Nanotecnologia entre dentes

Nova fibra polimérica promete eliminar a necessidade de realização de enxerto ósseo antes do implante dentário

Ana Cristina Cocolo

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Micrografia obtida por microscopia eletrônica de varredura das fibras poliméricas roteadas com nanopartículas, após ensaio de adesão celular (osteoblastos humanos)

Uma nova fibra bioabsorvível, criada por pesquisadores do Instituto de Ciência e Tecnologia (ICT/Unifesp) - Campus São José dos Campos, em colaboração com o pesquisador Anderson de Oliveira Lobo e a bióloga Maíra Maftoum Costa, ambos da Universidade do Vale do Paraíba (Univap), poderá dispensar a realização de enxertos ósseos em pequenas áreas, principalmente no campo da periodontia. A fibra tem o potencial de auxiliar na formação de novo tecido ósseo (osteogênese) no local onde for inserida, permitindo a fixação de implantes dentários que demandam a recomposição dos ossos dos maxilares superior e inferior. 

O material, baseado em um polímero (macromoléculas formadas por estruturas menores, denominadas monômeros) como matriz, é fruto de uma investigação que resultou na tese de doutorado da engenheira biomédica Patrícia Oliveira de Andrade, defendida no âmbito do programa de pós-graduação em Engenharia e Ciência de Materiais do ICT/Unifesp, sob a orientação da docente Ana Maria do Espírito Santo e mediante a colaboração do pesquisador Anderson de Oliveira Lobo. 

À matriz polimérica de PBAT poli(butileno adipato co-tereftalato) – polímero reabsorvível muito utilizado na indústria de plásticos recicláveis – foram acrescentados dois tipos de nanopartículas: nanotubos de carbono, para garantir reforço das propriedades mecânicas e melhorar a resistência do material, e nanocristais de hidroxiapatita sintética, para promover o estímulo biológico necessário. A hidroxiapatita é um material bioativo presente na constituição de ossos e dentes humanos, cuja finalidade é promover a regeneração óssea.

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Ana Maria do Espírito Santo e Patrícia Oliveira de Andrade (Imagem: Alex Reipert)

“Como o polímero é bioabsorvível, a intenção é que, com o tempo, esse material seja decomposto no organismo e os únicos elementos que permaneçam no local sejam os núcleos de hidroxiapatita e os nanotubos de carbono, que não são reativos e servirão como substrato, oferecendo a sustentação necessária para o novo osso – reconstituído – receber o implante”, explica Andrade. 

De acordo com a autora, que contou com verbas do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) para a elaboração de seu trabalho, a proposta era realmente obter um produto que pudesse, futuramente, ser aplicado na enxertia de pequenos locais, inclusive em fraturas ósseas, de modo geral. “Na periodontia, seria para trabalhar justamente a parte de enxertia rápida, mediante a colocação de um material que promovesse a osteogênese, ou seja, o crescimento de osso naquela região, sustentando o recebimento de um implante”, resume. “Isso é melhor que recorrer a uma cirurgia mais invasiva para a remoção de um pedaço do osso de outro local do corpo do paciente e reimplantá-lo, ou ter de buscar o órgão em um banco de ossos.”

A engenheira biomédica relata que um levantamento do Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia Jamil Haddad (Into), no qual foi apontada a baixa receptação do banco de ossos no país, motivou sua pesquisa. “A doação de ossos é o que, muitas vezes, possibilita a qualidade de vida de pessoas que sofreram traumas, tiveram tumores ou mesmo precisam de implantes dentários.” 

Similar ao algodão-doce 

Andrade esclarece que, para promover a interação dos materiais utilizados, era preciso uma fibra porosa, uma espécie de scaffold – arcabouço para o desenvolvimento celular –, simulando as condições naturais de uma matriz extracelular, na qual o fluido corporal pudesse entrar e permear toda a fibra, de modo a propiciar um crescimento ósseo o mais natural possível. 

