Da Redação
Com a colaboração de Rosa Donnangelo
A ideia de que crianças prematuras desenvolvem miopia, muito disseminada entre oftalmologistas, sempre instigou Rafael Lourenço Magdaleno, médico especialista na área e mestre em Ciências pelo programa de pós-graduação em Oftalmologia da Escola Paulista de Medicina (EPM/Unifesp) - Campus São Paulo.
Pesquisas realizadas por Magdaleno, no Ambulatório de Oftalmologia do Hospital São Paulo (Hospital Universitário da Unifesp), levaram à conclusão de que não há prevalência de miopia tendo como pressuposto a prematuridade da criança. O erro refracional em questão deve ser analisado sob diversas perspectivas, entre elas a associação com a herança genética e com outros defeitos na visão.
A prematuridade e a Oftalmologia têm pontos correlacionados. O principal deles é a possibilidade, temida por parte dos médicos, de o bebê prematuro desenvolver a doença vascular da retina, chamada retinopatia da prematuridade (ROP). Sabe-se hoje que, embora exista tratamento disponível às crianças, há grandes chances de os pacientes já tratados apresentarem miopia ou outros problemas relacionados à visão.
A ROP manifesta-se por estágios, sendo o pior deles o descolamento total da retina. Os riscos da ROP aumentam quando o bebê tem problemas cardiorrespiratórios e é exposto ao oxigênio continuamente.
O principal objetivo do pesquisador foi analisar os erros refrativos por meio de exames oftalmológicos, entre eles, a retinoscopia. O segundo, não menos importante, foi testar duas drogas distintas usadas para provocar a cicloplegia – paralisia da pupila do globo ocular para identificação do grau de miopia e astigmatismo. Foram avaliadas 101 crianças, com idades entre um e 12 anos e idade gestacional menor que 37 semanas; nessa amostra sete apresentavam ROP, entre as quais duas já haviam sido tratadas.
Um dos medicamentos utilizados, o ciclopentolato, quando utilizado em concentração superior a 1% em crianças prematuras, causa alguns efeitos colaterais. A outra droga, a tropicamida, mostrou-se menos eficaz no efeito de cicloplegia com a mesma dosagem.
Denise de Freitas e Rafael Lourenço Magdaleno
“A primeira medida era avaliar se as drogas apresentavam efeitos diferentes ou não, desde que examinadas no seu melhor tempo de ação. O efeito de uma delas - a tropicamida – é mais fugaz, enquanto o da outra – o ciclopentolato – é mais prolongado, embora se inicie de maneira mais demorada. Com a primeira droga fomos obrigado a examinar as crianças em 20/30 minutos após a instilação da segunda gota da droga. Com a outra era necessário apenas uma gota, e nós examinávamos as crianças 40 minutos após a aplicação. A segunda tem melhor efeito cicloplégico e demanda menos tempo para que o exame seja realizado”, comenta Magdaleno.
Miopia não é a grande vilã
Após a realização dos testes, concluiu-se que o erro de refração mais frequente na amostra não foi a miopia, como esperado e previsto na literatura médica. O astigmatismo hipermetrópico composto, no qual a imagem se forma em dois focos atrás da retina, sobressaiu sob o efeito do ciclopentolato no exame de retinoscopia, com percentagens de 39,6% para o olho direito e 37,6% para o olho esquerdo. No entanto, com a utilização da tropicamida, a hipermetropia (erro de focalização e formação da imagem atrás da retina) prevaleceu, obtendo-se percentagens de 40,6% para o olho direito e 42,6% para o olho esquerdo.
Diante dos casos analisados de retinopatia da prematuridade, o pesquisador e sua orientadora – a professora adjunta Denise de Freitas, do Departamento de Oftalmologia e Ciências Visuais da EPM/Unifesp – são otimistas. “Está declinando o número de pacientes que precisa de tratamento, ou seja, é um ganho relacionado ao melhor desempenho da UTI pediátrica. Isso é ótimo para a criança e faz com que ela tenha um desenvolvimento ocular mais próximo da normalidade. Tivemos um pequeno número de míopes, mas nunca semelhante àquele que é descrito na literatura de alguns anos atrás. A exposição correta da criança ao oxigênio é componente desse resultado”, afirma o pesquisador.
Apesar das conclusões obtidas em relação às drogas utilizadas no exame de retinoscopia, verificou-se que a tropicamida e o ciclopentolato são em parte equivalentes e, para efeito de comparação, a diferença em dioptrias (unidade de medida de refração no sistema óptico) foi de 0,32 para o olho direito e 0,34 para o olho esquerdo. “Há coincidência parcial entre as substâncias, o que foi constatado na análise”, pontua Magdaleno..
Denise e Magdaleno concordam em que, na maior parte das vezes, há mais segurança ao utilizar a droga mais fraca, embora existam problemas devido ao tempo em que a droga age no sistema óptico. “Caso o médico não examine o paciente durante o período de melhor ação da droga, pode haver um erro de diagnóstico”, explica a orientadora.
O tratamento para os erros de refração apontados não está fora do padrão convencional. “Compreende apenas o uso de óculos”, finaliza o pesquisador.
Entenda o que é a retinopatia da prematuridade
Doença vasoproliferativa secundária, causada pela inadequada vascularização da retina imatura dos recém-nascidos prematuros, a retinopatia da prematuridade (ROP) pode levar à cegueira ou a graves sequelas visuais.
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), a ROP é uma das principais causas de cegueira prevenível na infância, estimando-se que dois terços das 50 mil crianças cegas em todo o mundo vivam na América Latina. No Brasil, entre os recém-nascidos prematuros com menos de 1.500g ou menos de 32 semanas de vida, 25% poderão apresentar a ROP em qualquer estágio; para cerca de 10% destes há a possibilidade de ocorrer a forma severa da doença com necessidade de tratamento.
Artigo relacionado:
MAGDALENO, Rafael Lourenço. Análise refracional de crianças prematuras. 2014. 92 f. Dissertação (Mestrado em Oftalmologia) – Escola Paulista de Medicina, Universidade Federal de São Paulo, São Paulo.