Soraya Smaili
Reitora da Unifesp
Há pouco menos de dez anos, os programas de pós-graduação consolidados na Unifesp eram quase que totalmente concentrados nas áreas de Medicina, Biomedicina, Enfermagem e Fonoaudiologia. Nossa universidade tornou-se referência de qualidade em pesquisa nacional e contribuiu com a formação de egressos que nuclearam diversos outros programas em diferentes instituições do território nacional. A qualidade foi construída ao longo dos oitenta anos de existência da Escola Paulista de Medicina (EPM), célula mater da Unifesp, que este ano completa o seu 20º aniversário.
Nos últimos sete anos, o cenário mudou como decorrência da expansão dos cursos de graduação e da ampliação dos programas de pós-graduação (PPG) stricto sensu. A expansão trouxe a contratação de 100% de doutores e um crescimento de 30% no número de PPGs. Entretanto, esse processo não foi propriamente planejado pelo Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni), que não destinou os recursos necessários e suficientes para manter o funcionamento da pós – o que inclui os laboratórios de pesquisa –, apesar de ter garantido bolsas.
O que fazer, então, com o sistema que agora demanda a abertura de novos PPGs e um ambiente adequado à pesquisa? Como atender a tantos doutores, agora vinculados às universidades públicas, que formam um contingente extremamente valioso para o país? Vivemos a difícil situação de manter o caminho pelo qual a Unifesp se consolidou no cenário nacional como instituição de qualidade no ensino de graduação e, ao mesmo tempo, garantir condições equivalentes para as atividades de pós-graduação.
Esse contexto impõe a necessidade de redimensionar os critérios de avaliação dos PPGs adotados pelo MEC. Em que pese o sistema de avaliação desse nível de ensino ter-se aprimorado, o corpo de mestres e doutores já produziu massa crítica que permite uma reflexão mais aprofundada sobre o tema. É necessário rever a lógica do processo e o quanto ela deixou de ser discutida, passando a ser simplesmente imposta.
Presenciamos, hoje, uma corrida pela obtenção de coeficientes e parâmetros numéricos supostamente indicativos de produtividade e qualidade. Em muitos casos, as pesquisas que geraram tais coeficientes têm pouca ou nenhuma repercussão no âmbito social e – especialmente – para a expansão do conhecimento. Alguns desses parâmetros e sistemas de classificação promovem, muitas vezes, distorções de viés produtivista. Por essa razão, é chegada a hora de fazermos uma pausa e repensarmos o sistema em seu conjunto.
Essa reflexão é ainda mais premente para a Unifesp, dadas as suas características específicas: de um lado, é uma universidade tradicional e consolidada; de outro, encontra-se em processo de ebulição. Antes do início da expansão, a Unifesp agregava cerca de 500 professores; hoje, possui cerca de 1.400 docentes doutores, dentre os quais 14% são livres-docentes. Há também um número elevado de técnicos administrativos com doutorado, que assumiram funções de pesquisa e pós-graduação em grande escala. São doutores oriundos de diferentes áreas, sedentos por um ambiente de acolhimento e crescimento acadêmico. Mas a falta de condições plenas de infraestrutura, aliada à demanda de recursos originada pelo ingresso de novos professores e pesquisadores, criam uma enorme pressão no sistema.
O sistema de avaliação deveria refletir esse desafio, mas isso não ocorre. De um lado, os programas consolidados são julgados segundo regras que privilegiam uma análise prioritariamente quantitativa. De outro lado, aplicam-se aos novos PPGs as regras próprias aos programas já consolidados. O método tende a criar um círculo vicioso por determinar que os recursos ofertados pelas agências de fomento à instituição e aos pesquisadores premiem o produtivismo. Uma avaliação mais justa teria de assegurar visibilidade ao grande número de programas que foram implantados pela Unifesp em diferentes áreas e que estão ainda em fase de consolidação.
A complexidade do tema e a necessidade de reflexão não param por aqui. Precisamos ainda discutir o sistema de avaliação em si mesmo. Seria esse o melhor sistema? Como torná-lo mais justo, menos quantitativo e mais qualitativo? Os parâmetros adotados são os mais adequados à realidade brasileira e à diversidade de pesquisa aqui desenvolvida?
Em qualquer hipótese, cumpre-nos proporcionar maior apoio à pós-graduação e pesquisa – fundamentais para a formação de novos profissionais – e promover o estímulo à criatividade intelectual e ao debate de ideias, além do compartilhamento dos saberes com a sociedade em seu conjunto. Afinal, é disso que vivemos e é nisso que devemos investir nossos esforços.