estratégia foi a instalação em área pública de uma discussão sistemática por meio de uma campanha massiva nos meios de comunicação, fornecendo informações claras e objetivas”, afirma a psiquiatra, que evidencia “a palavra legalização no imaginário coletivo significa liberação, mas na verdade é o oposto. Legalização é sujeição às leis”.

A cannabis para fins recreativos pode ser obtida por meio de três mecanismos: autocultivo, clubes de produtores com até 45 membros e vendas em farmácias de até 40 gramas por mês para indivíduos cadastrados. Além de reduzir as taxas de encarceramento daqueles que usam drogas por livre distribuição da substância, a lei pretende promover a pesquisa científica e a produção de dados de diferentes áreas do conhecimento para orientar futuras políticas de drogas. Para Raquel, não há outra saída. “Não toleramos mais mortes de um setor da população integrado por muitas crianças e jovens de classes sociais vulneráveis. O Uruguai está ratificando convenções de direitos humanos hierarquicamente superiores a qualquer convenção sobre drogas”.

imagem de Carl Hart, e da psiquiatra Raquel Peyraube

 

foto da capa da edição 7 jornal entrementes, mostrando as folhas da maconha e comprimidos Sumário da edição 7

Publicado em Entrementes Edição 7
Terça, 19 Julho 2016 10:43

Vigiar e punir (a grande farsa)

José Arbex Jr.

“O narcotráfico tem o seu braço na política, tem o seu braço na polícia, tem o seu braço no Poder Judiciário, tem o seu braço nos empresários, tem o seu braço internacional. Então, é uma coisa muito poderosa, que de vez em quando nós vemos na televisão: ‘Polícia consegue apreender a maior quantidade de cocaína já vista no Brasil’. Aí o que apresenta a televisão? Cinco ou seis ‘bagrinhos’. Para onde ia e de onde veio, quem vendeu e quem comprou a droga, não aparece. Aparecem os ‘bagrinhos’, ou seja, é sempre a mesma história. E nós só vamos combater o crime organizado quando a gente resolver pegar quem compra e quem vende, e não apenas quem está no processo de intermediação, que muitas vezes são pobres coitados, induzidos, para ganhar o pão de cada dia. Às vezes a gente ouve na televisão o seguinte discurso: ‘Tem violência? Tem. Vamos cercar a favela. Tem droga? Tem. Vamos ocupar a favela.’ Possivelmente, no dia em que a inteligência da polícia for mais ousada e mais forte do que a força bruta, a gente não precise invadir uma favela, mas, quem sabe, subir numa cobertura, numa das grandes capitais deste país, e pegar um verdadeiro culpado pelo narcotráfico.”

Assim falou Luiz Inácio Lula da Silva, em abril de 2003, num dos primeiros discursos após sua eleição. O então presidente tinha consciência de que o narcotráfico faz parte da indústria transnacional do crime organizado, comandada por banqueiros, empresários, juízes, policiais. Dados da ONU indicam que o narcotráfico movimenta algo em torno de 500 bilhões de dólares anuais e é o principal motor de redes de tráfico de armas, contrabando de bens de consumo e prostituição internacional, além de injetar capital líquido nas finanças mundiais (sem os narcodólares, a crise financeira aberta em 2008 teria atingido proporções ainda mais catastróficas).

Apesar de saber disso tudo, Lula, no ocaso de seu mandato, fez o oposto do prometido no nascedouro: em novembro de 2010, autorizou a participação da Marinha na operação destinada a reprimir os “bagrinhos” do Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro. Lula deu carta branca à adoção de políticas violentas de segregação por parte dos governos estaduais e desmoralizou alguns avanços que o seu próprio governo promoveu, incluindo a transformação, em 2005, da antiga Secretaria Nacional Antidrogas (Senad) para a Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas.

