Da redação
Colaboraram
Flávia Kassinoff
João Comasseto
Até a primeira metade do século XX, os cientistas faziam uso de recursos instrumentais bastante limitados; muitos construíam seus próprios instrumentos de pesquisa. Com o desenvolvimento da ciência, em especial da Física, impulsionado, em parte, pelo esforço de guerra, novos e sofisticados equipamentos de análise começaram a surgir.
Esses equipamentos passaram a permitir aos pesquisadores obterem, em questão de horas, informações que até a época poderiam demandar um ano ou mais de trabalho. Entretanto, atualmente, em vista de sua complexidade e especificidade, esses aparelhos apresentam um custo elevado, impedindo que cada pesquisador ou grupo de pesquisa, acadêmico ou industrial, possua todos os equipamentos necessários para a realização de uma pesquisa competitiva em nível mundial. Ao mesmo tempo, quando disponíveis para um único pesquisador ou grupo, esses equipamentos permaneciam ociosos a maior parte do tempo.
A solução encontrada foi a criação de Centrais de Instrumentação e Serviços, operadas por técnicos especializados, abrindo o acesso a segmentos da comunidade. Esse trabalho foi ainda mais otimizado com o advento da automação e da informática, pois, quando se trata de trabalho de rotina, um mesmo técnico pode monitorar vários equipamentos ao mesmo tempo.
Não foi só no campo da pesquisa científica que essa prática foi adotada. Qualquer paciente pode realizar no mesmo centro de diagnóstico uma bateria de exames eventualmente solicitada por seu médico. Nenhum consultório poderia, isoladamente, arcar com os custos da manutenção dos aparelhos e laboratórios que hoje permitem ao profissional emitir um diagnóstico rápido e seguro.
No Brasil, no âmbito universitário, até a década de 1980 e início dos anos 1990, alguns pesquisadores de maior prestígio científico ou político reuniam vários equipamentos de grande porte em seus laboratórios. Dificilmente essa tecnologia era disponibilizada para o resto do departamento ou instituto, havendo, não raro, a duplicação de instrumentos em uma mesma instituição.
Com o fortalecimento de algumas agências de fomento no país e com a criação do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), começaram a surgir políticas oficiais de incentivo à aglutinação e democratização dos recursos instrumentais nas universidades e institutos de pesquisa. Entretanto, passadas cerca de três décadas do surgimento da nova política, a prática ainda não foi totalmente absorvida pela comunidade universitária.
Em âmbito mundial, a ideia do compartilhamento de equipamentos se expandiu, levando à criação de laboratórios nacionais ou mesmo continentais. É o caso da Europa, onde complexos instrumentais no valor de bilhões de euros são disponibilizados para toda a comunidade científica. No Brasil, temos um congênere, o Laboratório Nacional de Luz Sincrotron, localizado no distrito de Barão Geraldo, em Campinas, onde se localiza a Unicamp.
A Unifesp está se estruturando fortemente nesse sentido e já possui um grande número de equipamentos compartilhados entre os mais variados departamentos e disciplinas existentes nos seis campi. O financiamento dessa estrutura é concedido por diversas agências de fomento, como a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), por meio do Programa Pró-Equipamentos; pela Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) e pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), no âmbito federal. Na esfera estadual, a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) oferece o programa Equipamentos Multiusuários (EMU), criado para apoiar a aquisição de equipamentos de grande porte que não poderiam ser adquiridos pelos auxílios a pesquisas regulares ou projetos temáticos.
Instituto de Farmacologia e Biologia Molecular (Infar)
O Instituto de Farmacologia e Biologia Molecular (Infar) da Unifesp abriga dez laboratórios multiusuários. A instalação desses laboratórios provém do trabalho em conjunto dos departamentos de Biofísica, Bioquímica e Farmacologia, que compõem o instituto.
Os equipamentos foram adquiridos com verbas provenientes da Capes, do CNPq, da Finep e da Fapesp , e são úteis para diversas áreas de pesquisa. São eles, espectrômetros de massas, citômetros de fluxo, microscópios confocais, ultrassom, ultracentrífuga, entre outros. A utilização deles está aberta para qualquer pesquisador com projeto aprovado e com financiamento em andamento, com exceção do laboratório 2, que é destinado à manipulação de fontes radioativas e o usuário precisa ter realizado um curso oferecido pela Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEM).
“Esse instituto sempre teve suas portas abertas para todas as instituições. Nossos laboratórios são abertos e são usados por toda a universidade, todos os campi que precisam, usam. Diferentes instituições de São Paulo e de outros estados brasileiros também. Temos essa filosofia, dinheiro público tem que estar para servir a comunidade científica”, afirma a professora Helena Nader, coordenadora dos laboratórios.
