Maria Lucia Oliveira de Souza Formigoni
Pró-reitora de Pós-Graduação e Pesquisa
Débora Amado Scerni
Pró-reitora adjunta de Pós-Graduação e Pesquisa
O processo de transmissão do conhecimento entre “mestres” e “discípulos” remonta a milênios, tendo assumido diferentes formatos em épocas e culturas específicas. Da mesma forma, a pós-graduação, associada à pesquisa, na Unifesp não se iniciou apenas após seu reconhecimento formal, no início da década de 70, mas faz parte de nossa história desde os primeiros anos de funcionamento da Escola Paulista de Medicina (EPM). Embora a primeira tese de doutoramento tenha sido defendida em 27 de outubro de 1939 (Contribuição para o estudo dos capilares e das anastomoses arteriovenosas “in vivo”, de José de Paula e Silva, orientada pelos Drs. André Dreyfus e Edgard Barroso do Amaral e apresentada à cadeira de Histologia e Embriologia Geral), a organização formal da pesquisa e da pós-graduação só se deu muitos anos mais tarde. A pesquisa básica foi impulsionada pelas contratações, em 1937, do professor de Farmacologia José Ribeiro do Valle (1908-2000), formado pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e indicado pelos Profs. Otto Bier e André Dreyfus, e, em 1943, do professor de química fisiológica José Leal Prado (1918-1987).
Quadrilátero delimitado pelas ruas Botucatu, Borges Lagoa, Pedro de Toledo e Napoleão de Barros (1948)
Inicialmente, eles realizaram suas pesquisas nos laboratórios do Instituto Butantan. A importância de seus trabalhos, evidenciou a necessidade da permanência de ambos, em tempo integral na EPM, razão pela qual foi instalado o Laboratório de Farmacologia e Bioquímica (1947), ao lado da farmácia do Hospital São Paulo (HSP). O rápido crescimento do setor levou à criação de um espaço próprio, no edifício hoje nomeado Leal Prado, inaugurado em 1956 – mesmo ano da federalização da EPM. No saguão desse edifício (situado na rua Botucatu, 862) permanece até hoje o mural que representa uma introdução pictórica à Medicina experimental no Brasil (capa desta edição). Foi lá que esses professores e seus seguidores desenvolveram o primeiro núcleo de pesquisa da EPM, com foco na Endocrinologia experimental e nos sistemas de peptídeos vasoativos.
Neste departamento formaram-se docentes pesquisadores que criaram, posteriormente, os Departamentos de Bioquímica, Farmacologia, Biofísica e Psicobiologia da EPM - os dois primeiros atualmente instalados no Instituto de Farmacologia (Infar) e os dois últimos no Edifício de Ciências Biomédicas (ECB). Nesses locais iniciou-se o grande desenvolvimento da pesquisa básica da EPM. À mesma época (1951), foram criados o Conselho Nacional de Pesquisa (CNPq) e a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), ocorrendo também a realização da 1ª Bienal de São Paulo. Alguns anos mais tarde (1962), seria criada a Fapesp.
O contexto de efervescência intelectual contribuiu muito para o crescimento da pesquisa na EPM. Diante da necessidade de formação de pesquisadores nas áreas básicas da Medicina, sob a coordenação dos professores Ribeiro do Valle e Leal Prado, foi instituído, em 1966, o curso Biomédico, cujo currículo previa a participação em pesquisas científicas. Os estudantes, em número limitado – medida adotada com o objetivo de garantir a qualidade do aprendizado –, participavam ativamente não só da execução prática dos projetos de pesquisa, mas principalmente de ricas discussões intelectuais.
Os fundadores do curso tinham a intenção de criar, naquele momento, a primeira universidade pública federal em São Paulo, mas os planos foram obstados pelo regime militar implantado no país em 1964. Em dezembro de 1965, o Ministério da Educação emitiu o Parecer nº 977/65 (popularmente denominado “Sucupira”, por ter sido este o sobrenome de seu relator, o professor Newton), definindo os cursos de pós-graduação. Nele consta que: “...um programa eficiente de estudos pós-graduados é condição básica para se conferir à nossa universidade caráter verdadeiramente universitário, para que deixe de ser instituição apenas formadora de profissionais e se transforme em centro criador de ciência e de cultura.”