Adotando procedimentos inovadores, a pesquisadora utilizou a técnica de rotofiação, que possibilita a produção de fibras poliméricas por meio da aplicação de força centrífuga. Esse processo permite um aumento substancial na criação dessas fibras, quando comparado a outras técnicas já utilizadas para a fabricação de mantas ou placas de polímero de alta porosidade. 

“A fibra sai exatamente na forma de um algodão-doce”, descreve Santo. “A solução polimérica, com a nano-hidroxiapatita e com os nanotubos, é jateada nas hastes da máquina de rotofiação; pela força centrífuga, as fibras são fabricadas em larga escala e coletadas na forma de novelos.” 

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Micrografia obtida por microscopia eletrônica de varredura das fibras poliméricas

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Fotografia do sistema de rotofiação de fibras poliméricas e fibras rotofiadas sobre as hastes coletoras

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Micrografia obtida por microscopia eletrônica de varredura das fibras poliméricas roteadas com nanopartículas, após ensaio de bioatividade

Sem morte celular 

Para verificar se o material realmente favoreceria o crescimento ósseo, a pesquisadora realizou vários testes in vitro em placas com 96 poços (cavidades). Neles, foram criados meios de cultura sobre a fibra polimérica, os quais receberam células biológicas (osteoblastos humanos) do ligamento periodontal – estrutura que une os dentes aos maxilares – e fluido corporal simulado (SBF), também chamado plasma humano sintético. Este último é uma solução cuja concentração iônica é semelhante à do plasma humano, mantida sob as mesmas condições fisiológicas de acidez, neutralidade ou alcalinidade (pH ou potencial hidrogênico) e temperatura do corpo. 

As análises mostraram que o material não foi tóxico às células e favoreceu o crescimento celular. 

Apesar dos resultados promissores, Andrade ressalta que serão necessárias outras duas etapas de estudo antes da aplicação clínica da fibra em consultórios dentários. A primeira é a análise in vivo do comportamento desse material no organismo de animais de pequeno porte (camundongos), e a segunda engloba os testes clínicos em seres humanos.

Doação de ossos 

Não raro encontramos muitos adeptos da doação de órgãos – como córneas, rins, medula, coração e fígado – e famílias dispostas a autorizar esse procedimento. O desconhecimento sobre a doação de ossos, no entanto, trava uma extensa fila de espera de pacientes que, no Brasil, aguardam esse tipo de transplante e nutrem a esperança de usufruir de melhor qualidade de vida. São pessoas que sofreram perdas ósseas decorrentes de traumas graves, desgastes e tumores ósseos; possuem deformidades congênitas ou específicas da coluna vertebral; ou precisam solucionar problemas odontológicos. 

Apesar de o número de doações aumentar a cada ano no Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia Jamil Haddad (Into) – órgão do Ministério da Saúde responsável pela captação, processamento e distribuição, em todo o país, de ossos, tendões e meniscos que serão utilizados em transplantes e enxertos –, a quantidade ainda é insuficiente para atender à grande demanda da população. Em 2016 o número de doadores, de acordo com o instituto, aumentou 31% em relação ao ano anterior – ou seja, 38 contra 29 em 2015. Cada doação pode atender até 40 pessoas. 

Após a doação, os ossos são encaminhados ao Banco de Tecidos Musculoesqueléticos do Into, onde recebem tratamento especial para evitar contaminação por bactérias e vírus, antes de serem armazenados à temperatura de -80ºC, por até cinco anos. 

Os interessados em se tornarem futuros doadores de ossos devem expressar a vontade em vida, já que, após a confirmação do falecimento, a autorização é dada pela família. Informações adicionais podem ser obtidas no site do Into: https://www.into.saude.gov.br/

Tese relacionada:

ANDRADE, Patrícia Oliveira de. Produção, por rotofiação, de fibras ultrafinas bioabsorvíveis de poli(butileno adipato co-tereftalato) reforçadas com nanotubos de carbono e nano-hidroxiapatita para preenchimento ósseo. 2017. 174 f. Tese (Doutorado em Engenharia e Ciência de Materiais) - Instituto de Ciência e Tecnologia, Universidade Federal de São Paulo, São José dos Campos.