Imagens ilustrativas - Fotografias: Alex Reipert
Texto: Matheus Campos
Sentados à mesa para tomar café, chá e comer biscoitos, jovens universitários conversam descontraídos, em meio a alguns livros com títulos em inglês e planilhas expostas nas telas dos computadores em volta da sala. Enquanto conclui um trabalho que parece ser uma espécie de banco de dados, uma das estudantes lembra de ferver a água para fazer mais café. O ambiente, apesar de pequeno, é propositalmente acolhedor.
"Quando as pessoas pensam na ideia de laboratório, é natural visualizar recursos que são utilizados para experimentos de ciências biológicas e ciências exatas... um laboratório da área de ciências humanas é bem diferente", provoca Osmany Porto de Oliveira, docente e vice-chefe do Departamento de Relações Internacionais da Escola Paulista de Política, Economia e Negócios (Eppen/Unifesp) – Campus Osasco. É ele quem coordena o Laboratório de Políticas Públicas Internacionais (Laboppi), onde estudantes de graduação produzem e estimulam o diálogo entre academia e prática - sem deixar o café esfriar.
Como começou?
Em maio de 2016, Oliveira organizou o Seminário Internacional de Difusão de Políticas, que foi realizado pelo Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) em parceria com a Unifesp. O evento, que foi um sucesso, incentivou a discussão sobre a necessidade de se ter um laboratório de políticas públicas internacionais na universidade. "São duas áreas que cresceram de maneira separada. Por um lado Políticas Públicas, que busca entender o que ocorre dentro do Estado, e por outro Relações Internacionais, que olha para o que acontece fora do país", explica o coordenador.
Naquele ano, após algumas reuniões com outros professores do Departamento de Relações Internacionais, o projeto do Laboppi tomou forma na Eppen/Unifesp – Campus Osasco. É um dos primeiros laboratórios no país a estabelecer o elo entre as políticas públicas e as relações internacionais. O espaço de trabalho é compartilhado e foi criado com recursos da Pró-Reitoria de Extensão e Cultura, oriundos da Reserva Técnica para Infraestrutura Institucional de Pesquisa (RTI/Fapesp). "O Laboppi surge para dar uma resposta na Unifesp e no Brasil para essa questão que, apesar de muito recente por aqui, já possui avanços ao redor do mundo no que diz respeito, principalmente, à literatura acadêmica sobre políticas públicas globais", ressalta Oliveira.
Além de ser um grupo de pesquisa com cadastro no Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), o Laboppi funciona como um programa de extensão e inclui um programa de monitoria. Os encontros acontecem às quartas, entre 12h e 13h30, no período em que os estudantes não têm aula. Toda primeira quarta-feira do mês ainda ocorre o clube de leitura de políticas públicas internacionais, aberta também para o público externo. Os participantes debatem um tema e um livro dentro da área. As obras lidas fazem parte de um acervo criado a partir de doações de editoras acadêmicas.
Atualmente, o grupo conta com 10 membros de diferentes semestres do curso de Relações Internacionais da Eppen/Unifesp – Campus Osasco. É possível integrar a equipe por meio de um processo seletivo, no qual os interessados devem enviar, por e-mail, uma carta descrevendo os motivos pessoais e profissionais que consideram relevantes para o projeto, juntamente com uma cópia do histórico escolar da graduação.
Transferência de conhecimentos
Uma das frentes de trabalho do Laboppi é a análise de difusão internacional de políticas públicas, principalmente nas parcerias brasileiras com países da América Latina e da África Subsaariana. "Quando se trata de políticas sociais, o Brasil tem experiências importantes em termos de transferência de conhecimentos para outros países, um exemplo disso é o programa Bolsa Família", destaca Oliveira. Cada estudante escolhe um programa de políticas públicas nacional e um país para o qual foi feita essa difusão de experiências.
Diante das informações obtidas nas análises, os estudantes montam os bancos de dados para entender como funcionam as transferências. Os resultados desse processo são compilados em um documento chamado de Policy Briefing, que é um boletim de políticas públicas muito usado em organizações internacionais e não governamentais. “Trata-se de uma síntese, de cinco a sete páginas, para orientar tomadores de decisão sobre políticas públicas”, explica o coordenador. Esses documentos, que estão sendo concluídos, devem ser disponibilizados em formato digital e com linguagem acessível.
A partir dessas investigações, Marina Vilas Boas Talietta, monitora do Laboppi, já sabe até qual será o tema do seu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC). Estudante do 7º semestre do curso de Relações Internacionais, ela pretende aprofundar um trabalho que realizou no laboratório: uma análise e comparação do programa de transferência de renda condicionada e o programa de segurança alimentar para as Filipinas. “Fiquei encantada com a metodologia do professor Osmany, todos os aspectos que envolvem organização e operação me influenciaram em todo tipo de trabalho que faço na vida”, relata Marina.