O parecer diferenciava os objetivos da pós-graduação stricto sensu dos da especialização (lato sensu) e mencionava ainda a existência, em outros países, de um nível superior de estudos – o pós-doutorado. Indo além dos aspectos meramente técnicos, discutia a filosofia da criação desses cursos, mencionando aspectos históricos e comparações entre os sistemas educacionais estadunidenses e europeus, tornando-o leitura obrigatória para todos os interessados. No ano seguinte, foi promulgada a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional ( LDB, Lei nº 9.394/96), que, em seu artigo 44, determina as condições para oferta de cursos e programas de pós-graduação.
No início da década de 1970, a Capes credenciou os primeiros programas formais de pós-graduação da EPM (Biologia Molecular, Farmacologia, Histologia, Microbiologia e Imunologia), que, desde aquela época, postulavam uma abordagem interdisciplinar, aproximando as áreas básicas e clínicas da Medicina. Constituiu-se assim, formalmente nossa pós-graduação, tendo o professor Ribeiro do Valle como o primeiro presidente da Comissão de Pós-Graduação da EPM. A primeira tese da fase oficial da pós-graduação foi defendida em 13 de agosto de 1971, por Jandira Masur, sob orientação do professor Elisaldo L. A. Carlini, pelo programa de Farmacologia: A técnica do campo – aberto como medida de resposta emocional de ratos. Influência de drogas psicotrópicas. No ano seguinte, Jorge de Almeida Guimarães, atual presidente da Capes, defendeu a tese Aminopeptidase cinino-conversora do soro humano, sob a orientação de José Leal Prado e coorientação de Eline Prado.
Em poucos anos, a pós-graduação passou por um período de crescimento exponencial.Em 1988, existiam 31 programas credenciados, todos em áreas relacionadas às ciências biológicas e à saúde. Essa expansão, com foco em áreas especializadas, principalmente as clínicas, viria a ser objeto de profundas discussões, levando a um processo de recredenciamento e reagrupamento de programas, ao final da década passada.
A expansão e o nascimento da universidade
Em 1994, ocorreu finalmente a transformação da Escola Paulista de Medicina em Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), à época uma universidade temática nas áreas biológicas e da saúde (Lei 8.957). Foram necessárias muitas medidas administrativas para adequar a estrutura vigente às novas necessidades. A mudança de identidade oficial, que na fase inicial extinguiu a Escola Paulista de Medicina, gerou, como tudo que é novo, uma mistura de reações de entusiasmo, nostalgia e insegurança. Foi uma reação natural, pois a Escola Paulista de Medicina, por 23 anos uma faculdade particular, posteriormente federalizada e transformada em instituição isolada de ensino superior, caracterizava-se por uma dose significativa de endogenia e informalidade, um ambiente quase familiar onde todos se conheciam e possuíam interesses e linguagens comuns. O súbito crescimento, vindo depois com a expansão para áreas completamente novas do conhecimento, foi um imenso desafio e provocou certa crise de identidade.
Antes do processo de expansão das universidades federais, iniciado em 2004, existiam apenas cinco cursos de graduação (Medicina, Enfermagem, Biomedicina, Fonoaudiologia e Tecnologia Oftálmica) e 45 de pós-graduação, todos na área de saúde. Com a expansão, a Unifesp ganhou cinco novos campi, situados na Grande São Paulo, Baixada Santista e São José dos Campos. Foram criadas cinco novas graduações relacionadas à saúde (Educação Física, Fisioterapia, Nu-trição, Psicologia e Terapia Ocupacional) no Campus Baixada Santista e 47 cursos em áreas inéditas na Unifesp. São oferecidos, atualmente, 42 cursos de bacharelado, 12 de licenciatura e 3 de tecnologia em diversos turnos (matutino, vespertino, noturno ou integral), perfazendo 54 turmas de ingressantes a cada ano.
Edifício de Pesquisa II – Campus São Paulo
Em 2013, foram matriculados 10.415 estudantes de graduação, um aumento de 779% em relação aos 1.336 estudantes matriculados em 2005. Essa rápida e massiva ampliação nas áreas de graduação levou à necessidade de desencadear processo similar na pós-graduação. Nos processos seletivos para docentes dos novos campi foi dada especial ênfase à formação pós-graduada, sendo a quase totalidade portadora do título de doutor ou grau mais elevado (pós-doutorado ou livre-docência). O significado implícito dessa exigência era a expectativa de atuação no tripé de ensino, pesquisa e extensão, no qual se apoia a Unifesp.
