Texto: Ana Cristina Cocolo
Nas unidades de terapia intensiva (UTIs) é grande o manuseio de cateteres intravenosos para a infusão de medicamentos de modo contínuo, o que aumenta os riscos de infecções e, até mesmo, de mortalidade dos pacientes.
Como diminuir esses riscos e garantir a estabilidade dos medicamentos quando as indústrias farmacêuticas recomendam tempo máximo de 24 horas para a troca ou exposição desses tipos de fármacos?
Para responder a essa pergunta, Tatiany Calegari, enfermeira e professora da Universidade Federal de Uberlândia (UFU) e doutora pelo Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Escola Paulista de Enfermagem (EPE/Unifesp), avaliou, em situação controlada de laboratório, a estabilidade do medicamento utilizado em UTIs neonatais e pediátricas – o cloridrato de dobutamina – em adversidades ambientais às quais é exposto. A pesquisa foi tema de sua tese de doutorado apresentada na Unifesp e orientada por Maria Angélica Sorgini Peterlini e Mavilde da Luz Gonçalves Pedreira, docentes da EPE/Unifesp. O estudo contou também com a colaboração de Paulo César Pires Rosa, docente da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Unicamp.
Calegari explica que o cloridrato de dobutamina é indicado nos casos clínicos de asfixia neonatal, prematuridade extrema, cardiopatia congênita, insuficiência cardíaca, entre outras condições que demandam tratamento intensivo com medicamento de efeito inotrópico e vasoativo.
De acordo com a pesquisadora, vários fatores ambientais, entre eles a temperatura e a luz fluorescente ou de LED (do inglês light emitted diode/diodo emissor de luz) utilizadas em equipamentos de fototerapia, podem interferir diretamente na estabilidade dos medicamentos, alterando seu comportamento químico e potencialidades farmacológicas.
As UTIs, principalmente as neonatais e pediátricas, nas quais há iluminação constante, equipamentos que geram aquecimento e emissão de luminosidade intensa, como as incubadoras e a fototerapia – modalidade terapêutica mais utilizada em todo o mundo para o tratamento da icterícia neonatal – são potenciais locais que podem afetar a qualidade dos fármacos durante a infusão contínua intravenosa em crianças hospitalizadas.
O Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA (CDC, sigla em inglês) recomenda a troca dos sistemas de administração contínua de soluções por via intravascular no intervalo de 72 até 96 horas, enquanto a recomendação da indústria farmacêutica é de 24 horas para a troca da maioria dos medicamentos em infusão contínua. Contudo, a recomendação de troca a cada 24 horas, em grande parte das terapias, carece de evidências científicas, segundo a pesquisadora. “Não trocar soluções de modo tão frequente reduziria os custos diretos da terapia medicamentosa e de uso de insumos; a menor manipulação dos sistemas de infusão reduziria consideravelmente o risco de infecção de corrente sanguínea relacionada a cateteres”, afirma Calegari. “No entanto, não há estudos que apontem esse tipo de avaliação. O que temos é apenas a recomendação de que a substituição da solução de uso contínuo deva ocorrer a cada 24 horas, sem menção à estabilidade do composto submetido a períodos superiores”.
Imagem: Alex Reipert/DCI-Unifesp
A pesquisadora Tatiany Calegari (Imagem: Arquivo pessoal)
Mavilde da Luz Gonçalves Pedreira e Maria Angélica Sorgini Peterlini, orientadoras do projeto
Estabilidade nas 72 horas de exposição
O estudo experimental, desenvolvido no Laboratório de Experimentos em Enfermagem (LEEnf) da EPE/Unifesp, simulou condições ambientais de UTIs neonatais e pediátricas, com o uso de lâmpadas fluorescentes, temperatura média controlada de 22º C, luminosidade de fototerapia e temperatura elevada da incubadora.
Sessenta amostras do cloridrato de dobutamina puro e outras 60 do medicamento diluído em soro fisiológico foram acondicionadas em um equipo para infusão intravenosa, composto por câmara transparente graduada do tipo bureta, e expostos às situações de simulação de cuidado de recém-nascidos em UTI.
A pesquisa analisou o potencial hidrogeniônico (pH) – que mede o grau de acidez, neutralidade ou alcalinidade da solução –, a osmolalidade – que mede a concentração de partículas dissolvidas do composto – e o teor do medicamento, por meio de cromatografia líquida de alta eficiência (HPLC, do inglês High Performance Liquid Chromatography) em seis tempos distintos após o preparo: imediatamente, duas, quatro, 24, 48 e 72 horas. Essas análises são importantes para verificar a estabilidade do medicamento, ou seja, a duração de tempo em que o composto mantém suas características físico-químicas originais e propriedades de pureza, qualidade e potência em sua vida útil.
Os resultados apontaram que até 72 horas de exposição ao ambiente, tanto o cloridrato de dobutamina puro quanto o diluído manteve-se quimicamente estável. Na condição de infusão em incubadora e fototerapia, apesar de haver redução do teor do fármaco, o mesmo manteve-se dentro dos padrões de qualidade preconizados, pois as análises indicaram que a variação do teor do cloridrato de dobutamina resultou em concentração final dentro do intervalo de 90% a 110%, em relação à concentração inicial.
“Novos estudos sobre a infusão do cloridrato de dobutamina devem ser executados, utilizando-se, por exemplo, a espectrometria de massa (técnica para detectar e identificar moléculas de interesse por meio da medição da sua massa e da caracterização de sua estrutura química), a fim de gerar novos dados que demonstrem ausência de produtos de degradação de risco, além da já evidenciada manutenção da estabilidade química do cloridrato de dobutamina após 72 horas de exposição a condições extremas de calor e luminosidade”, afirmam as pesquisadoras.
Amostras do cloridrato de dobutamina puro e diluído em soro fisiológico foram acondicionadas em um equipo para infusão intravenosa
Equipamento de cromatografia líquida de alta eficiência mediu, por exemplo, a alcalinidade do medicamento
A simulação das condições ambientais de UTIs neonatais e pediátricas, com o uso de fototerapia e temperatura elevada na incubadora
Tese relacionada:
CALEGARI, Tatiany. Estabilidade de soluções de cloridrato de dobutamina em diferentes tempos e a influência do aquecimento e da luminosidade decorrentes da infusão no interior de incubadora e sob fototerapia. 2017. 105 f. Tese (Doutorado em Ciências) - Escola Paulista de Enfermagem, Universidade Federal de São Paulo, São Paulo.