Políticas públicas dignas desse nome deveriam pressupor a adoção de um conjunto de ações sociais conformadas à história e ao significado social, cultural, político e econômico do consumo de drogas. Historicamente, o uso de drogas (incluindo álcool e tabaco) ganhou impulso com a formação das metrópoles industriais e se identifica com o parto da modernidade: basta lembrar Charles Baudelaire, Arthur Rimbaud, Van Gogh, Oscar Wilde, Edgar Allan Poe, Fernando Pessoa, Sigmund Freud e mesmo Karl Marx. A cidade capitalista se desenvolveu como um imenso e ininterrupto centro gerador de impulsos nervosos: tudo nela demanda atenção e energia do corpo: trânsito, luzes, ruídos, tensão social, desejo.

A proibição do uso de drogas nasceu graças às correntes religiosas fundamentalistas protestantes. Nos Estados Unidos do final do século 19, os wasp (white anglo-saxon protestants) impulsionaram a campanha por sua proibição (incluindo o álcool), tendo como alvo as minorias (negros, imigrantes italianos, judeus, chineses e irlandeses), os intelectuais boêmios de esquerda e tudo o mais que consideravam a escória. Hoje, os fundamentalistas evangélicos agrupados no Tea Party (mas não só) cumprem essa função.

Em contrapartida, o uso de drogas também é estimulado pelas potências, sempre e quando isso for de seu interesse. O Império Britânico, por exemplo, foi o principal disseminador do tráfico de ópio na Ásia, pois contava com os seus dividendos para financiar a administração das colônias. Hoje, a CIA estadunidense protege o tráfico de ópio a partir do Afeganistão, como meio de financiar suas “operações clandestinas”, assim como se associou, nos anos 1980, aos cartéis colombianos da cocaína. A Casa Branca, portanto,  desenvolve uma retórica pública contra as drogas, e ao mesmo tempo promove o seu uso por vias clandestinas.

Em geral, em qualquer parte do mundo, as políticas oficiais de controle do uso e comércio das drogas funcionam como meios de coerção social: há, sempre, muito mais pobres detidos do que cidadãos de classe média ou superior. No Brasil, quaisquer políticas públicas de combate ao narcotráfico deveriam, obviamente, incluir programas voltados para a melhoria das condições de vida dos habitantes dos morros e favelas: mais escolas, infraestrutura sanitária, hospitais e postos de saúde, mais campanhas esclarecedoras (como no caso do tabaco). Mas, para fazer isso, o Estado brasileiro teria que ser outro, e não a Casa Grande organizada contra a Senzala.

A mídia, finalmente, joga um papel fundamental nisso tudo, como formadora de consenso. A Rede Globo e os principais meios aplaudiram a “limpeza” no Complexo do Alemão, em 2010, motivados por interesses especulativos imobiliários, tendo em vista a Copa de 2014 e os Jogos de 2016. A operação estabeleceu um novo patamar de intervenção das forças policiais no Brasil, abrindo o caminho para operações como a “limpeza” da cracolândia paulistana, em 2012, e muitas outras ações de caráter higienista, em várias capitais. O alvo são sempre os “bagrinhos”, jamais os “tubarões”.
Lula tinha razão, em 2003: a História sempre se repete - inclusive quando era ele quem mandava. Isto é, se repete como farsa.

 

imagem da capa do Entrementes especial 2 com um homem acendendo um cigarro  Sumário da edição especial 2

Publicado em Entrementes Especial 2
Segunda, 18 Julho 2016 15:16

Debate revela uma esfinge de muitas faces

José Luiz Guerra (*)

O debate acerca das drogas, sejam elas lícitas ou ilícitas, sempre está nas capas dos principais jornais e é tema que gera polêmica. Recentemente, a nova política governamental de combate ao crack reacendeu a discussão sobre o que é mais apropriado, tanto para o Estado quanto para o usuário.

Para melhor compreensão do assunto, Entrementes ouviu três dos principais pesquisadores da área de drogas da Unifesp: Dartiu Xavier da Silveira, coordenador do Programa de Orientação e Atendimento a Dependentes (Proad); Elisaldo Carlini, coordenador do Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (Cebrid) e Maria Lucia Formigoni, coordenadora da Unidade de Dependência de Drogas (Uded).

Legalização das drogas ilícitas?

