Texto: Marcos Zeitoune
Um estúdio envidraçado no saguão da universidade é o convite aberto à participação das pessoas. Da área de circulação da Unidade Silva Jardim do Campus Baixada Santista – de onde o projeto ganhou o nome – qualquer pessoa pode acompanhar o ritmo de trabalho da radiosilva.org; caixas de som aplicadas no teto do saguão compartilham com estudantes e professores a programação diária, variada e eclética.
Prestes a completar três anos no ar - a webrádio começou a transmitir no dia 1º de agosto de 2016 – há planos de instalação de um segundo estúdio em parceria com uma organização local sem fins lucrativos, o Instituto Procomum, além da manutenção do estúdio volante e portátil, por meio do qual é possível dar continuidade ao projeto Ocupação: transmissões ao vivo ou gravações feitas a partir de locais variados e demais equipamentos públicos, de acordo com as demandas da comunidade.
A verba para a compra dos equipamentos originais foi viabilizada, em 2015, graças ao apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), processo intermediado pela Fundação de Apoio à Universidade Federal de São Paulo (FapUnifesp), com contrapartida do campus na instalação da estrutura física - especialmente o fechamento acústico do estúdio e marcenaria da bancada. O projeto original previa que essa verba custeasse também o registro de domínio, a hospedagem de site e o servidor de streaming pelos primeiros 24 meses. Desde então, há cerca de um ano, essas últimas despesas estão sendo custeadas com recursos próprios, enquanto tramita um acordo de cooperação técnica com a instituição na região, que passará a assumir o custo operacional como uma das contrapartidas envolvidas na negociação.
Equipe de programação da radiosilva.org trabalhando no estúdio montado na Unidade Silva Jardim do Campus Baixada Santista / Fotografia: José Luiz Guerra
Mecânica de funcionamento
Stéfanis Caiaffo, docente no Instituto de Saúde e Sociedade (ISS/Unifesp) – Campus Baixada Santista, e coordenador do Núcleo de Rádio do Laboratório de Recursos Audiovisuais (Lara), explica que a Rádio Silva transmite, ininterruptamente, 24 horas por dia, sete dias por semana. “Até o ano passado mantínhamos uma grade de programação, mas a manutenção desta grade nos tomava muito tempo de trabalho, porque chegamos a ter mais de trinta programas ou faixas de programação no ar ao longo de uma semana. A partir do início de 2019, optamos por deixar o streaming da rádio transmitindo um randômico de todo o conteúdo que produzimos e, assim, temos mais tempo para as atividades educativas que a rádio faz, especialmente as oficinas de programação, as ocupações e as tarefas ligadas à curricularização da extensão. Atualmente, apenas os programas ao vivo têm hora marcada”, expõe.
“Creio que este possa ser um desafio importante para a Unifesp: desenvolver e/ou disponibilizar sistemas e mecanismos que nos permitam ter não só essa, mas também outras plataformas de comunicação audiovisual no ar. Neste momento, ainda é necessário recorrer a serviços externos de registro de domínio, hospedagem de site e provedor de streaming. Para gravação, edição e transmissão, trabalhamos com softwares gratuitos ou livres”, informa Caiaffo.
Audiência em alta
Ao contrário do modelo comercial, o sucesso de uma rádio escola não é exatamente medido pela audiência, mas pelo modo como ela serve de dinamizadora para encontros potentes entre as pessoas, sejam elas da comunidade acadêmica ou não. A mesa de estúdio da radiosilva.org é um espaço de encontro e troca. Ao longo dos últimos três anos já foram produzidos cerca de 1.500 programas. Bastante conhecida na região da Baixada Santista, a reportagem pediu ao coordenador uma amostragem de público. Dados colhidos no servidor no dia 12 de junho indicavam cerca de 178.092 pontos de conexão ao streaming ao longo dos últimos doze meses, ou seja, cerca de 487 por dia.
