Karina Possa Abrahão
Biomédica pela Unifesp e PhD. Atualmente ocupa a posição de pós-doutora no National Institutes of Health (NIH), nos EUA, onde trabalha com modelos usuais de animais em relação à dependência química e alterações de plasticidade sináptica.
Não rara é a discussão sobre o desenvolvimento científico de um país, as implicações sociais da ciência, as melhorias tecnológicas e, obviamente, o dinheiro investido em tudo isso. Ainda assim, vale pontuar que a ciência básica vislumbra aumentar o conhecimento humano de como os seres vivos e o universo funcionam. Para mim, o combustível essencial para a ciência é a curiosidade. E só! Sabendo disso, chegamos a um ponto delicado: a ciência básica, pelo menos inicialmente, não se preocupa com a aplicabilidade ou com o desenvolvimento de melhorias para a sociedade.
Acredito que exista a consciência sobre a importância da ciência básica. Então, por que será que artigos ressaltando o perigo que corremos com a diminuição de verbas para o desenvolvimento da ciência básica são cada vez mais frequentes? Haja vista o recente artigo na revista PNAS, de autoria de Bruce Alberts e outros importantes cientistas. Apesar dessa consciência, a grande maioria das pessoas tem uma afinidade muito maior com a bandeira da aplicabilidade, da causa social e da solução dos problemas da humanidade.
O fato é que o resultado da ciência básica é imprevisível. O uso do conhecimento básico para futuras aplicações pode ser feito por qualquer cientista, em qualquer lugar do mundo, a qualquer momento. Isto significa que o investimento na ciência básica em um país pode desencadear um avanço tecnológico em outro. Mesmo assim, o país que domina a ciência básica apodera-se dos fundamentos, dos conhecimentos, das tecnologias e, acima de tudo, dos recursos humanos que a desenvolveram. Com esse arsenal fica fácil usufruir do conhecimento básico para prosperar em sua aplicabilidade.
Observemos a situação sob a perspectiva dos Estados Unidos, os maiores investidores em ciência básica nos últimos anos e também os maiores usuários dela. Se contabilizarmos o sucesso científico de um país pelo número de prêmios Nobel, patentes, publicações, cientistas, retorno financeiro etc., verificaremos que os Estados Unidos usufruem significativamente do investimento que fazem no conhecimento fundamental, mesmo que este seja, em si, baseado na pura curiosidade.
Um exemplo simples! Quando iniciado o projeto do genoma humano, sabíamos muito pouco sobre quais seriam as possíveis aplicações de tal conhecimento. Nem cogitávamos qual seria o retorno financeiro para os milhões de dólares que estavam sendo gastos. O projeto do genoma humano proporcionou um retorno sobre o investimento de 141 para 1, ou seja, para cada dólar gasto no projeto, 141 dólares foram gerados. Não precisamos ser economista para nos impressionarmos.
Acontece que o sistema americano também entrou em um fluxo contínuo de diminuição de investimento em ciência. Primeiro, porque o país vive uma crise econômica e, segundo, porque mudou diversos de seus objetivos sociopolíticos. O fato é que, se há alguns anos a idade para um cientista conseguir o primeiro financiamento independente era – em média – de 38 anos, em 2010 a média subiu para 47 anos: “Uma geração de cientistas está sendo massacrada pelos cortes financeiros aos quais a ciência básica é submetida”, foi o que disse Stephen Desiderio, diretor do Johns Hopkins Institute. E digo que, quando esses cortes são mantidos, uma década passa a ser o tempo de atraso do avanço científico.
Tanto lá quanto aqui, o investimento financeiro em ciência é pauta de discussão de botequins a agências financiadoras. Os cientistas dizem que ele não é suficiente, o governo diz que faz o que pode! E esse é um problema moderno, uma vez que no passado a ciência era feita com dinheiro, muitas vezes, particular: Josef Breuer, por exemplo, apesar de ter sido um famoso e bem-sucedido médico e um dos pais da psicanálise, tinha um laboratório de pombos em sua casa. Acredito que a internacionalização do investimento científico em pesquisa básica possa ser uma saída. Muitos me apontarão o dedo e dirão que vivo na utopia, mas vários problemas de saúde pública – tratados como metas primordiais internacionais – são financiados pela Organização Mundial da Saúde, por exemplo. Por que não a ciência básica? Fica a sugestão!
Ainda não encontrei em reportagens e publicações a solução sobre o balanço ideal de investimento financeiro em ciência que um país deve adotar. O que sei é que, para o sistema científico funcionar por completo, parte desse investimento deve ser guardado para a ciência pura, fundamental e básica. Como bem colocado pelo genial Michael Faraday, podemos não saber agora para o que serve determinada descoberta, mas também não sabemos qual será a evolução de um bebê depois que nasce. Certamente saberemos no futuro.
O que podemos fazer? Divulgar a ciência básica a toda a população, divulgar sua importância, incentivar a curiosidade científica entre todos. Se o dinheiro público, no mundo ideal, é administrado por um governo representativo democrático, ele deve ser investido naquilo que a sociedade julga importante. Que seja uma decisão baseada em fatos científicos, exemplos reais e ideais significativos. Nada mais consistente do que a ciência desenvolvida a partir do conhecimento básico e dirigida a partir de uma característica cognitiva fundamental: a curiosidade.