Juliana Narimatsu
Imagem: Nic McPhee (CC BY-SA 2.0)
O Brasil, conhecido como um país jovem, caminha a passos largos para a velhice. A estimativa, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), é de chegar até 2050 a 65 milhões de pessoas com 60 anos ou mais de idade, ou seja, cerca de 30% do total de brasileiros. Tal índice é três vezes maior que a proporção de idosos de quatro décadas passadas. Fatores como a queda da taxa de fecundidade (número de filhos por mulher) e o aumento da longevidade contribuem para esta transformação do perfil etário.
O processo de envelhecimento se encontra em ritmo acelerado em todo o planeta. Projeções do documento Development in an Ageing World, publicado pela Organização das Nações Unidas (ONU), em 2007, indicam que acontecerá uma elevação expressiva no número de idosos em menos de meio século: em 2005 eles eram 10,4% (cerca de 670 milhões), já em 2050 representarão 21,7% do total (2 bilhões). “Não só pelo crescimento numérico da população mais velha, mas também pelas mudanças sociais e políticas que envolvem o ambiente que a cerca, desde a família até a convivência nos espaços públicos, principalmente com aqueles que um dia ficarão velhos, que fazem essa questão ser relevante na nossa sociedade”, pontua Juliane Domingos Yamanaka, pesquisadora do Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais da Escola de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (EFLCH/Unifesp) – Campus Guarulhos.
Em sua dissertação de mestrado, Yamanaka busca compreender as perspectivas sobre a velhice em construções exibidas pelos filmes nacionais. A análise foi feita a partir de três produções recentes: Depois Daquele Baile (dirigida por Roberto Bomtempo e lançada em 2006), O Outro Lado da Rua (Marcos Bernstein, 2004) e Onde Anda Você (Sérgio Rezende, 2004). O trabalho, financiado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e apresentado no segundo semestre de 2016, foi desenvolvido sob orientação de Andréa Cláudia Miguel Marques Barbosa, docente do Departamento de Ciências Sociais da EFLCH/Unifesp.
“As produções fílmicas permitem perceber o movimento imaginário da sociedade”, observa Yamanaka. A narrativa e a forma de expressão do cinema são construídas a partir da realidade e provocam novas percepções nos espectadores. “É uma via de mão dupla. Os filmes são produzidos a partir do olhar de alguém, apresentando recortes do real e, quando circulam, interagem com outros olhares, provocando pensamentos e percepções”, explica a pesquisadora. “Essas obras, portanto, precisam ser consideradas não apenas produtos, mas agentes importantes para compreender as esferas da vida e as dinâmicas sociais, já que o cinema nos provoca a interpretar os aspectos da realidade”.
Os filmes abordam o envelhecimento por diferentes olhares e perspectivas. Depois Daquele Baile se passa em Belo Horizonte, onde Dóris (Irene Ravache), viúva e dona de uma pensão, tem como clientes assíduos Freitas (Lima Duarte) e Otávio (Marcos Caruso), dois velhos amigos que disputam o seu coração. O Outro Lado da Rua traz Regina (Fernanda Montenegro), que mora com sua cachorrinha em um apartamento em Copacabana e é voluntária em um programa social para aposentados. Onde Anda Você apresenta o ex-palhaço Felício (Juca de Oliveira), que vive solitário no centro de São Paulo, mas decide buscar a felicidade ao retomar a sua profissão e procurar um novo parceiro.
Velho é o outro!
Em O Outro Lado da Rua, Regina está sentada no banco de uma praça e conversa com uma voluntária do programa social, que tricota. Outros jogam dominó ou cartas. Em um dado momento, Regina fala: “Ah, Deus! Por que essa velharada toda não vai para casa fazer alguma coisa? Cuidar da vida? Inclusive você!”, gesticula para a colega. A personagem parece lutar contra a ideia de ser idosa e, durante o longa, tenta sempre se ocupar com alguma atividade, dizendo que “não tem tempo livre”. Segundo a pesquisadora, esse tipo de comportamento é comum entre os idosos e acontece por conta da imagem do “ser velho” estar relacionada muitas vezes à invalidez física e social. “Muitos não conseguem demonstrar que são velhos e buscam sempre outra pessoa para colocar nesse lugar”, pontua.
Otávio, de Depois Daquele Baile, é atento à sua saúde e peso, faz dietas restritivas, toma diversos remédios e aparenta ser amargurado. O amigo Freitas não se preocupa com sua alimentação, é animado e descontraído, extravasa essa energia até em suas vestimentas: conjunto de regata e bermuda. Freitas diz ao Otávio que ele se preocupa demais: “O importante é viver bem a vida”. Em outra ocasião, Otávio critica o amigo por se vestir como um garoto. “A idade acaba por enquadrar as pessoas dentro de classificações que não fazem jus ao comportamento e ao estilo de vida delas. O essencial é perceber que a velhice não é homogênea, pois cada um possui sua individualidade de enfrentar essa fase da vida, demonstrando suas fraquezas e suas qualidades”, comenta Yamanaka.
Indagações e relações sociais
No Brasil, de acordo com o IBGE, a concentração de pessoas com 60 anos ou mais de idade está localizada nos grandes centros urbanos, em especial no Sudeste. O ambiente urbano moderno, com suas mudanças tecnológicas e econômicas, ritmo acelerado e frenético, verticalização dos espaços, acesso à informação e facilidade dos contatos, influencia as relações entre as gerações e causa choques físicos e perceptivos na vivência dos indivíduos, principalmente nos mais velhos.
