Criatividade e tecnologia transformam o ensino

Professor adota métodos diversificados para elevar a qualidade das aulas e atrair o interesse dos estudantes

Da Redação
Com a colaboração de Patricia Zylberman

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Os alunos de Licenciatura em Ciências analisam os dados fornecidos pelo professor Camilo Lellis-Santos. Nessa aula eles devem  descobrir qual doença na tireoide cada rato de pelúcia apresenta, com base em dados como peso, tamanho da tireoide e do coração, gordura visceral, frequência cardíaca e TSH plasmático (hormônio estimulante da tireoide) de cada modelo

Métodos de aprendizagem no Brasil sempre foram um tema de interesse para Camilo Lellis-Santos, docente do curso de Licenciatura em Ciências do Instituto de Ciências Ambientais, Químicas e Farmacêuticas (ICAQF/Unifesp) - Campus Diadema e responsável pelo Laboratório de Experimentação e Educação em Fisiologia (LExEF). Em 2008, quando ainda era pesquisador no doutorado da Universidade de São Paulo (USP), propôs ideias inovadoras e criativas para tentar melhorar a qualificação dos professores. Agora, tais ideias estão sendo postas em prática por ele, que trabalha justamente na formação dos profissionais de ensino.

Em busca de um método capaz de combinar o aprendizado teórico com o prático, Lellis-Santos fez a releitura de uma aula já existente sobre os hormônios da tireoide, em que se utilizavam lâminas para apresentar os efeitos do hipo e do hipertireoidismo, criando um modo inovador de ensinar.

O professor apresentou aos alunos várias bancadas, em cada uma das quais eram disponibilizados três ratos de pelúcia com órgãos feitos com massa de biscuit, e os desafiou a descobrir qual doença na tireoide cada modelo apresentava. Para isso, eram fornecidos dados como peso, tamanho da tireoide e do coração, gordura visceral, frequência cardíaca e TSH plasmático (hormônio estimulante da tireoide) de cada modelo, omitindo-se, no entanto, um dos dados mencionados anteriormente em um dos três ratos de cada bancada. A partir do que havia sido ensinado em aula, os alunos deveriam integrar todas as informações (apresentadas e omitidas) para chegarem ao diagnóstico final.

“Criei um ambiente de mistério, no estilo da série norte-americana CSI (sigla de Crime Scene Investigation), em que os alunos tinham de descobrir em quais ratos haviam sido injetadas substâncias que poderiam causar o hipotireoidismo, o hipertireoidismo ou nenhuma reação”, explica o professor. A aula, destacada como uma das melhores pela American Physiological Society (Sociedade Americana de Fisiologia), foi replicada na USP, na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e na Universidade Federal de Santa Catarina, além de ter sido apresentada pelo professor na Bishop’s University (Canadá).

Lellis-Santos acredita que, mediante a utilização dessas técnicas de ensino, os alunos ficam mais focados no conteúdo exposto, deixam de observar apenas um aspecto da doença e passam a fazer uma análise global das questões fisiológicas que lhes são propostas. Esse tipo inovador de aprendizagem foi bem aceito pelos alunos e, especialmente, pelos professores, que o utilizam cada vez mais nas aulas.

Outras técnicas criativas foram também desenvolvidas pelo docente para a abordagem de diferentes conteúdos. Ao ensinar o funcionamento do sistema cardiovascular, por exemplo, buscou auxílio nas artes. Pediu aos alunos que criassem a dobradura de um coração que pulsa, com anotações dos aspectos físicos do órgão, e que posteriormente poderia vir a ser utilizada nas provas como cola. Depois, deveriam realizar uma “dança do coração”. E, por fim, ao som da música Eu Sei (Na Mira)”, de Marisa Monte, que contém o seguinte trecho: “O meu coração é um músculo involuntário e ele pulsa por você”, efetuariam a integração de seus conhecimentos e percepções artísticas sobre o órgão estudado.

“São três momentos diferentes em que utilizo a arte em uma aula de Fisiologia. Hoje, a tendência no ensino é não fragmentar as áreas. Cada vez mais, uma disciplina deve estar associada a outra”, diz Lellis-Santos. A ex-aluna e atual orientanda de iniciação científica na área de Anatomia e Fisiologia, Juliana da Silva Medeiros, reafirma a ampla preferência pelas aulas inovadoras do professor: “Havia maior engajamento por parte dos estudantes, pois uma aula prática é mais divertida e dinâmica do que apenas acomodar-se e ver slides. Até nas aulas expositivas, o professor procurava trazer imagens diferentes, coisas que ele mesmo pesquisava. Então, ficávamos mais eufóricos quando a aula era dele.”

