Estado deve assumir suas responsabilidades

Para pesquisador da Unifesp, motivações da reforma da rede de ensino público proposta pelo governo Alckmin foram puramente econômicas

Daniel Patini e José Luiz Guerra

Em setembro de 2015, a Secretaria de Educação do Estado de São Paulo anunciou um plano de reestruturação da rede de ensino público que implicaria no fechamento de 94 escolas, atingindo mais de 300 mil alunos e 70 mil professores. A reorganização separaria a maior parte das escolas em Unidades de Ensino Fundamental para crianças do 1º ao 5º ano (I); do 6º ao 9º ano (II); e ensino médio. A iniciativa, supostamente, melhoraria o rendimento e o aprendizado. Mas, face aos protestos e ocupações de escolas por parte dos alunos, o governo suspendeu a reforma, cujo sentido é avaliado, em seguida, por José Alves da Silva, docente do curso de Licenciatura Plena em Ciências do Campus Diadema da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e doutor em Educação pela Universidade de São Paulo (USP).

Entrementes: Qual a sua opinião sobre a proposta de reorganização da rede estadual de ensino?

Foto do Prof. Dr. José Alves da Silva, sorrindo

Prof. Dr. José Alves da Silva

José Alves da Silva: Em princípio, a intenção de haver escolas destinadas a adolescentes e outras às crianças poderia ser interessante. Pesquiso adolescência no contexto escolar e a literatura registra o quanto prédios, mobiliários, currículos, etc. não são adequados a este público. Para fazer esta reorganização, não bastaria simplesmente transferir alunos de prédios, sem a mínima adequação de mobiliário, elaboração de novos currículos, criação de espaços para atividades esportivas, boas bibliotecas, anfiteatros, espaços de convivência, etc. Mas isso é caro e o governo não quer gastar. A gente pode se perguntar, também: se o governo propusesse fazer este tipo de preparo para adequar escolas de adolescentes, eles seriam contrários? Muito provavelmente não. Não há garantia nenhuma de que o fato de haver escolas exclusivas para adolescentes ou para crianças aumentaria seu rendimento escolar. É um palpite, fortemente enviesado.

E: O senhor concorda que o tema foi pouco discutido e implementado de forma arbitrária?

JAS: Concordo plenamente. Não há transparência nenhuma sobre os critérios utilizados pelo governo para uma escola específica ou um determinado turno serem fechados. Tome-se, por exemplo, uma escola ocupada em Embu das Artes, que fechou o turno noturno. Os alunos seriam transferidos para outra escola, distante mais de 2 km. Quem mora nas periferias sabe o quanto a escolha do lugar de estudo já leva em consideração a violência local, a condução, etc. Ou seja, andar 500 metros a mais, dependendo do lugar e do horário, pode fazer toda a diferença. Como é possível que o mesmo critério utilizado para o fechamento dela seja igual ao de outra escola, em um bairro central, com mais conduções e menores índices de violência?

E: Ainda segundo a Secretaria de Educação, a iniciativa melhora o rendimento e o aprendizado dos alunos, pois crianças e jovens teriam demandas específicas.

JAS: Trata-se de uma inverdade. Tem havido uma melhoria no ensino fundamental I no Brasil todo. No fundamental II e no médio, o problema é mais grave e é estrutural, dada a forma como seu currículo foi implementado, com a formação de professores voltada a conhecimentos específicos e desconsiderando o universo adolescente, com o grau de abandono dos jovens, com as características da pós-modernidade (que afeta a educação de jovens do mundo todo) e por aí vai. Escolas bem-sucedidas apresentam razões multifacetadas para seu sucesso. Nunca é uma medida única. O governo paulista já fez uma reorganização, em 1997, alocando crianças e adolescentes em prédios diferentes. Os índices não melhoraram, em especial nas escolas exclusivas para adolescentes. A própria secretaria desmente essas informações, ao fechar escolas com bons índices. Moro a menos de 500 metros de uma escola chamada Sinhá Pantoja, que sempre costuma ser uma das mais bem colocadas nos índices de aprendizagem da região comandada pela Diretoria de Ensino Sul II, que abrange M´Boi Mirim, Jardim Ângela e Capão Redondo. Ela fica no meio de uma favela. Seu Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) no fundamental I é o melhor de todas as escolas. E ela seria fechada. Um crime. O objetivo é econômico, tão somente.