Dartiu Xavier da Silveira - Acho que em uma sociedade ideal os indivíduos deveriam poder tomar conta de si mesmos e não serem tutelados pelo Estado. As políticas proibicionistas na área de drogas foram um grande fracasso (talvez o maior exemplo disso sejam os estrondosos danos provocados pela Lei Seca americana, que foi revogada em decorrência de seus enormes malefícios).

Além disso, proibir apenas dificulta o acesso, mas não inibe o uso e tende a induzir formas mais perigosas de consumo (por exemplo, o período da Lei Seca americana foi o único da história da humanidade em que se constatou o uso injetável de álcool. Isto porque, ao dificultar o acesso e aumentar o preço, as pessoas queriam tirar o maior proveito possível de pequenas quantidades de álcool disponíveis, o que as levou a injetarem a substância). Não sabemos exatamente quais seriam as consequências da legalização, mas sabemos que as experiências de maior tolerância com relação ao uso de drogas resultam em menores prejuízos relacionados ao consumo. Por isso, a maioria dos países desenvolvidos tem caminhado para a descriminalização do uso. E essas experiências têm sido todas muito efetivas, conforme mostram as pesquisas científicas.

Elisaldo Carlini -Esse é o tipo de pergunta a que não se pode responder “sim” ou “não”. É preciso primeiramente saber até que ponto a população tem instrução a respeito das drogas. Até que ponto as leis são draconianas e põem na cadeia alguém que está com uma pequena quantidade de droga. Nos EUA, de 2001 a 2005, cerca de 700 mil jovens foram detidos anualmente por posse de droga. Destes, muitos foram condenados, e os que tinham dinheiro para conseguir bons advogados ficaram livres. No mesmo período ocorreram mais de 200 mil prisões por estupro. Aqueles jovens, que eram réus primários e membros de grupos pacifistas, passaram a conviver com esses criminosos. É preciso discutir muito o significado da legalização e, por outro lado, o médico não está suficientemente preparado para essa resposta, que vai além da Medicina. Envolve sociologia, religião, aspectos jurídicos, e tudo isso tem que ser discutido amplamente antes de se dizer “sim” ou “não”. Da maneira como está a lei, nada pior do que ela, mas resolver por uma outra em relação à qual nós não sabemos o que vai acontecer... Eu quero saber quais são as consequências e quais são as vantagens. A vantagem é você não botar na cadeia. As consequências, eu não sei ainda. Por exemplo: vale a pena liberar todo tipo de droga sem que haja uma grande campanha educativa sobre as consequências para o corpo humano pelo uso dessas drogas? São grandes, pequenas? Depende da quantidade, depende de cada um? Tudo isso tem que ser discutido.

Maria Lucia Formigoni -Não há uma resposta simples. Há vantagens e desvantagens que precisam ser ponderadas. Se, por um lado, a legalização pode reduzir a criminalidade associada à comercialização ilícita, por outro, pode ser interpretada como um “aval” governamental para o uso de qualquer substância. A legalização poderia reduzir o enorme contingente de jovens presos por pequeno tráfico, que ocupam hoje mais de 20% do sistema carcerário do país, sistema este que não tem cumprido a função de promover a ressocialização e recuperação dessas pessoas. Além disso, em caso de legalização, a indústria responsável pela produção e comercialização utilizaria todo o seu arsenal de marketing para promover o uso, como ocorre com as bebidas alcoólicas. Especialmente os jovens, que nunca utilizaram drogas ilícitas pelo fato de serem legalmente proibidas, poderiam passar a experimentá-las e parte deles faria uso frequente, podendo desenvolver dependência. Experiências de “guerra às drogas”, assim como as da Lei Seca nos EUA, mostraram-se ineficazes. A legalização em pequenos países teve ainda efeitos contraditórios, reduzindo a criminalidade, mas atraindo usuários de outros países. O uso de substâncias para fugir ao estado normal de consciência acompanha a humanidade desde a pré-história e, existindo essa demanda, jamais será possível extinguir totalmente o uso de drogas na sociedade. Há que se considerar o nosso contexto sociogeográfico, a proximidade de países produtores, o atual conhecimento científico, as experiências bem e malsucedidas de outros países, assim como nossa realidade social, econômica e cultural, ao encarar o desafio de encontrar a melhor forma de enfrentar os problemas associados ao uso de drogas.

