Daniel Patini
Um estudo realizado pelo Grupo Interdepartamental de Economia da Saúde (Grides), órgão complementar do Campus São Paulo - Unifesp, em parceria com a empresa Foco Opinião e Mercado, avaliou a percepção da população brasileira em relação aos medicamentos genéricos. Realizado entre abril e maio de 2013, o trabalho contou com a participação de cinco mil pessoas, residentes em 16 capitais brasileiras, das cinco regiões do Brasil, e foi publicado na revista BMC Public Health, especializada em epidemiologia e saúde pública.
De acordo com a pesquisa, 58,8% dos entrevistados consideraram a efetividade dos genéricos equivalente à do respectivo medicamento de referência. Apesar da percepção positiva encontrada pelo grupo, quase um terço da população estudada (30,4%) disse acreditar que os genéricos são medicamentos menos efetivos.
Além disso, 59,2% afirmaram que prefeririam ingerir o medicamento de referência caso os preços fossem semelhantes, enquanto 41% relataram que os genéricos são mais apropriados para doenças menos graves. “Esses resultados sugerem a subutilização do medicamento substituto ou o aumento da desconfiança em relação a seu uso, no caso de uma doença mais grave”, explica Elene Paltrinieri Nardi, estudante do curso de mestrado na área de Informática em Saúde da EPM e uma das autoras da pesquisa.
Percepção negativa
Ao contrário do que era esperado, cerca de um terço (32,4%) da população com renda de até dois salários mínimos mensais expressou desconfiança em relação aos genéricos, considerando-os medicamentos menos efetivos. Ao mesmo tempo, 24,3% da população que recebia mais de dez salários mínimos manifestou a mesma opinião. Por outro lado, a percepção do grupo de pessoas com idade mais avançada foi predominantemente negativa em relação aos genéricos, quando comparada à de grupos mais jovens.
“A visão negativa em relação aos genéricos, observada em pessoas de menor renda e mais idosas, levanta preocupação, pois esses grupos da população têm maior necessidade de medicamentos que tenham custos reduzidos, devido à restrição orçamentária ou à concomitância de doenças crônicas e, consequentemente, à utilização de maior número de medicamentos”, analisa a pesquisadora.
Histórico e perspectivas
Os medicamentos genéricos foram estabelecidos no Brasil pela Lei nº 9.787, de fevereiro de 1999, para fortalecer o acesso da população a medicamentos de melhor qualidade, mais seguros e com preços mais acessíveis – eles devem ser registrados na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) com preços 35% inferiores aos dos medicamentos de referência.
Transcorridos 16 anos da publicação da lei, a aceitação e utilização desses produtos ainda geram dúvidas na população. “Este trabalho pode contribuir para a formulação de políticas públicas de saúde que favoreçam o acesso da população a medicamentos seguros e de qualidade, além de auxiliar na formulação de estratégias que visem à otimização dos gastos em saúde com medicamentos”, complementa o diretor do Grides, professor Marcos Bosi Ferraz.
Diferenças entre os medicamentos
No Brasil, há três tipos de medicamento: os de referência, os genéricos e os similares. O medicamento de referência é o produto inovador cuja efetividade e segurança são garantidas por estudos clínicos. Ele apresenta marca comercial e, muitas vezes, é protegido por patente.
Os genéricos e os similares são cópias e somente podem ser comercializados após a expiração da patente do medicamento inovador. “Ambos devem apresentar o mesmo princípio ativo, concentração, forma farmacêutica, via de administração e indicação terapêutica que o respectivo medicamento de referência”, diz Elene.
Uma das diferenças entre esses medicamentos cópia pode ser observada nas embalagens. Os genéricos devem apresentar o nome do princípio ativo, identificações como a letra G e o número da lei que, no Brasil, definiu sua natureza. Já os similares são medicamentos de marca e, portanto, são vendidos com um nome comercial.
Em relação à efetividade, até 2014 apenas os medicamentos genéricos apresentavam estudos de bioequivalência e eram intercambiáveis com os respectivos medicamentos de referência. No início de 2015, com a Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) nº 58, de 10 de outubro de 2014, da Anvisa, os similares tornaram-se intercambiáveis com os outros dois tipos de medicamento, em razão da obrigatoriedade de testes de bioequivalência para sua comercialização.
Raio X da pesquisa
Para o estudo em questão, foram entrevistadas cinco mil pessoas com idade entre 15 e 99 anos, residentes em 16 capitais brasileiras, com a seguinte distribuição entre as regiões brasileiras: 415 (Norte), 1.390 (Nordeste), 2.105 (Sudeste), 720 (Sul) e 370 (Centro-Oeste). A amostra foi constituída por cotas representativas da população brasileira, de acordo com os dados do Censo 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), e proporcionais à densidade populacional das capitais em cada região do país.
O questionário abordou a percepção da população ante os medicamentos genéricos, no que tange à sua efetividade, efeitos colaterais, utilização, intervalo de tempo para surtir efeito, preferência individual e preferência dos médicos.
Dos entrevistados, 51,3% eram mulheres e 48,7%, homens; 48,6% situavam-se na faixa etária de 15 a 34 anos; e 52,3% tinham renda de até dois salários mínimos. Além disso, a maior utilização de medicamentos genéricos nos últimos três meses anteriores à aplicação da pesquisa foi observada na população feminina (49,2%) e na população acima de 65 anos de idade (61,1%).
Artigo relacionado:
NARDI, Elene P.; FERRAZ, Marcos B.; PINHEIRO, Geraldo R.C.; KOWALSKI, Sérgio C.; SATO, Emilia I. Perceptions of the population regarding generic drugs in Brazil: a nationwide survey. BMC Public Health, Londres, v. 15, n. 117, fev. 2015. Disponível em: . Acesso em: 17 abr. 2015.