Juliane Domingos Yamanaka, pesquisadora do Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais da EFLCH/Unifesp
Felício, de Onde Anda Você, demostra esta inquietação ao afirmar que a televisão “já não é mais a mesma” ou quando estranha a máquina de filmar de Rafa (Tiago Moraes), rapaz que o ajuda nas gravações das audições durante a busca por um novo parceiro comediante. Rafa acusa Felício de ser ignorante e não saber que aquela câmera é a mais nova no mercado. “A velhice, dentro dos valores centrados na modernidade, é alteridade absoluta, de difícil compreensão, tornando-se anacrônica diante desse tempo em que a juventude é mais valorizada”, observa a pesquisadora.
A dificuldade é enfrentada também nas redes de sociabilidade. Os mais velhos não buscam criar laços com pessoas que não pertencem ao seu círculo social. A intimidade, nesse ponto, torna-se algo praticamente impenetrável, as relações ficam efêmeras e o isolamento com o mundo exterior acaba se acentuando. O personagem Felício, por exemplo, possui amigos que aparentam ser de longa data. Os encontros entre eles acontecem sempre no mesmo lugar, na casa de Felício, e com data marcada: toda quinta-feira, à noite, para uma jogatina.
Os motivos da fragilidade em se relacionar estão ligados, muitas vezes, à sensação de medo do desconhecido e da violência. Freitas, em Depois Daquele Baile, representa a típica vítima que sofre um assalto logo depois de sacar a sua aposentadoria no banco. “As massas amedrontadas e solitárias são fenômenos endêmicos da convivência nas metrópoles, em que as pessoas passam a não interagir, temendo o contato com lugares públicos”, comenta Yamanaka.
Outra razão é o apego ao lar, ambiente que transmite tranquilidade, conforto e segurança para esse grupo. Os idosos acabam estabelecendo não só os afazeres e as atividades de lazer dentro da esfera doméstica, como os relacionamentos. No filme Depois Daquele Baile, a maioria das cenas da personagem Dóris ocorre em sua casa, espaço que também é o seu local de trabalho. “A moradia é encarada como uma espécie de redoma de proteção”.
Por fim, existe a questão da memória. Os mais velhos resgatam práticas do passado que, por conta das transformações sociais, acabaram se extinguindo. “A experiência de envelhecimento é cada vez mais impedida de dinâmicas interativas realizadas em outras épocas, como ir ao vizinho ou passear ao ar livre sem preocupação com a hora ou a segurança”, analisa Yamanaka. “Contudo, hoje, espaços públicos – parques e praças – estão sendo criados com a intenção de propiciar a convivência dos idosos, seja entre eles, seja com outras gerações”.
Corpos envelhecidos
Em Outro Lado da Rua, Regina inicia um relacionamento com Camargo (Raul Cortez). A atração física entre eles é construída ao longo da trama, mas, em um momento, a personagem demonstra receio em ficar nua: “Não dá! Tenho cicatriz de cesariana, outra de apendicite. Isso aqui é um verdadeiro jogo de estrias. Como é que eu vou tirar a roupa?”. A vida sexual é um pilar importante para o envelhecimento ativo, apesar de ser tratada como tabu. “O imaginário do corpo envelhecido traz a ideia de delimitações, ainda mais em uma sociedade que possui a juventude como valor. Os idosos, assim, hesitam em apresentar esta fragilidade estereotipada da idade, influenciando em suas relações sexuais e contribuindo com o discurso de serem assexuados”, frisa a pesquisadora.
Felício, em Onde Anda Você, vai a um prostíbulo e no momento em que está a sós com uma mulher, rejeita-a e nega qualquer tipo de contato mais íntimo. “A ideia de assexualidade na velhice está empregada tanto no sentido de falta de interesse, quanto no sentido da prática. O pensamento de declínio sexual na velhice orienta os indivíduos, em especial os idosos, a incorporar isto em suas vidas. Contudo, é importante entender que o desejo sexual é evidente em qualquer idade”.
A melhor idade
O termo idoso surgiu na França na década de 1960, com o objetivo de criar uma nova sensibilidade no tratamento desse público, combatendo a sua segregação e trazendo a ideia de respeito, dignidade e referência para os mais jovens. Já a expressão terceira idade – e também melhor idade – apareceu para dar ao envelhecimento uma conotação de ser um período livre e ativo, voltado ao lazer e a realizações, um novo estilo de vida. “Esta última noção, na realidade, restringe-se a apenas uma parcela dos idosos, aos aposentados com saúde, liberdade e condições financeiras, capazes de buscar outras atividades fora da sua rotina. O movimento propiciou ainda uma formação de mercado de consumo destinada a esse segmento, além de enquadrar essa ideia como parâmetro para os mais velhos”.
A capacidade de exercer a sociabilidade é importante para viver o envelhecimento de forma mais amena. A confraternização, ilustrada dentro da pensão de Dóris, de Depois Daquele Baile, com um jantar dançante que ela mesma promove todas as sextas-feiras, exalta a importância da convivência e da troca de experiências, sobretudo entre as diferentes gerações. Os bailes são uma forma de socialização incluída na agenda de muitos idosos e que possibilita ainda a sua própria inclusão.
Nas últimas décadas, no entanto, o comércio voltado aos idosos vem ganhando espaço nas prateleiras e na vida desse público. De olho no filão, as mensagens publicitárias promovem uma nova percepção da velhice. “O velho busca renovar, assim, a sua imagem diante da sociedade, conquistando uma melhor forma física, adquirindo produtos que prometem rejuvenescer sua aparência ou suplementos vitamínicos que afirmam dar energia e disposição”. O personagem Otávio é um caso: consumista de uma grande quantidade de remédios, vitaminas, comidas light e sem colesterol. “Não há como medir, nem comparar as velhices. Cada um a encara de maneira distinta e as escolhas sobre como ser velho devem partir do próprio idoso”, reflete Yamanaka.