Método pode ajudar no diagnóstico precoce da endometriose

A presença aumentada de oito genes no colo uterino, detectada por um exame ginecológico simples, poderá – no futuro – ser uma ferramenta importante para evitar procedimentos diagnósticos invasivos

Ana Cristina Cocolo

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Cerca de 15% das mulheres brasileiras sofrem de endometriose e muitas sequer sabem disso. O diagnóstico, na maioria das vezes, acaba sendo tardio – em média sete anos após a instalação da doença – e pode inclusive comprometer o sonho de uma gestação. 

Uma pesquisa realizada no Setor de Endometriose e Algia Pélvica do Hospital São Paulo, hospital universitário da Universidade Federal de São Paulo, sinaliza a possibilidade de utilização de um exame ginecológico simples – semelhante ao Papanicolau – para o diagnóstico precoce da doença, sem a necessidade de iniciar a investigação com procedimentos mais invasivos como a videolaparoscopia. No entanto, mais investigações precisam ser realizadas para confirmar o poder do método.

Os pesquisadores, que são do Departamento de Ginecologia da Escola Paulista de Medicina (EPM/Unifesp) – Campus São Paulo, consideraram no estudo 252 genes relacionados com a origem da endometriose, de acordo com a literatura médica. Desses, oito foram encontrados em quantidades elevadas no colo uterino de mulheres com o problema, quando comparadas às do grupo controle de mulheres saudáveis. “Esse é o primeiro estudo que documenta, por meio da análise gênica de material coletado do colo uterino, obtido em exame ginecológico simples, alterações em genes que estão envolvidos na origem e funcionamento da endometriose”, afirma Eduardo Schor, coordenador do setor e professor afiliado da EPM/Unifesp. “O método demonstrou ser uma promissora ferramenta não invasiva no diagnóstico da doença, ajudando a reduzir o tempo entre seu estabelecimento e o início do tratamento, já que diversos genes apresentaram expressão significativamente diferente entre os grupos estudados.”

De acordo com Alexander Kopelman, ginecologista e autor da pesquisa que foi tema de sua tese de doutorado na EPM/Unifesp, o método preenche pré-requisitos necessários para que seja incorporado à prática clínica, pois possui fácil coleta, é indolor e poderá ser utilizado com baixo custo por meio de sequências gênicas específicas, relacionadas aos genes identificados. “Além disso, ao contrário da análise do Papanicolau, que em até 8% dos casos exige interpretação de patologista experiente, a verificação da expressão gênica, por meio da tecnologia de reação de polimerase em cadeia (PCR), que é amplamente utilizada em diversos laboratórios de análises clínicas, o método possui protocolo de execução com menor dependência do operador e pode ser realizado em larga escala.” 

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Entre os genes com expressão elevada, três pertencem ao grupo de genes de citocinas (C3, CCL21 e CXCL14), moléculas de polipeptídeos ou glicoproteínas envolvidas na resposta do sistema imune do organismo. Os outros cinco genes analisados (CCNB1, CCNG1, CUL1, GTF2H1 e PCNA) estão relacionados ao controle do ciclo celular – conjunto de processos que ocorrem entre as divisões da célula viva. Alguns dos marcadores estudados foram encontrados em quantidade quase 14 vezes maior no colo uterino de mulheres com endometriose quando comparada à de pacientes sem a doença. 

Participaram da pesquisa dez pacientes que, havia pelo menos três meses, não faziam uso de medicações hormonais. Quatro sofriam de endometriose profunda – que atinge outros órgãos, como o intestino, e pode ser detectada por meio de exames de imagem –, e seis eram saudáveis. Como a maioria das mulheres com o diagnóstico mencionado foi inicialmente tratada com contraceptivos hormonais, as exigências para a inclusão no estudo dificultaram a obtenção de um número maior de pacientes com o perfil procurado.

Eduardo Schor explica que, nessa primeira fase, a amostragem reduzida impediu uma avaliação mais detalhada da capacidade de diagnóstico do método. “Existem ainda outras etapas a serem cumpridas para a validação do procedimento até que este possa ser incorporado na rotina clínica”, afirma. “Como utilizamos apenas mulheres com endometriose profunda, devido à possibilidade de diagnóstico prévio por meio de ressonância magnética, futuros estudos com pacientes em todas as fases da doença serão necessários para que o principal objetivo, ou seja, o diagnóstico precoce com marcadores não invasivos se estabeleça.”

Cólicas menstruais devem ser investigadas

Estudos mundiais mostram que o tempo médio para diagnóstico da endometriose é de sete anos, deixando clara a necessidade de métodos que facilitem a identificação precoce do problema. O principal sintoma é a cólica menstrual severa, que tende a se intensificar com o tempo, levando ao absenteísmo frequente e ao uso contínuo de medicações analgésicas. Outros sintomas comuns são a infertilidade e dores durante as relações sexuais.

A doença surge quando células do endométrio (camada que reveste o útero internamente) implantam-se dentro da cavidade pélvica, na região próxima aos ovários. Quanto mais cedo é realizado o seu diagnóstico, menor o risco de lesões profundas, as quais aumentam significantemente as taxas de infertilidade.

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A forma leve dessa afecção pode ser tratada, na maioria das vezes, com medicações hormonais (pílulas anticoncepcionais). Já a forma avançada deve ser tratada por meio de cirurgia – geralmente de grande porte – com a possibilidade de ressecção de parte do intestino, bexiga e ovários.

Eduardo Schor afirma que, por problemas culturais, grande parte das mulheres, e infelizmente dos médicos também, acredita que a cólica menstrual faz parte do universo feminino. “Não é normal a mulher, ou até mesmo a adolescente, sofrer durante o período menstrual”, diz. “Se a cólica é forte, impede ou dificulta as atividades habituais e não melhora com as medicações analgésicas ou anti-inflamatórias, deve-se pensar em endometriose.”

De acordo com ele, por vezes o diagnóstico só pode ser feito por meio da videolaparoscopia. “Os métodos de imagem, como a ultrassonografia transvaginal e a ressonância magnética, também são utilizados, mas eles diagnosticam a doença em fases um pouco mais avançadas, quando o exame ginecológico já é capaz de detectá-la.”

entreteses 04 2015  Sumário da edição 04