M-learning

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Professor do curso de Licenciatura em Ciências do Instituto de Ciências Ambientais, Químicas e Farmacêuticas da Unifesp - Campus Diadema e responsável pelo Laboratório de Experimentação e Educação em Fisiologia (LExEF), Camilo Lellis-Santos apresenta alguns recursos auxiliares para o aprendizado em sala de aula: a tradicional lousa e o moderno tablet

Antenado com as inovações tecnológicas, Lellis-Santos adota o mobile learning (aprendizagem móvel), modalidade de educação a distância que permite a interação entre os participantes que acessam celulares, tablets e notebooks. Com o auxílio de aplicativos instalados nesses – e em outros – dispositivos móveis abre-se a possibilidade de aprender em qualquer local e a qualquer hora. “A sala de aula terá de expandir-se, pois não é mais o único espaço de aprendizagem”, pondera. Eventualmente, os aplicativos podem ter sido criados para outro fim. Por exemplo, ao tentar aferir a vasodilatação que ocorre no organismo após a realização de exercícios físicos, o docente encontrou um aplicativo utilizado por maquiladores para decidir o tipo de cosmético mais adequado. Esse programa revela o grau de vascularização na pele do indivíduo, e essa informação é valiosa para os cálculos após as atividades físicas.

Lellis-Santos adota o aplicativo Socrative (similar ao Clicker Question, porém mais acessível), um sistema personalizado de respostas que propõe problemas e perguntas aos alunos por meio de celulares e tablets. O software envia diretamente ao instrutor um histórico que mostra a percentagem de indivíduos que acertou determinada resposta. Se esse número for menor do que 60% dos componentes da sala, conclui-se que há algo de errado com a compreensão do tema, e o conteúdo é retomado. O professor discorda da opinião comum, segundo a qual o celular pode atrapalhar o aluno: “Acredito que hoje temos alunos que são capazes de, ao mesmo tempo, conversar no Whatsapp e prestar atenção à exposição do professor. O pior erro que se pode cometer é tentar impedir o uso de celulares nas salas de aula por conta da característica cultural do adolescente brasileiro que é aderir ao proibido por ser atraente e controverso.”

Uma característica importante do m-learning é que esse sistema de modo algum negligencia a participação do responsável pelo processo de ensino-aprendizagem. Para que os aplicativos venham a ser utilizados, é necessário explicar como funcionam e que estratégias serão selecionadas para ajudar nas ações de ensino. “Esses laboratórios móveis servem apenas para a coleta de dados, pois não disponibilizam todas as explicações, as análises e as reflexões sobre o assunto – estas são feitas pelo professor junto com os alunos”, argumenta.

Intervenções pedagógicas

Hoje os cursos de ensino médio e superior buscam a integração entre as disciplinas. Coerente com essa tendência, Lellis-Santos, no âmbito da unidade curricular denominada Integração das Ciências, do curso de Licenciatura em Ciências, procura agregar conteúdos de Física, Química, Biologia, Matemática e Humanidades para formar um profissional capaz de transitar pelas diversas áreas, sempre a partir de um tema nucleador. Um dos temas desenvolvidos é a ação da luz sobre a clorofila das plantas. Para responder à questão: “Por que as plantas são verdes?”, uma equipe multidisciplinar, da qual participa, realiza a separação de pigmentos, seguida pela espectrofotometria, método de análise ótica que emprega conceitos de Química e Física, gerando um gráfico matemático. A partir de então, o professor de Matemática apropria-se da aula e passa a explicar o gráfico resultante da análise. As propriedades da luz são exploradas pelo professor de Física e, finalmente, os biólogos alinham todo o aprendizado com as consequências para a fotossíntese. Ainda contam com os ensinamentos do professor Sérgio Stocco, que pertence à área de Humanidades e elabora reflexões sobre cor, raça e políticas públicas. “Procuramos integrar a questão da luz e da clorofila em aulas que se estendem por vários dias”, admite Lellis-Santos.

Para ele, o Brasil, ao reproduzir modelos de ensino antigos e ineficientes, não atingirá patamares educacionais elevados. “Os alunos da geração atual precisam ser motivados a realizar suas obrigações por prazer. É a geração do ‘só faço se eu gostar’ ”, diz o professor ao comparar o momento atual com épocas anteriores, nas quais a relação professor-aluno era mais hierarquizada. Em suas aulas de Anatomia e Fisiologia, ele se realiza em intervenções criativas e dinâmicas, fugindo do excesso de conteúdo expositivo e aumentando as oportunidades de aprendizagem ativa. “Todos os meus alunos são inteligentes; meu papel não é transmitir, mas sim extrair e organizar o raciocínio de cada um”, completa.

Por fim, deve-se admitir que não é todo padrão tradicional que deve ser alterado. “Nós precisamos manter as características clássicas da universidade com pesquisadores da área básica que têm o domínio muito aprimorado de um determinado assunto. Porém, ao pensarmos na formação de professores, acredito que temos de caminhar para um viés sólido em conceitos clássicos e essenciais, mas – ao mesmo tempo – inovador nas práticas pedagógicas”, finaliza Lellis.