Ana Cristina Cocolo
Peptideo derivado de CDR de anticorpo monoclonal (canto de baixo a esquerda) reage com beta-actina (vermelho) em células de melanoma e provoca a sua morte desintegrando a membrana nuclear (núcleos em azul)
Encontrar drogas mais eficazes contra o câncer e menos agressivas que a quimioterapia é um objetivo constante de pesquisadores do mundo todo. Um estudo desenvolvido na Unidade de Oncologia Experimental, do Departamento de Microbiologia, Imunologia e Parasitologia da Escola Paulista de Medicina (Unifesp), abre novas perspectivas de tratamento contra um dos diversos tipos existentes dessa doença: o melanoma maligno.
Fabricadas em laboratório, duas novas proteínas antimelanoma – chamadas de anticorpos monoclonais – foram capazes de inibir e combater células de melanoma maligno em camundongos (melanoma murino B16F10) tanto in vitro quanto in vivo.
Luiz R. Travassos, coordenador do laboratório e orientador da tese de doutorado do biólogo Andrey Dobroff, diz que o uso de compostos antitumorais eficazes tem a vantagem de evitar os inúmeros efeitos colaterais decorrentes da aplicação da quimioterapia convencional. “Nem sempre a quimioterapia tem a eficácia esperada devido à multirresistência a drogas por parte das células tumorais”, afirma. Encontrar alternativas de drogas biológicas, menos tóxicas, e mais potentes que impeçam a reprodução das células tumorais e causem a sua morte ainda é uma guerra que está longe de acabar. “Entretanto, julgamos estar no caminho certo”.
Desde 1990, Travassos lidera a linha de pesquisa na Unifesp sobre atividade antitumoral de biomoléculas e seus mecanismos de ação em modelos animais e em células tumorais cultivadas em laboratório.
Primeiro os anticorpos, depois os peptídeos
A pesquisa foi realizada em duas etapas distintas. Na primeira, Dobroff encontrou dois novos anticorpos monoclonais: o A4 e o A4M. Os anticorpos monoclonais são proteínas específicas produzidas em animais de laboratório que atuam sobre uma determinada região encontrada em um tipo específico de tumor, impedindo seu crescimento e causando sua morte.
Com a identificação dos mesmos, o pesquisador buscou, em conjunto com a Universidade de Parma, Itália, sequencias internas desses anticorpos, chamadas de regiões determinantes de complementariedade (CDRs), que definem a reatividade do anticorpo com moléculas expressas na superfície da célula tumoral (antígenos). No entanto, “os CDRs têm outras atividades biológicas independentes da especificidade do anticorpo e que podem ser traduzidas em atividades antibacterianas, antifúngicas, antivirais e antitumorais”, explica Travassos. “Enquanto pesquisadores italianos trabalharam as atividades antimicrobianas, anti-HIV e antifúngicas, nós testamos as ações antitumorais usando melanoma em modelos de camundongos singenêicos – geneticamente relacionados”.
Cada anticorpo possui seis CDRs que foram sintetizados quimicamente como peptídeos – biomoléculas formadas com a união de dois ou mais aminoácidos.
Na pesquisa, foram testados tanto a aplicação dos anticorpos monoclonais quanto dos peptídeos sintetizados, em células tumorais in vitro e in vivo, especificamente em dois grupos de modelos animais: um com melanoma injetado sob a pele e, outro, com melanoma metastático no pulmão.
Os resultados apontaram que o anticorpo monoclonal A4 foi capaz de destruir células do melanoma murino e linhagens tumorais humanas in vitro e o uso do mesmo na imunização passiva dos animais reduziu em cerca de 75% o número de metástases pulmonares dos camundongos. Cinco dos peptídeos derivados dos anticorpos A4 e A4M também induziram a morte celular e reduziram o número de nódulos pulmonares. “Os dados são animadores não apenas pelos resultados nas células tumorais mas também porque, em princípio, ambos anticorpos e peptídeos não apresentaram toxicidade alguma contra os animais”, afirma Travassos. “Hoje existem 12 anticorpos monoclonais aprovados pelo FDA que são utilizados como medicamentos para tratar câncer. Já os peptídeos são mais novos e ainda precisam vencer outras etapas da pesquisa básica para chegar à aplicação em humanos”.
O FDA (Food and Drug Administration) é o órgão governamental dos EUA que controla alimentos, suplementos alimentares, medicamentos, cosméticos, materiais biológicos, produtos derivados do sangue humano e equipamentos médicos.
Melanoma maligno
O melanoma maligno é o tipo de câncer de pele com pior prognóstico devido à sua capacidade de invasão e produção de metástases com rapidez disseminando-se para outros órgãos. Essa doença tem origem nos melanócitos, que são as células produtoras de melanina – substância que determina a cor da pele – e atinge, predominantemente, indivíduos de pele clara. Se detectado em estágios iniciais, pode ser removido cirurgicamente e o prognóstico é considerado bom.
Travassos explica que, embora mais de 90% das lesões do melanoma primário surjam na pele, uma pequena porcentagem pode ser encontrada no olho, nas meninges e na mucosa dos aparelhos digestivo e respiratório.
No Brasil, o câncer de pele é o mais frequente e corresponde a 25% de todos os tumores malignos registrados no país. Além da pele clara, a exposição excessiva ao sol, histórias prévias de câncer de pele ou familiar de melanoma são alguns dos fatores de risco mais conhecidos para a doença.
Em 2010, segundo o INCA (Instituto Nacional do Cancer), foram registradas 1.507 mortes decorrentes do melanoma, sendo 842 homens e 665 mulheres.
Tese de doutorado:
Anticorpos monoclonais (mAbs) protetores contra o melanoma murino B16F10. Atividade antitumoral de CDRs isolados, derivados desses anticorpos. Autor: Andrey Dobroff. Orientador: Luiz Rodolpho R. G. Travassos.