Unifesp se posiciona pela democracia
Intelectuais e militantes participaram de ato-debate que discutiu o papel da universidade em um momento de instabilidade política e de ameaça a direitos sociais
Lu Sudré
Colaboraram Marianna Rosalles e Maria Eduarda Gulman
“O momento requer a defesa dos nossos direitos sociais”, afirmou a reitora, Soraya Smaili, durante a abertura do ato-debate Universidade, Democracia e Direitos Sociais, realizado no dia 29 de março, no anfiteatro do edifício da Reitoria. O ato teve como finalidade propiciar um espaço, no âmbito universitário, a reflexões sobre a crise política e social instalada na conjuntura nacional. Foi um ato no sentido de assumir uma tomada de posição, em defesa da democracia e do respeito às instituições.
Participaram do evento Fábio Konder Comparato (jurista e professor emérito da Faculdade de Direito da USP), Amelinha Teles (militante feminista, ex-presa política e integrante da Comissão da Verdade do Estado de São Paulo), Tales Ab’Sáber (professor de Filosofia da EFLCH/Unifesp) e José Arbex Jr. (jornalista e coordenador da mesa). Após a exposição dos debatedores – que foram unânimes quanto a caracterizar como golpe a tentativa de derrubar o governo por meio do impeachment –, todos os presentes tiveram livre acesso à palavra.
Em sua exposição inicial, José Arbex apresentou uma crítica geral da cobertura da crise feita pela mídia, destacando um claro processo de manipulação das informações. “Os jornais divulgaram que mais de 500 mil se manifestaram na av. Paulista, em 13 de março, contra o governo. Isso é fisicamente impossível, como demonstra um mero cálculo aritmético. Para abrigar tanta gente, a avenida teria que ter quase o dobro da extensão. Em contrapartida, não foi divulgado o ato com mais de 30 mil pessoas que cercaram o prédio da rede Globo, em São Paulo, no dia 25”.
Para Amelinha Teles, presa política à época da ditadura, a resistência ao golpe é grande, mas ainda muito dispersa. “A missão da esquerda é retomar as ruas. A ocupação desse espaço político é singular para que o golpe não se efetive”, afirmou a militante. Ao observar que na conjuntura atual não há tanque nas ruas, como ocorreu em 31 de março de 1964, Amelinha propôs uma reflexão sobre os limites entre a institucionalidade e a legalidade das ações, observando que a correlação social de forças sempre exercerá um papel decisivo.
Tales Ab’Sáber refletiu sobre as relações entre a esquerda e a direita no Brasil, com base em suas pesquisas publicadas em dois livros: Lulismo (2011) e Dilma Rousseff e o ódio político (2015). Para ele, chegamos a este cenário por razões ainda não compreendidas pela esquerda, que permitiu aos movimentos de direita ganhar força. “O processo de impeachment foi se construindo diante de nossas caras, ao longo do ano passado, e nós estamos respondendo na última hora”, comentou o professor e psicanalista.
“O Brasil está doente há muito tempo, provavelmente desde 1500, mas o sintoma agudo da doença se manifesta agora, e é preciso analisar o organismo como um todo para então remediá-la”, afirmou Comparato, que fez uma exposição histórica sobre as relações entre as instituições, as formas de dominação e as mentalidades no país. É impossível almejar qualquer mudança de cenário político sem a redução da desigualdade social e a tirada do poder dos grupos dominantes, afirmou o professor. “Não se muda um país subitamente. É necessário um trabalho de longo curso e tudo começa com a educação. Precisamos incutir na mente da nova geração que todos os seres humanos nascem livres e iguais em direitos”.
Consu defende universidade pública
Consu defende universidade pública
O Conselho Universitário, órgão máximo da Unifesp, reunido no dia 6 de abril de 2016, manifestou sua preocupação com a conjuntura atual e apresentou o seguinte posicionamento:
1- A crise política e econômica no Brasil está resultando em cortes contínuos e significativos no orçamento público destinado à educação e às universidades, com a consequente deterioração: da qualidade do ensino, pesquisa e extensão; da política e programas de ciência e tecnologia; do atendimento em seus hospitais universitários; das condições de trabalho, com aumento de sobrecarga e corte de terceirizados; enfim, em graves problemas de custeio, pessoal e infraestrutura. Com isso, as universidades públicas estão ameaçadas em sua força, relevância e função na sociedade brasileira.
2- A universidade reitera seu papel fundamental e histórico como lugar de liberdade, pluralidade e debate aberto de ideias, e faz enfática defesa na busca do diálogo, do direito ao dissenso, pelo fim do ódio e da intolerância entre posições divergentes.
3- Defendemos a ética e não coadunamos com a corrupção em nenhum governo, empresa ou partido. A corrupção deve ser apurada e punida dentro dos ritos estabelecidos pelo Estado Democrático de Direito.
4- O processo político atual e seus possíveis desfechos causam insegurança institucional e social. Aqueles que o conduzem devem fazê-lo de forma transparente, com base constitucional, fortalecendo a democracia e as suas instituições.
5- Afirmamos a importância de um debate nacional por uma ampla reforma política, pois a crise atual não é de um partido ou governo específicos, mas de todo o sistema de representação e suas relações público-privadas.
6- Independentemente do desfecho da crise política e econômica, continuaremos na defesa da universidade pública e gratuita, que seguirá lutando por recursos condizentes com a sua missão e pelos seus valores fundamentais: pluralidade e democracia, qualidade no ensino, pesquisa e extensão, pensamento crítico e relevância social.
Adunifesp repudia golpismo
A Associação dos Docentes da Unifesp repudia as recentes arbitrariedades cometidas pelo Poder Judiciário que ameaçam os princípios de presunção de inocência, do contraditório e da ampla defesa, judicializando, de maneira seletiva e abusiva, os processos políticos que estão em curso em período de grave crise institucional, prejudicando e ameaçando as práticas democráticas nacionais. Reforçamos, junto às demais associações e entidades de classe, a luta em defesa da Democracia e contra quaisquer formas de golpismo.
Ao mesmo tempo, condenamos veementemente o clima de perseguição e de repressão contra a livre expressão e manifestação de entidades do movimento social, como vimos no dia 21 de março, na PUC-SP. Não aceitaremos tal onda de criminalização das lutas sociais e de suas entidades, criminalização esta que é endossada inclusive por setores da mídia em meio à perigosa onda de autoritarismo e de violência política que toma conta do país.
Seguimos rejeitando a política econômica praticada pelo governo federal que, a nosso ver, ameaça a universidade pública, gratuita, de qualidade e socialmente referenciada. Mas, inclusive, para defender a universidade, não podemos aceitar preceitos que ameaçam a construção democrática, os direitos civis, políticos e sociais conquistados ao longo de nossa história e de cuja luta participaram, ativamente, professores, funcionários e alunos, cujas vozes voltam a se manifestar para conquistas históricas não venham abaixo.