Imagens capturadas pelo microscópio eletrônico de varredura
Acima, esquerda - Microscópio eletrônico de varredura por emissão de campo (SEM-FEG) FEI QFE335
Acima, direita - Ventrículo: Esta é uma vista da superfície das células ependimárias que revestem os ventrículos cerebrais. Nessa imagem podemos observar os tufos de cílios existentes nessas células.
Crédito Pesquisador: Profª Drª Rita Sinigaglia Coimbra
Abaixo, esquerda - Imagem de formas tripomastigotas de Trypanosoma cruzi eclodindo de células infectadas.
Crédito Pesquisador: Prof. Dr. Renato Mortara
Abaixo, direita - Fragmento de trombo removido de paciente que sofreu infarto agudo do miocárdio, mostrando hemácias aprisionadas sob a rede de fibrina.
Crédito Pesquisador: Prof. Dr. Adriano Caixeta
Centro de Microscopia Eletrônica
Imagens capturadas pelo microscópio eletrônico de transmissão
Oligodendrócito, célula do sistema nervoso responsável pela produção da bainha de mielina.
Crédito Pesquisador: Profª Drª Rita Sinigaglia Coimbra
Bacteriófago.
Crédito Pesquisador: Profª Drª Silvia Leão
Professora Rita Coimbra ao lado do microscópio eletrônico de transmissão (MET) JEOL 1200 EX II
O Centro de Microscopia Eletrônica (Ceme) é um exemplo consistente de laboratório multiusuário na Unifesp. Foi criado há 24 anos, pela Escola Paulista de Medicina (EPM), para abrigar microscópios eletrônicos de alto custo. Localizado no piso térreo do Edifício das Ciências Biomédicas, é usado por pesquisadores de diversos cursos ou programas de pós-graduação. “É completamente interdisciplinar. É difícil citar alguma disciplina ou departamento que nunca tenha utilizado o Ceme”, afirma a coordenadora do centro, professora Rita Coimbra.
Os principais usuários são pesquisadores do Departamento de Microbiologia, Imunologia e Parasitologia (DMIP), também os de Morfologia e Genética, Oftalmologia e Patologia. O Ceme também oferece serviços para pesquisadores de outras universidades e até mesmo para empresas privadas. Os equipamentos estão disponíveis a todos os pesquisadores, desde que o projeto tenha passado pelo Comitê de Ética e Pesquisa e que haja a apresentação da proposta de uso do equipamento à coordenação, que estabelece um cronograma de utilização do local com acompanhamento dos técnicos.
O centro disponibliza, entre outros equipamentos, um microscópio de transmissão que analisa materiais biológicos em cortes ultrafinos, com uma capacidade de ampliação de 600 mil vezes, e outro de varredura, utilizado para ver superfícies e topografias de materiais, com capacidade de ampliação de aproximadamente 1 milhão de vezes. As imagens criadas pelo microscópio de varredura têm aparência tridimensional, diferentemente das feitas pelo de transmissão, que são planas e bidimensionais.
“A importância de ter laboratórios multiusuários na instituição é enorme, porque normalmente esses centros têm condições de abrigar equipamentos de grande porte, de alto custo, com pessoal especializado no tema. Só dessa forma é possível oferecer para os pesquisadores da instituição a possibilidade de fazer trabalhos com tecnologias mais avançadas e refinadas”, complementa Rita.
Laboratórios do Rim e Hormônios
No Campus São Paulo funcionam dois Laboratórios do Rim e Hormônios. Um deles está em funcionamento há três décadas e desde o princípio atendeu a diversos grupos de pesquisadores. Estão presentes nesse espaço 10 cromatógrafos líquidos, adquiridos com verbas mistas da Fundação Oswaldo Ramos e da Finep.
“Esse laboratório já é multiusuário há 30 anos. Eu acho importante, pois nós conseguimos atender a muitas pessoas, ajudar vários projetos de pesquisa, e isso é a função de um bom laboratório multiusuário, permitir que todos tenham acesso a tecnologias mais sofisticadas. Isso porque são máquinas mais caras. Dessa forma, é necessário otimizar a utilização da máquina para que atenda a muitas pessoas. Nesse momento, estão em andamento 42 teses no laboratório, tanto dessa universidade, como de outras universidades do Brasil”, comenta a coordenadora, professora Dulce Casarini.
