Juliana Narimatsu
O barulho ensurdecedor se mistura com o flash das câmeras. Todos os olhos estão voltados para um único ponto da pista oval, verde e amarelo. Não. Não o brasileiro, o sul-africano de pernas de aço é que chama a atenção. Ele espera pelo momento certo, junto com os outros oito. O percurso já é conhecido, são os mesmos duzentos metros à frente. Livres, totalmente livres.
Uma pessoa alta. Cabelos cor de café cuidadosamente desalinhados, olhos emoldurados por hastes prateadas e um sorriso jovial. Nasceu na interiorana Botucatu em 21 de abril de 1979. Filho de uma professora e de um corretor de imóveis, ele chegou ao mundo para viver do esporte. Ou melhor, para o esporte. Isso vem desde os sonhos de criança. Após a jornada diária na escola, gostava de passar o resto das tardes com os amigos no clube da cidade, tanto para jogar conversa fora, quanto para jogar uma boa partida de futebol.
De longe, sinto uma nuvem de tensão pairando no ar. Depois de ajudar um dos nossos atletas, puxo uma cadeira para assistir à prova ao lado da equipe. Meu péssimo ouvido tenta decifrar a narração polida do inglês, apresentando um por um. Estamos quase certos que uma medalha será nossa. Agora, a cor...isso será na hora.
Com 18 anos, decidiu tentar seguir carreira em Fisioterapia, porém sem sucesso. Seis meses se passaram e lá estava ele iniciando a graduação na Faculdade de Tecnologia (Fatec) de Jaú, no curso de Administração em Navegação Fluvial. Tudo tranquilo, até chegarem as notas de Matemática. Descobriu ser o melhor da turma, algo estranho, já que não tinha tanta afinidade com números. Por causa do sucesso inesperado e da confiança adquirida, resolveu largar tudo para realizar o desejo de infância, encontrando-se finalmente ao cursar Educação Física na Unicamp.
Eles estão a postos. Mãos e joelhos se apoiam no chão alaranjado. A chance de ser o campeão está chegando. Escuto o silêncio, ele toma conta do público. A sirene sinaliza a posição de largada; logo, um disparo. Começou.
O pontapé inicial que despertou sua vocação foi dado por Júlio Galvão, seu professor da disciplina de Esporte Adaptado. Num dia de apuro, este pediu sua ajuda para participar de um dos projetos de extensão. Foi quando conheceu Wellington Rodrigues, o Baiano, corredor deficiente visual. O atleta apenas precisava de um companheiro para guiá-lo nas provas, e o aprendiz assim o fez. A maravilha desse trabalho lhe ofereceu a oportunidade de observar o diferente, vendo suas potencialidades, nada mais. Uma lição que leva sempre consigo e que o motivou a tornar-se especialista em atletismo paralímpico.
A torcida enlouquece. Nos segundos iniciais, três deles se destacam, mas o sul-africano vai ganhando distância. O locutor narra com vigor, e o estádio entra em estado de êxtase. É a última curva.
A partir daí, o destino possibilitou-lhe vários chutes no ângulo. Um emprego, em 1998, na secretaria do Campeonato Mundial de Futebol para Cegos, em Paulínia, quando presenciou a vitória do Brasil na final do jogo contra a Argentina, e a experiência em algumas competições no exterior, ainda na época de estudante, foram os melhores gols. Entretanto, sua grande realiza- ção chegou em 2000, com a primeira Paralimpíada, em Sidney. Havia ali uma aura inexplicável. A sensação de frio na barriga e o coração batendo a milhão existiram e sempre vão existir em qualquer competição. Representar uma nação, sendo responsável pela preparação dos atletas, mostrou que sua vida se modulava cada vez mais pelo ritmo prazeroso que é o esporte.
Vinte segundos. O tempo em que as cores do meu país ultrapassam a todos. Somos o número um! Meu amigo, cujo crescimento acompanhei desde os 15, vence! Cansado, ele cumprimenta seus rivais, faz o sinal da cruz e finaliza apontando o dedo para cima. Uma dedicatória aos céus.
Destino ou acaso, os ciclos quadrienais dos grandes jogos influenciaram o seu trabalho. Atenas, 2004: o Comitê Paralímpico Brasileiro (CPB) convidou-o para fazer parte do grupo técnico de atletismo, prática que mais o atrai. Vários projetos e ações acadêmicas que realizou enquadraram-se nessa modalidade, além de ser o hobby preferido aos finais de semana. Pequim, 2008: mesmo lecionando em Florianópolis, decidiu mudar-se para a Baixada Santista, após ser aprovado no concurso para docente na Unifesp. Eram outras portas se abrindo.
Maracanaço! É o que eu posso dizer! Não consigo parar de gritar de tanto orgulho! De repente, não é que vejo uns policiais? Não, está tudo bem. Estou aqui com o pessoal! Você tem que entender, esse é o Alan Fonteles ganhando do maior atleta paralímpico, o Pistorius. Precisamos comemorar...
Londres, 2012, última Paralímpiada, uma cena marcante: a conquista de Alan Fonteles, jovem corredor brasileiro, morador do município de Ananindeua, foi importante, servindo de inspiração a ambos para enfrentar novos desafios. O técnico havia encontrado os seus. Hoje está envolvido na construção de projetos que pretende legar as gerações futuras. Um, material, com a criação do Centro de Treinamento Paralímpico em São Paulo, e outro, na produção científica, aplicada à rotina dos atletas do CPB, com a parceria da Unifesp. Uniu o útil ao agradável. Fora isso, a espera pelo tão falado 2016, quando o maior evento esportivo do mundo será realizado na cidade maravilhosa, o Rio de Janeiro.
Além disso, ele cultiva suas paixões. Além da prática esportiva nas horas oportunas, é amante da internet e apreciador de qualquer estilo musical, de Pena Branca e Xavantinho a Beethoven. E, hoje, ele também é pai. Sua vida gira em torno do baixinho Vinícius e, a deste, em torno do esporte. São sete anos presenciando, lado a lado, treinos e campeonatos dos – carinhosamente chamados pelo filho –, titios.
Foram muitos jogos, quatro Paralímpiadas, 32 países visitados e amizades com pessoas inesquecíveis. São ocasiões que só o Educador Físico Futebol Clube poderia proporcionar, mas ele acredita que aconteceram apenas por estar no lugar certo e na hora certa. Não trocaria essa profissão por nada. Ela transformou sua vida, ensinando-o a valorizar mais o ser humano. “Todos têm sua capacidade, por piores que as situações possam parecer. As mudanças virão e serão fantásticas, basta estimulá-las para que elas aconteçam”, conclui o professor da vida, Ciro Winckler.