Se de um lado havia essa exigência por parte de quem selecionava, de outro havia a expectativa de condições adequadas à sua execução, com uma estrutura física e administrativa capaz de permitir que tal crescimento ocorresse em plenitude. Entretanto, dificuldades de recursos humanos e financeiros, aliadas à pouca experiência no gerenciamento da nova e imensa organização necessária ao funcionamento de uma universidade com vários campi, fisicamente distantes, gerou frustração nos novos docentes.
Em resposta a esses desafios, a Pró-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa, sob o comando da Prof.ª Helena B. Nader, coordenou a apresentação de propostas de cursos novos (APCNs) à Capes. Em esforço conjunto com as diretorias dos diversos campi e com os docentes interessados, foram redigidas várias propostas, tendo inicialmente como pilar comum a ideia da interdisciplinaridade. Pensava-se naquela época em um único curso de pós-graduação com maior abrangência para cada novo campus. Entretanto, se em algumas áreas esse tipo de proposta foi bem acolhido – como no caso dos programas interdisciplinares de Ciências da Saúde, na Baixada Santista, e de Ciência e Tecnologia da Sustentabilidade, em Diadema, em outras, mais tradicionais, principalmente nas Ciências Humanas, foi necessário manter o caráter disciplinar, por orientação das coordenadorias da Capes.
O funcionamento do primeiro programa de pós-graduação de caráter interdisciplinar e intercampi – unindo pesquisadores do Campus de Guarulhos e do Campus São Paulo – foi aprovado pela Capes em 2008 (mestrado em Educação e Saúde na Infância e Adolescência). Entre 2009 e 2013, foram aprovados outros 15 programas nos novos campi. O processo de expansão da pós-graduação encontra-se em desenvolvimento. Existem hoje cinco propostas já submetidas à aprovação da Capes e outras em elaboração, a serem submetidas a esse órgão no início de 2014.
A Unifesp pretende, com tais iniciativas, criar condições propícias ao pleno desenvolvimento das atividades de pesquisa e pós-graduação em todas as áreas de atuação, com ênfase nas perspectivas multi e interdisciplinar. Neste volume da Entreteses encontra-se um catálogo com os principais dados dos 51 programas de pós-graduação da Unifesp já reconhecidos pela Capes.
Ao final de julho de 2013, computávamos 523 estudantes de pós-graduação (mestrado, doutorado ou mestrado profissional) matriculados nos programas com sede nos novos campi e 2.588 estudantes nos programas sediados no Campus São Paulo. Houve, portanto, um acréscimo de 25% em apenas cinco anos. Os 3.111 estudantes de pós-graduação atualmente matriculados representam 22,3% de todos os titulados em programas de pós-graduação (13.963) desde sua criação na década de 1970.
Desde 2002, a Unifesp oficializou o programa de pós-doutorado, tendo como supervisores os orientadores dos programas de pós-graduação. Ao final de 2012, estavam oficialmente inscritos no programa 454 pós-doutorandos, sendo 417 do Campus São Paulo e 37 dos novos campi. O estímulo à incorporação de pós-doutores à instituição é fundamental para garantir a alta qualidade das pesquisas realizadas e a consolidação de grupos de pesquisadores, que incluem estudantes de graduação participantes dos programas de iniciação científica e estudantes de pós-graduação, coordenados por pesquisadores orientadores (técnicos de nível superior e docentes).
Biblioteca Campus Baixada Santista
O alto conceito da pós-graduação depende não só da qualificação de seus orientadores, mas também das condições oferecidas aos estudantes para que desenvolvam seus projetos. Entre estas, a concessão de bolsas de estudo que viabilizem a dedicação integral à pós-graduação é fundamental. Dentre os alunos bolsistas de pós-graduação matriculados ao final de 2012, 267 eram beneficiados pelo Reuni (51 de doutorado e 216 de mestrado), 603 pela Capes (273 doutorandos e 330 mestrandos), 245 pela Fapesp (135 doutorandos e 110 mestrandos) e 249 pelo CNPq (136 de doutorado e 113 de mestrado). Dentre os pós-doutorandos 16 eram bolsistas da Capes, 33 do CNPq e 92 da Fapesp.
Paralelamente à implantação de programas de pós-graduação nos novos campi, foi realizada uma profunda avaliação dos programas “clássicos” da EPM, levando à convergência e redimensionamento de vários deles. Os critérios que nortearam esse processo foram discutidos durante meses, de forma aberta, no Conselho de Pós-Graduação, do qual participam representantes de todos os programas e discentes. Foram compostas comissões que atuaram como facilitadoras do processo, visando à absorção dos orientadores produtivos em programas interdisciplinares.