Política de internação compulsória?

DXS - As internações involuntárias (incluindo a compulsória) seriam situações de exceção que deveriam ser adotadas quando o indivíduo perdeu a capacidade de autodeterminação e está em risco de vida (por exemplo, uma pessoa convulsionando na rua será levada a um serviço de atendimento, independentemente de sua vontade). Porém, em relação aos dependentes químicos, os casos em que está indicada a internação involuntária são exceções e correspondem a menos de 5%. Deveria ser restrita aos dependentes que estão absolutamente fora de si (psicóticos, por exemplo), o que configura urgência psiquiátrica com incapacidade de autodeterminação. Por isso, não se pode pensar em internação compulsória enquanto política pública, mas sim como conduta clínica em situação de excepcionalidade. Utilizar internação compulsória em massa, como política pública, só se justifica enquanto medida higienista de caráter eticamente questionável e eficácia baixíssima, já que as taxas de sucesso terapêutico em tais situações são menores do que 10%. Além disso, a grande maioria dos dependentes internados contra sua vontade volta a usar drogas menos de um mês após a internação.

EC - Absolutamente contra. Isso é um atraso e uma vergonha para o país, é condenado pela ONU, que pede que os países que passaram a adotar essa política fechem as unidades e liberem todas as pessoas detidas. Não é novidade nenhuma. Existia uma lei federal, de 1921, que dava ao juiz o direito de internar compulsoriamente - pelo tempo que bem entendesse - esses pacientes, e outra, de 1938, dizendo exatamente a mesma coisa. Essas duas leis funcionaram? Não. Então nós estamos repetindo o mesmo erro crasso já cometido, pensando que repressão resolve o problema do comportamento humano. Não resolve. Essa questão, a que chamamos de “higienização” da sociedade, ocorreu em um passado bem recente, em 1920, na ascensão do nazismo na Alemanha, onde só poderia haver a raça pura, com o extermínio das demais. No Brasil, nesse mesmo período, existiu a Liga de Higiene Mental, e os psiquiatras que dela faziam parte eram chamados “mentalistas”. Eles achavam que, para poder “limpar” a sociedade, o melhor seria tirar esse pessoal de circulação, colocando-os em albergues e abrigos. Isso também aconteceu em Roma, em 460 a.C. Roma foi o apogeu do mundo e, por isso, precisava ter os melhores soldados. Então, cumpria-se ali uma lei segundo a qual quem apresentasse problemas de ordem mental era condenado à morte e jogado de uma rocha, chamada rocha tarpeia. Na realidade, isso é um atraso e um retrocesso injustificável. Por trás disso há uma briga enorme chamada “desospitalização” ou “luta antimanicomial”. A Psiquiatria nos últimos anos considera, cada vez mais, que não são precisos tantos hospitais psiquiátricos. Vale muito mais o trabalho ambulatorial, solidariedade, atendimento - e com isso a tendência é a de que os hospitais psiquiátricos diminuam. A internação compulsória tem um sentido inverso.

MLF - A internação compulsória pode ser indicada e necessária quando a pessoa se encontra em uma fase de problemas muito graves, para evitar que ela coloque a si mesma ou outras pessoas em situações de alto risco. Um período de abstinência forçada pode ser usado para ajudá-la a perceber com mais clareza seu comprometimento e motivá-la a aceitar tratamento. Entretanto, isto não significa que esta deva ser uma indicação rotineira, nem tampouco prolongada. É essencial para a recuperação que a pessoa aprenda a lidar com as situações desencadeadoras do uso na vida real, desenvolvendo outras respostas de enfrentamento. São de idêntica importância a participação da família e a reinserção no mercado de trabalho, em um ambiente social que não represente alto risco para o uso de drogas.

Política de redução de danos?