Outras experiências com o Laboppi também marcaram a vida acadêmica da estudante. Em maio de 2018, foi uma das organizadoras da Conferência Internacional sobre Difusão de Políticas e Cooperação para o Desenvolvimento, em São Paulo. No mesmo ano, participou também de um workshop em Brasília sobre o tema. Segundo Marina, a partir desses eventos, ela finalmente entendeu o que significa o diálogo entre academia e prática. “As vivências que o Laboppi possibilita são, inclusive, uma resposta às nossas reclamações anteriores de que o curso de Relações Internacionais tem muita teoria e pouca prática”, conclui.
Equipe do Laboppi | Fotografia: Matheus Campos
Osmany Porto de Oliveira recebe o Prêmio Early Researcher, na 4ª Conferência Internacional de Políticas Públicas, em Montreal
O papel das agências internacionais
Um dos fundamentos do Laboppi é entender o papel das agências internacionais nas políticas públicas, como o Banco Mundial e a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). “A OCDE globaliza normas, princípios e modelos de gestão pública para que os governos melhorem desempenho e eficiência de política pública”, explica Oliveira.
“Assimilar esse conteúdo é de suma importância para os estudantes entenderem programas que impactam a sociedade”, complementa. A respeito do Banco Mundial, por exemplo, as discussões no clube de leitura realizadas no laboratório este ano abordaram o papel que a instituição tem nas reformas da previdência. “A partir do debate com os estudantes foi possível fazer uma comparação entre as reformas que ocorreram nos anos 1990, nos anos 2000 e o que ocorre no momento atual no Brasil, bem como uma análise de reformas da previdência implementadas em outros países”, sustenta Oliveira.
Novas mídias
Cuidar das mídias digitais, convocar reuniões e organizar os trabalhos individuais de cada membro são algumas das atividades de Beatriz Sanchez dentro do Laboppi. Aos 18 anos, a estudante de Relações Internacionais vê sua experiência no laboratório como uma oportunidade, também, de evolução pessoal. "Eu tenho que fazer o papel de 'chata', fico cobrando, mas desenvolvo características dentro do meu perfil", conta Beatriz.
A tarefa incumbida a Beatriz de atualizar, por exemplo, a página do Laboppi no Facebook, é uma das mais importantes do projeto. De acordo com Oliveira, as mídias digitais são elementos que possibilitam a difusão de conhecimento para a sociedade. "A geração à qual leciono aderiu ao conteúdo audiovisual e, com o mundo cada vez mais conectado virtualmente, o elo da população com o conteúdo gerado no universo acadêmico é por meio de publicações como podcasts e vídeos", analisa.
No atual momento, além do Facebook, o Laboppi possui um site, uma conta no Youtube, uma página no Soundcloud e já tem planos para a inauguração de uma conta no Instagram, pois, segundo Oliveira, os estudantes estão muito mais conectados a esta rede social. Paralelamente, o grupo também monitora a Policy Diffusion, uma plataforma global de políticas públicas internacionais. A proposta é que o material produzido pelo Laboppi seja público e que possa ser utilizado por professores, estudantes, funcionários dos governos, membros de ONGs e demais interessados.
Diálogos com várias esferas da vida
O Laboppi é uma iniciativa essencialmente interdisciplinar e multifacetada. Seja nas atividades presenciais, como seminários, palestras e oficinas, ou nas produções audiovisuais, como os vídeos e podcasts, Oliveira evidencia que "os estudantes são os protagonistas do projeto, com ampla liberdade para sugerir temas de seus interesses dentro da área para trabalhar no laboratório e levar para fora dele, sempre com o intuito de difundir conhecimento”.
Pelo ponto de vista deles, é um espaço não só de produção científica, análise e pesquisa, mas também se torna um ambiente de amizade e acolhimento, em que mestre e aprendiz dialogam de igual para igual. “Não falava muito em sala de aula, por insegurança e timidez, já aqui, principalmente nos debates, eu me sinto totalmente à vontade, sem medo de julgamentos alheios”, conta a estudante Giovanna Vaz Ferreira. Para o coordenador, é importante que o ambiente seja receptivo, para que os estudantes possam treinar as expressões de ideias de maneira clara e articulada.
O laboratório rendeu tanto que já está previsto para semestre que vem um documento bilíngue (inglês e português) com elementos norteadores para a difusão de políticas por meio da cooperação para o desenvolvimento, destinado para profissionais que atuam diretamente com o tema. É só um dos inúmeros projetos para estabelecer pontes entre a universidade e a vida, entre o Brasil e o mundo, entre os estudantes e a experiência profissional. E, é claro, tudo isso sem esquecer do café, do chá e dos biscoitos.
O que o Laboppi faz?
- Banco de dados
- Material didático, técnico e científico sobre políticas públicas
- Produção de boletins
- Realização de entrevistas
- Gravação de vídeos e podcasts
- Leitura e discussão de textos
- Organização de seminários, workshops e conferências
- Produção de documentos: relatórios e briefings
- Visita de campo
- Parceria com organizações