No final de 2004, existiam 45 programas de pós-graduação com sede na Escola Paulista de Medicina, que após o reagrupamento passaram a ser 34. Foram extintos programas cujas características principais eram excessivamente similares às dos programas lato sensu, de especialização profissional, e fortaleceu-se a interdisciplinaridade. Assim se formaram os programas de Medicina Translacional, Ciência Cirúrgica Interdisciplinar, Cirurgia Translacional e Gestão e Informática em Saúde.
O grande desafio no processo de expansão é fazê-lo com alto nível de qualidade e de forma a promover a integração de pesquisadores de diversas áreas do conhecimento. Com esse objetivo, a Pró-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa, em conjunto com as Câmaras de Pós-Graduação e Pesquisa dos campi e com os Comitês Técnicos de Pesquisa (organizados por grandes áreas de conhecimento), atua como facilitadora das discussões, apoia os pesquisadores no estabelecimento de parcerias e orienta a elaboração de propostas.
A grande maioria dos programas atuais (69,4%) obteve conceito bom (nota 4) ou superior na avaliação da Capes, no processo de credenciamento inicial e na avaliação trienal, classificando-se 24,4% deles na faixa de excelência (notas 6 e 7). Essas notas, embora utilizadas pela Capes como indicadores de qualidade dos programas, não devem ser consideradas como um valor em si, mas uma sinalização da área específica de coordenação, que leva em consideração os valores e peculiaridades de cada área. Embora existam algumas críticas aos critérios adotados no processo de avaliação, é fundamental a participação ativa de todos os pesquisadores, assim como dos gestores institucionais, nos debates que definem os indicadores e critérios para valoração das atividades de pesquisa e pós-graduação em cada área de conhecimento.
Considerando a necessidade de integração entre os pesquisadores e estudantes de pós-graduação da Unifesp, nos últimos quatro anos a Pró-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa tem organizado o Fórum Integrador de Pesquisadores. O objetivo é criar um ambiente que propicia não só a divulgação das principais linhas de pesquisa e propostas dos programas de pós-graduação, mas também uma oportunidade de aproximação entre pesquisadores dos diversos campi, facilitando a formação de parcerias e a consolidação das plataformas multiusuários.
A Unifesp, na época EPM, nasceu de um sonho de jovens médicos e pesquisadores que pretendiam construir uma faculdade melhor e mais avançada do que aquelas que já existiam no início do século XX. Esse espírito sonhador, empreendedor e disposto a encarar desafios permanece até hoje. Entretanto, o cenário mudou. Nossa realidade atual exige mais profissionalismo, acrescendo-se o fato de que existem legislações mais exigentes e limitadoras. Isto, entretanto, não deve ser um empecilho à criatividade.
A EPM sempre se preocupou com a saúde física e mental do ser humano, investindo em todos os aspectos ligados à prevenção, diagnóstico de distúrbios e reabilitação. Hoje, nossa universidade caminha por quase todas as áreas de conhecimento. Ampliamos o escopo, por considerarmos essencial a promoção do desenvolvimento responsável, no qual as novas tecnologias não sejam agentes poluidores e destrutivos do meio ambiente, mas ferramentas em prol desse processo, no qual sustentabilidade é a palavra-chave. Torna-se imperiosa, portanto, uma integração harmônica e interdisciplinar entre os pesquisadores lotados nos diversos campi da Unifesp, pois dessa forma a diversidade se torna nossa maior riqueza.
O século XXI impõe novos desafios à Unifesp, e mais particularmente à Pró-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa. Além de gerar novos conhecimentos, é essencial integrá-los e traduzi-los sob a forma de novos paradigmas e processos de inovação. Os jovens que ingressam nos cursos de pós-graduação precisam ser preparados para participar de projetos interdisciplinares nos quais se torna fundamental um conhecimento básico das diversas áreas com as quais poderão desenvolver a interlocução. Há necessidade também de uma linguagem comum – a da ciência – do raciocínio lógico, e de boa dose de criatividade, que não limite os sonhos, mas os direcione. Para isso, é essencial que seja concedida a esses jovens a oportunidade de transitar por caminhos diversos, oferecendo-lhes novos desafios – além de condições para encará-los –, pois é com razão e sonho que se faz ciência.