DXS - Redução de danos abrange uma série de estratégias que têm por objetivo reduzir os riscos (ou danos) relacionados ao consumo de substâncias psicoativas. Um exemplo de redução de danos na prevenção seria a campanha Se Beber Não Dirija. Isto é redução de danos porque não interfere no hábito de beber do indivíduo, mas apenas toma medidas de proteção com o indivíduo que bebeu. Outro exemplo é o tratamento de substituição para os dependentes de heroína, morfina e outros derivados do ópio. Prescreve-se metadona - também derivada do ópio - para que o indivíduo não precise usar as outras drogas que lhe são mais agressivas. Ou seja, o médico ao prescrever metadona, está dando uma droga de abuso ao paciente, que seria menos danosa do que as outras das quais ele se tornou dependente. Com as melhores estratégias de tratamento a dependentes, conseguimos que apenas um terço deles se torne abstinente de drogas (aqui incluindo drogas legais, como o álcool, ou ilegais, como a cocaína). Isto significa que, mesmo em condições ideais, dois terços dos pacientes de que tratamos não conseguem ficar abstinentes. Para essa maioria, podemos utilizar estratégias de reduzir os danos relacionados ao consumo, possibilitando que esses indivíduos tenham uma vida produtiva, mantenham relações interpessoais e sejam pessoas satisfeitas consigo mesmas, independentemente de usarem ou não drogas. E apenas para lembrar, os estudos epidemiológicos mostram que, à semelhança do que acontece com o álcool, a grande maioria dos usuários de drogas (incluindo as ilícitas) são apenas usuários ocasionais que nunca vão se tornar dependentes.

EC - Totalmente favorável. Aliás, não só eu, mas o mundo. A Organização das Nações Unidas (ONU). A Organização Mundial da Saúde (OMS). Quando fui integrante da ONU, visitei um centro de redução de danos na França. Era um local onde o dependente recebia agulhas para se drogar. Por que o governo francês fazia isso? Porque tinha certeza que, dando a agulha (não a droga), reduziria a contaminação por doenças como a Aids. Vale a pena: se você não consegue impedir o indivíduo de injetar drogas na veia, não vai evitar que ele tenha Aids e morra? Vale a pena. A redução de danos busca combater as piores consequências do mundo das drogas em condições que não têm mais jeito. Sou totalmente favorável e estou junto com a maioria.


MLF - Sim. Considerando que as pessoas usam drogas, seja por opção seja por terem perdido sua capacidade de controle ou escolha, todas as iniciativas que possam reduzir os problemas associados são válidas. Elas contribuem para a redução de doenças transmissíveis e dos gastos do sistema de saúde. É importante deixar claro que a política de redução de danos não deve ser confundida com um estímulo ao uso ou à legalização. Ela também não é excludente, mas complementar às políticas de prevenção, e frequentemente é uma porta de entrada para o tratamento.

(*) Colaborou Larissa Marolla

Uma perspectiva divergente

O coordenador da Unidade de Pesquisa em Álcool e Drogas (Uniad), professor e psiquiatra Ronaldo Laranjeira, foi procurado pelo Entrementes, mas não retornou o contato até o fechamento desta edição. Dado o fato de que o professor é publicamente reconhecido como porta-voz de uma opinião diferente dos demais pesquisadores da Unifesp, julgamos importante compilar algumas declarações representativas de seu pensamento, concedidas durante entrevista ao programa Roda Viva, da TV Cultura, no dia 20 de maio de 2013:

Legalização das drogas ilícitas: Contra. Ao facilitar o acesso, o consumo tende a aumentar, fato que já acontece em Portugal, com a descriminalização das drogas em 2001, e no Brasil, após a redução da gravidade da conduta do usuário em 2006.

imagem de potes de remédios

Internação compulsória: Por ser um caso que foge ao controle da família e dos profissionais da saúde responsáveis, não é a forma mais adequada de tratamento, pois é decidida por um juiz ou promotor, e não por um médico.

Redução de danos: Contra. A melhor forma de tratar um dependente é fazer com que ele pare de usar drogas e não estimulá-lo a drogar-se, mesmo que de forma moderada. Diz não ter conhecimento de casos bem-sucedidos em que pessoas se curaram da dependência de uma droga usando outra.

 

imagem da capa do Entrementes especial 2 com um homem acendendo um cigarro  Sumário da edição especial 2

Publicado em Entrementes Especial 2