Docentes e estudantes da Unifesp executam ações em parceria com comunidades tradicionais e órgãos gestores na região de Picinguaba, localizada no litoral norte de São Paulo
Finalização da gincana para coleta de resíduos sólidos no Cambury, que reuniu alunos da Unifesp, crianças da escola municipal e do Surf Clube Cambury, pais e professores
Texto: Valquíria Carnaúba
O Parque Estadual Serra do Mar (Pesm), maior corredor biológico protegido da Mata Atlântica no Brasil, abrange florestas que se estendem pela faixa litorânea do Estado de São Paulo, recobrindo parte do Vale do Ribeira e a costa sul paulista. Essas florestas contêm uma fauna diversa, asseguram a proteção integral aos mananciais e abrigam comunidades tradicionais de quilombolas, indígenas, caipiras e caiçaras. A existência desse contexto, rico em diversidade ecológica e cultural, inspirou a criação do projeto de extensão denominado Práticas Ambientais entre as Comunidades Tradicionais do Parque Estadual Serra do Mar - Núcleo Picinguaba, em Ubatuba (SP). O Projeto Picinguaba, como também é conhecido, visa ao intercâmbio de conhecimentos entre a universidade, as entidades atuantes nos respectivos territórios e as comunidades tradicionais, com ênfase nos bairros do Cambury e Sertão do Ubatumirim.
Eliana Rodrigues, que coordena o Centro de Estudos Etnobotânicos e Etnofarmacológicos da Unifesp, formulou em 2017 o projeto original, juntamente com outros docentes do Departamento de Ciências Ambientais do Instituto de Ciências Ambientais, Químicas e Farmacêuticas (ICAQF/Unifesp) - Campus Diadema.
Hoje, o Projeto Picinguaba é coordenado por Eliane Simões, professora visitante do mesmo departamento. Nele são contemplados quatro eixos temáticos, que sustentam suas ações: água (acesso/disponibilidade, captação e qualidade), saneamento (disposição de efluentes líquidos e sólidos e impactos ambientais), clima (percepção de elementos do microclima e mudanças climáticas globais) e manejo de recursos naturais (acordos de manejo, certificação ambiental e práticas sustentáveis). Esses temas foram definidos de comum acordo entre os professores envolvidos, a partir de seus interesses de pesquisa e das contribuições que consideraram possíveis de ser oferecidas às comunidades, e a partir dos temas apontados pelas lideranças comunitárias como cruciais para melhorar a qualidade de vida em seus territórios.
No caso das comunidades quilombola e caiçara do Cambury, os objetivos principais foram: avaliar a evolução da ocupação do bairro, inicialmente por meio da atualização do cadastramento das edificações, e melhorar as condições de saneamento ambiental, com a formulação de um plano participativo de gestão dos resíduos sólidos. Para os caiçaras do Sertão do Ubatumirim, que são – na maior parte – pequenos produtores de banana, a divulgação do conjunto de serviços oferecidos e o escoamento dos produtos oriundos da agricultura familiar representaram o escopo prioritário.
Oficina de gestão de resíduos sólidos em parceria com a Cooperativa de Reciclagem de Coco Verde e Catadores de Materiais Recicláveis (Coco & Cia.)
Visita monitorada ao Quilombo de Cambury: aula de campo de Ética/Educação Ambiental, integrada às ações de extensão
Trabalho voluntário
A primeira etapa desse projeto de extensão foi realizada entre janeiro e fevereiro de 2019, mediante a parceria entre o ICAQF/Unifesp, a Associação de Moradores e Amigos do Cambury (Amac), a Associação de Remanescentes do Quilombo de Cambury (ARQC), a Associação dos Bananicultores do Ubatumirim (ABU), o Pesm e a Fundação Instituto de Terras do Estado de São Paulo (Itesp). Conforme explica Simões, o voluntariado foi a principal estratégia adotada para viabilizar a participação dos 11 estudantes do curso de Ciências Ambientais durante o período de férias, já que o projeto ainda não conta com financiamento próprio, destinado à cobertura de despesas com hospedagem, alimentação e transporte.
Além dos docentes que foram a campo (Eliane Simões, Luciana Rizzo e Eliana Rodrigues), estudantes, moradores das comunidades e técnicos das entidades e instituições citadas desenvolveram atividades alinhadas com as demandas locais – como oficinas de planejamento da gestão de resíduos sólidos, compostagem, mutirões de limpeza e levantamento de dados domiciliares sobre uso e ocupação da terra (vide box). “Houve contribuição remota de outros professores do departamento, como Mirian Chieko Shinzato (compostagem), Leda Lorenzo Montero (escoamento de produtos) e José Guilherme Franchi (sistema de gestão de resíduos sólidos), fundamental à preparação dos estudantes, que – por sua vez – capacitaram os moradores”, esclarece Simões.
Já a etapa seguinte foi realizada entre abril e maio deste ano, sob uma estratégia didática distinta, que atendeu à curricularização da extensão e consistiu na saída a campo de 50 estudantes de duas unidades curriculares – Antropologia Cultural e Ética/Educação Ambiental. Simões prevê que, até o final deste ano, todos os registros e análises das ações possam ser condensados em relatórios e artigos científicos.
“A sobreposição de territórios nas comunidades tradicionais e unidades de conservação acarreta o enfrentamento de diversos desafios e conflitos de interesse, como as restrições legais para as práticas socioeconômicas dessas pessoas. Na perspectiva da conservação ambiental, a gestão do parque submete-se ao Sistema Nacional de Unidades de Conservação (Lei Federal nº 9.985/2000), que prevê a realocação, indenização ou assinatura de termo de compromisso entre o parque e as comunidades, especificando as atividades permitidas para sua subsistência, até que sejam removidas do local. No entanto, há outros dispositivos legais de igual importância, do ponto de vista da proteção da diversidade cultural, que precisam também ser atendidos, como a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais (Decreto Federal nº 6.040/2007).”
Eliane Simões
Empoderamento comunitário
Os dados gerados pelo projeto em 2019 foram entregues às associações de bairro, junto a materiais de divulgação e outros documentos, no intuito de promover o empoderamento comunitário. Espera-se que essa colaboração mútua contribua para a autonomia das comunidades quanto à gestão de seus territórios e ao alcance do bem viver que almejam. A Unifesp cumpre, dessa forma, seu papel na integração entre sociedade e academia, favorecendo a troca de saberes. Os resultados mencionados envolvem:
- coleta de 1.450 kg de vidro e 280 kg de outros materiais recicláveis, acumulados há anos em estabelecimentos da praia (1.730 kg no total)
- construção de seis unidades de descarte para materiais recicláveis (sólidos e orgânicos) e bitucas de cigarro
- montagem e instalação de 28 bituqueiras extras, feitas com garrafas PET e distribuídas ao longo da praia
- realização de mutirão de limpeza da praia, com a participação da comunidade, turistas e estudantes
- atualização do cadastramento de 130 das 157 edificações do Cambury
- capacitação de 18 estudantes de Ciências Ambientais do ICAQF/Unifesp para o trabalho com as comunidades tradicionais inseridas no Parque Estadual Serra do Mar
- sobre o Sertão do Ubatumirim: criação de rótulo de produtos e montagem do site e páginas virtuais no Facebook (www.facebook.com/associacaodosbananicultoresdoubatumirim) e Instagram (@abu.ubatumirim)