Mariane Santos
A queixa de dificuldades escolares é comum em crianças com enxaqueca. Uma pesquisa realizada pelo Setor de Investigação e Tratamento das Cefaleias (SITC), da Escola Paulista de Medicina (EPM/Unifesp) – Campus São Paulo, constatou que crianças que nunca fizeram o tratamento da doença apresentaram déficit de atenção seletiva e alternada, além de expressarem altos níveis de impulsividade durante os testes realizados.
Presente na vida de muitas crianças brasileiras, entre 3,76% e 17,1%, a patologia prejudica as atividades cotidianas dos menores, incluindo o desempenho das tarefas escolares, as relações familiares e sociais. Thais Rodrigues Villa, neurologista chefe do SITC e autora do estudo, explica que as pesquisas sobre a relação entre a atenção visual das crianças e a incidência de enxaqueca foram motivadas pela crescente demanda registrada pelo setor.
Os pesquisadores do SITC decidiram estudar a atenção visual de crianças recém-diagnosticadas e em tratamento preventivo da enxaqueca e compará-las a um grupo controle saudável. Foram analisadas 82 crianças de 8 a 12 anos de idade, divididas em três grupos: 30 crianças com enxaqueca sem tratamento, 22 crianças em tratamento e 30 crianças controle saudáveis.
Os 30 participantes do grupo sem tratamento haviam sido recém-admitidos no Ambulatório de Cefaleias na Infância do SITC. As crianças apresentaram uma média de cinco dias de dor de cabeça por mês, sem uso prévio de qualquer tratamento preventivo para enxaqueca.
Já os participantes do grupo que estava realizando tratamento preventivo da doença eram pacientes regulares do ambulatório, com média de 6 dias de dor de cabeça por mês antes da intervenção, que teve início de 4 a 6 meses antes da avaliação. Ela foi realizada com medicações indicadas para prevenção das crises de enxaqueca, que foram tomadas diariamente. As crianças em tratamento tinham que estar livres de dor e sintomas de enxaqueca nos dois meses anteriores à avaliação.
Já o grupo formado por crianças sem dor de cabeça foi selecionado por meio de questionários preenchidos pelos pais em duas escolas públicas de São Paulo.
Metodologia
A análise das crianças foi realizada entre fevereiro de 2008 e janeiro de 2012. Elas estavam livres de dor e sintomas de enxaqueca nos três dias que antecederam à verificação e foram submetidas a avaliações médicas e neuropsicológicas (veja box na página anterior).
Os critérios de exclusão estabelecidos foram: qualquer outra doença sistêmica concomitante; anormalidades reveladas no exame neurológico; QI (quociente de inteligência) inferior a 80; distúrbios psiquiátricos; dificuldades de aprendizagem; histórico de epilepsia; traumatismo craniano ou uso de drogas que atuam sobre o sistema nervoso central, incluindo o consumo de álcool, cigarro e drogas ilícitas; utilização anterior de profilaxia de enxaqueca (no grupo de enxaqueca não tratada); e histórico de episódios de dor de cabeça primária (no grupo controle).
Todos os participantes foram avaliados pela Escala de Inteligência Wechsler para Crianças (WISC-III), realizado por psicólogos do setor. O teste é um instrumento clínico, de análise individual, que mede a capacidade intelectual de crianças e adolescentes.
Menos impulsividade e mais atenção
As crianças com enxaqueca sem tratamento tiveram um desempenho significativamente pior em testes de atenção visual (Trail Makink Test A and B e Test of Visual Attention 3rd Edition – veja o box) em comparação com o grupo controle e o grupo de crianças submetidas ao tratamento preventivo da doença. Já o desempenho em tarefas de atenção foi dentro da normalidade em todos os grupos. Os participantes que nunca trataram a doença apresentaram déficits de atenção seletiva e alternada.
Durante os testes de atenção, crianças com enxaqueca apresentaram altos níveis de impulsividade. Já aquelas em tratamento apresentaram níveis inferiores de impulsividade e ansiedade e o desempenho de atenção semelhantes ao grupo controle saudável, destacando o benefício e eficácia para as crianças.
Em comparação com crianças que não receberam nenhum tratamento, as crianças que receberam melhoraram seu desempenho escolar e receberam menos queixas de pais e professores sobre déficits de atenção.
“É necessário investigar o déficit de atenção em crianças com enxaqueca e procurar ajuda especializada para o tratamento preventivo da dor de cabeça, quando este for indicado. Com um tratamento eficaz, é possível que o equilíbrio cerebral seja restabelecido e observamos melhora dos sintomas da enxaqueca e, consequentemente, dos déficits de atenção associados à doença”, conclui Thais.