E: O governo também alega que houve uma redução do número de jovens em idade escolar, por conta da queda da taxa de natalidade.

JAS: Tem havido uma redução no número de alunos da rede estadual. Há diferentes razões para isso, inclusive a deterioração da rede estadual nos últimos anos, que tem gerado uma fuga de alunos para outras redes com melhor qualidade (há boas redes municipais). Também há uma significativa estabilização das taxas de natalidade e de migração. Mas esses dados deveriam servir para o governo, enfim, dar um salto de qualidade: diminuindo a quantidade de alunos por sala de aula, ressignificando os espaços ociosos (se existirem) com atividades extraclasses, cursos de outra natureza, ensino integral, aulas de reforço, aulas de música, etc. Há muito que fazer para educar os jovens. As escolas são, quase sempre, o único prédio público de muitas localidades pobres.  Se seus prédios servissem para outras finalidades, juntamente com salas de aulas, todos sairiam ganhando.

E: Alguma consideração final?

JAS: Creio que falta analisar um contexto mais amplo do que ocorreu nas ocupações. O ano de 2015 começou com mais de 3.000 salas de aulas da rede estadual fechadas, gerando superlotação em várias regiões. Em seguida, houve a maior greve de professores da história, que só acabou após o governador dizer que anunciaria um reajuste em julho, que não houve. Recentemente, um famoso portal anunciou que 2015 bateu o recorde de pedidos voluntários de demissão de professores na rede. E o ano terminou com a transferência compulsória de escola de mais de 311 mil alunos, fechamento de 93 unidades e de centenas de turnos de estudo. O estranho é a gente se espantar com a resposta que os alunos deram a tudo isso. E eles fizeram, brilhantemente, à sua maneira, longe do descrédito dos sindicatos, da política organizada, dos métodos tradicionais de lutas dos movimentos sociais. Precisamos escutá-los. O governo precisa ceder.

Conselho de Graduação repudia proposta

Ao tomar conhecimento do plano de reestruturação da rede de ensino público, o Conselho de Graduação, os docentes vinculados ao Comitê Gestor Institucional de Formação Inicial e Continuada de Profissionais da Educação Básica (Comfor) e ao Prodocência da Unifesp aprovaram uma moção crítica, cujos principais trechos reproduzimos em seguida:

“A mudança está baseada em um palpite do atual governo de que escolas organizadas em diferentes ciclos de ensino apresentam melhores indicadores educacionais e melhor desempenho dos alunos. Essa visão unidimensional do processo educativo já foi devidamente rechaçada por inúmeras pesquisas da área.

Não surpreende que a sociedade esteja se manifestando contrariamente a essa medida, entre outros motivos, pelas consequências nefastas que promove (...) O governo estadual busca explicar a medida, também, pela expressiva redução do número de jovens em idade escolar em virtude da queda da taxa de natalidade no Estado. Entretanto, esse fato poderia ensejar um movimento completamente distinto do proposto, como a diminuição do número de alunos por turma e o maior envolvimento dos docentes com seus estudantes.

O mais surpreendente, entretanto, foi a resposta violenta e pouco educativa do governo estadual em relação à exigência da população por mais diálogo: enviou às escolas a Polícia Militar para conter a justa manifestação de jovens estudantes e profissionais de instituições públicas de ensino, que tiveram cerceados os direitos de livre expressão e exercício pleno da cidadania”.

 

Capa do número 13 jornal entrementes mostrando um livro antigo de ata  Sumário do número 13