Os benefícios da amamentação são inúmeros, tanto para o bebê quanto para a mãe. O leite materno é o mais completo alimento, atende às necessidades de nutrientes da criança até seis meses de idade, reforça o vínculo entre mãe e filho, entre outras qualidades, além de proteger a mãe do câncer de mama e ovário. Porém junto a todos os aspectos positivos, a amamentação pode trazer incômodos que levam a desistência, como é o caso das lesões mamilares, muito frequentes em mulheres que amamentam. Causada, principalmente, por posicionamento errado do bebê e pela pega no peito de forma incorreta, as soluções para esse problema são escassas. O procedimento recomendado pelo Ministério da Saúde é a utilização de leite materno, correção da causa e banho de sol na região lesionada. Mesmo assim os resultados nem sempre são completamente favoráveis e as lesões podem persistir, incomodando e muito a mãe durante o aleitamento.
Pensando nas dificuldades para encontrar uma técnica, um método ideal, que não prejudique a criança de nenhuma forma, uma pesquisadora resolveu buscar novas formas de tratamento. Kelly Pereira Coca, professora da Escola Paulista de Enfermagem (EPE) da Unifesp – Campus São Paulo, na época em que fazia doutorado, começou a pesquisar sobre a possibilidade de usar o laser como solução. Para a professora associada, chefe de departamento de Enfermagem em Saúde da Mulher e orientadora da tese, Ana Cristina Abrão, o aleitamento materno deve ser uma prática prazerosa, sem dor ou sofrimento, por isso a importância em aliviar qualquer tipo de desconforto que apareça. Desse modo surgiu a ideia de pesquisar os efeitos do laser vermelho com baixa potência na redução da dor e das lesões. “Como estimularemos a amamentação, baseadas nos inúmeros benefícios, se a mulher queixar-se de muita dor, apresentar mamilos com lesões que chegam a sangrar?”, questiona Kelly.
Laser de baixa potência utilizado no tratamento
Professoras Kelly Coca e Ana Abrão: pesquisadoras da atuação do laser nas lesões mamilares
Depois de estudarem as principais causas das lesões mamilares, as pesquisadoras partiram para a utilização efetiva do laser. Conhecidas as propriedades curativas desse equipamento nas áreas de Dermatologia, Odontologia, Cirurgia, Oftalmologia, dentre outras, a ideia foi remanejá-las para o tratamento desses machucados. Durante a pesquisa foram utilizados dois aparelhos iguais, chamados de A e B; em um deles foi alterada a potência da luz emitida enquanto no outro foi mantido seu funcionamento normal. As puérperas foram separadas em dois grupos, um recebeu o laser sem intervenção, enquanto no segundo houve o controle. Por uma questão de ética, todas as mães obtiveram orientação sobre como amamentar corretamente, corrigindo o posicionamento após as avaliações e o processo foi acompanhado. Comparando os resultados clínicos, pode-se observar que os dois grupos obtiveram melhora no que diz respeito ao desconforto, porém o que experimentou a terapia com o laser teve mais sucesso.
Ao final dessa primeira pesquisa, que pode ser considerada pioneira na área de tratamento das lesões, foi comprovada a eficácia do laser no alívio da dor de machucados nos mamilos durante a amamentação, parâmetro clínico importante para a reparação tecidual da região. No entanto, ainda não foi possível mostrar que o laser é totalmente eficaz na cicatrização, porém isso foi perceptível no dia a dia das pacientes estudadas. “Quem aplicou não sabia qual era o equipamento que estava funcionando e quem leu os resultados também não sabia. Nós conseguimos perceber a diferença entre as lesões de mulheres tratadas e não tratadas na hora que avaliamos as fotos, no entanto, os resultados estatísticos não provaram nada em relação à cicatrização dos ferimentos mamilares”, disse a professora Ana Cristina sobre o que observou do antes e depois das aplicações da intervenção. Como foi uma pesquisa nova sobre o assunto, a dose e a frequência utilizadas serão consideradas como base para novos protocolos, e é por isso que as pesquisadoras estão desenvolvendo outros projetos para avaliar estatisticamente sua eficácia na reparação tecidual das lesões mamilares. Assim outros levantamentos estão sendo feitos para aprofundar o que já foi descoberto, tentar encontrar esse valor, registro que indique a dose ideal para o tratamento. “Nós ainda temos muito no que avançar daqui para a frente, isso foi só o começo de tudo”, garantiu Kelly.
A pesquisa contou com ajuda de uma equipe de profissionais vindos de várias áreas do conhecimento, foi coorientada pela professora da EPE/Unifesp Mônica Antar Gamba, especializada em Dermatologia. Além da orientação das odontologistas da Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo (USP) que deram suporte em relação ao uso do laser. “Nós trabalhamos com um grupo muito bem preparado e estruturado para ajudar no tipo de estudo proposto”, disse Kelly. O financiamento do projeto, por conta do prazo e da demora para obter uma resposta ao submeter a uma agência de fomento, se deu pelos próprios envolvidos, porém o trabalho seguinte, a sequência deste, conseguiu apoio de uma agência tradicional.
O laser em questão, com 40 watts de potência, não tem nenhum efeito negativo; ele “é a solução buscando o problema”, ou seja, na área comprometida, ele diminuirá o edema, estimulará a produção de ATP (adenosina trifosfato) celular, aliviará as substâncias químicas que são liberadas para acionar o processo de dor, fazendo uma limpeza, enfim, é um campo que irá trazer muitos resultados ainda. O uso do laser, associado à orientação correta do posicionamento do bebê na amamentação, reduziu o desconforto causado pela dor e isso já ajuda no estímulo ao aleitamento materno, fazendo com que a mãe não desista.
Segundo a professora Ana Cristina, a OMS (Organização Mundial da Saúde) preconiza que as mulheres amamentem durante seis meses exclusivamente. Porém, no Brasil, ainda conforme a pesquisadora, a última pesquisa mostrou que esse tempo de amamentação exclusiva está em torno de 50 dias, muito pouco perto da recomendação de 180 dias. Por isso é tão importante estimular essa prática entre as mães, com políticas públicas (Rede Brasileira de Bancos de Leite Humano, entre outros exemplos), além de encontrar maneiras de oferecer tratamentos para os desconfortos que surgem ao longo do processo.
O uso desse tipo de equipamento, que já existia no mercado, porém agora utilizado para a melhora das lesões mamilares, vem trazer uma luz no fim do túnel, ou seja, será possível conseguir que as mulheres tenham menos dor ao amamentar. Como existem vários tipos de danos na região da aréola e mamilo, é preciso estudar também qual é a melhor dose, frequência e potência de acordo com a característica deste. “Agora nós iremos trabalhar com as lesões diferentes, avaliando as características específicas, para conseguir aproximar ao máximo de uma resposta mais rápida e satisfatória”, concluiu Kelly.
Posições corretas para amamentação
Com o propósito de evitar as lesões mamilares, a correção do posicionamento do bebê é fundamental