“Isso significa que uma média de 487 computadores se conectaram ao streaming ao longo de cada 24 horas de transmissão, alguns deles provavelmente tendo mais de uma pessoa na escuta - algo que não nos é possível saber. Achamos que é um número significativo para uma rádio experimental como a nossa, com uma equipe de duas pessoas, eu e o Renato Zama, e colaboradores sem dedicação exclusiva”, revela Caiaffo. Vale ressaltar que a lógica da programação musical é pautada em repertórios não comerciais e, sempre que possível, independentes. Em outras palavras, tocar o que rádios comerciais não tocam e confiar esta seleção a pesquisadores e especialistas no assunto.
O objetivo maior permanece o mesmo desde o princípio: “dar mais visibilidade a quem somos e a tudo o que fazemos na universidade, bem como servir de mídia alternativa ao que temos na região”, explica ele. “A riqueza do que se produz na Unifesp muitas vezes é pouco divulgada e a grandeza de quem somos muitas vezes fica escondida depois que termina o nosso expediente. Criar um canal de comunicação direta com a população, na nossa opinião, é fundamental para que a universidade sobreviva à crise de legitimação e aos ataques que vem sofrendo recentemente. E também é um modo de fazer com que as pessoas nos conheçam. Atualmente, um influenciador digital, pelo menos em números, pode ter mais impacto social do que um campus inteiro da Unifesp e isso deve nos preocupar como instituição”. Ademais, de acordo com Caiaffo, há muita coisa interessante sendo feita na região e a mídia tradicional olha pouco e dá menos espaço para isso, especialmente para a produção independente.
Desafios para o futuro
E o que leva o estudante a se interessar pela rádio? “Não há um motivo específico que traz um estudante à rádio. Às vezes é um interesse por extensão, às vezes um interesse em pesquisa, às vezes é fazer um programa de rádio que sirva como avaliação de um módulo ou que está integrado a um estágio, às vezes é só a tentativa de sair um pouco do cotidiano acadêmico, sem necessariamente sair da universidade, uma espécie de respiro. Nesse momento de poucos recursos optamos por não ter bolsistas no programa de extensão para que os projetos de extensão que estão sob nosso guarda-chuva possam pedir os seus e assim ficarem mais fortalecidos”, explica Caiaffo.
Segundo o coordenador, o principal desafio sempre foi, é e parece que ainda será fazer com que a própria comunidade acadêmica, especialmente o segmento docente, planeje dedicar um tempo de sua semana padrão para produzir com a rádio. “É muito difícil criar brechas no cotidiano do docente para que ele venha ao estúdio para falar de seus trabalhos, de seus projetos. Estamos sempre muito premidos entre a quantidade de coisas que são necessárias fazer e diante daquilo que é especialmente valorizado quando se trata da carreira docente”, explica.
A quantidade de propostas que chegam da comunidade externa vai além da capacidade de produção. Nesse momento, a rádio está tentando atendê-la em processos de descentralização dessa produção, instalando um segundo estúdio e formando pessoas que possam operá-lo, fazendo transmissões e gravações direto de equipamentos públicos e entidades conveniadas, e também testando algo novo. No final do ano passado construiu-se uma unidade móvel sobre um triciclo. “Chamamos nossa unidade móvel de Radiola da Silva e estamos começando a experimentar a possibilidade de uma rádio comunitária sobre rodas”, afirma o coordenador do projeto. “Seria uma rádio física que pedalamos pelo bairro e que produz e transmite uma programação feita com e, especialmente, dedicada à população que vive no entorno da universidade”.
Quais são os projetos para o futuro? “Meu sonho é ver (ou sintonizar!) uma Unifesp FM operando em rede e potencialmente atingindo centenas de milhares ou milhões de pessoas, com ampla participação tanto da comunidade acadêmica quanto da população em geral na sua produção e gestão e, eventualmente, ter a oportunidade de participar disso”, revela Stéfanis Caiaffo. “De resto, aqui e agora, espero que a gente siga reunindo pessoas e condições para que a radiosilva.org siga no ar, promova encontros potentes e fale de toda a riqueza que há em quem somos e naquilo que fazemos”, conclui.