O laboratório do Rim e Hormônios II, inaugurado mais recentemente, com 3 anos de funcionamento, conta com 3 equipamentos multiuso, sendo eles, dois espectrômetros de massas e um sistema Biacore, onde se pode estudar a interação de proteínas. São realizadas, nesses espaços, pesquisas tanto da área clínica quanto da área básica.
Laboratório Multiuso de Patologia Molecular
O Laboratório de Patologia Molecular, criado recentemente e instalado no subsolo do edifício Lemos Torres, no Campus São Paulo, é mais um exemplo de espaço multiusuário. A ideia da criação do laboratório surgiu como parte de um projeto maior, ainda não concretizado: um prédio para abrigar pesquisa transacional . O laboratório engloba três áreas distintas. A primeira é a sala de Histotecnologia, dotada de equipamentos como micrótomos (que realizam cortes histológicos com parafina) e criostatos (que realizam cortes de tecidos e órgãos congelados). A segunda está no laboratório de microdissecção para extração de DNA, onde está alocado um aparelho de microdissecação a laser para tecidos parafinados. O laboratório de imagem, que engloba a terceira área, conta com dois aparelhos de digitalização, um para placas histológicas convencionais e o outro para preparados de imunoflorescência. Os equipamentos contam com sistema de software que analisa a própria imagem criada.
“Certamente, este laboratório trará grandes benefícios para a pesquisa na Unifesp e permitirá o intercâmbio entre pesquisadores dos mais diversos ramos do conhecimento na área da Saúde”, afirma o professor Gilles Landman, coordenador do laboratório.
Laboratório Multiusuário de Espectrometria
O Laboratório de Espectrometria de Massa Aplicada à Biomoléculas funciona há 2 anos, no Campus São Paulo. As principais linhas de pesquisa realizadas no local são da área de Proteômica e a ligação entre Química e as ciências da vida.
“Várias áreas do conhecimento utilizam a espectrometria de massas: a Química, a Farmacologia, a Medicina. Ela é uma ferramenta de identificação e caracterização de moléculas. Nesse laboratório, nós trabalhamos com biomoléculas: proteínas, peptídeos, metabólicos em geral, porque é a nossa expertise e uma demanda da Unifesp”, explica Nilson Antonio de Assunção, coordenador do laboratório. Com verbas da Finep, esses equipamentos podem ser utilizados por qualquer aluno de pós-graduação que desenvolva um projeto de pesquisa e saiba manusear o aparelho. O laboratório não presta serviços a empresas e não cobra pelas análises ou pela utilização dos equipamentos.
“Espaços multiusuários são uma prática comum em muitas universidades brasileiras e no exterior, devido à vantagem de reunir em um espaço técnicas comuns a diferentes áreas da pesquisa. O objetivo desses espaços é concentrar esses equipamentos em um laboratório multiusuário que possa atender à demanda cada vez mais interdisciplinar da pesquisa”, coloca Nilson.
Centro de Instrumentação para Pesquisa e Ensino
No Campus Diadema, a unidade Eldorado abriga o Centro de Instrumentação para Pesquisa e Ensino (Cipe), um laboratório multiusuário que funciona há um ano e possui 17 equipamentos, incluindo um difratômetro de raios x, dois aparelhos de ressonância magnética nuclear e um microscópio eletrônico de varredura, recentemente instalado. O laboratório atende à demanda de pesquisadores de todos os cursos do campus, incluindo Química, Biologia e Farmácia. “A ideia do Cipe é centralizar os equipamentos que são considerados de grande porte e disponibilizá-los para toda a comunidade científica, principalmente para o jovem pesquisador em início de carreira que nunca teria condições de adquirir tais tecnologias com um projeto próprio”, explica a coordenadora, Miriam Uemi.
Atualmente, a utilização do equipamento é gratuita, mas a perspectiva é que em dentro de algum tempo comece a ser cobrada aos pesquisadores. A receita será revertida no pagamento dos custos de manutenção e contratação de técnicos treinados especificamente para manejar cada aparelho e auxiliar o cientista a realizar a análise.
“A nossa prioridade é obter recursos para manter os equipamentos. Todos os pesquisadores estão unindo esforços para iniciarmos a etapa de cobrança dessas análises, para que nós possamos bancar a manutenção. Futuramente, pretendemos montar um site para que toda a comunidade científica, não só a Unifesp, possa saber que temos um centro com diversos equipamentos”, afirma Miriam Uemi.
Campus São José dos Campos
No Campus São José dos Campos, os laboratórios multiusuários são divididos de acordo com os três programas de pós-graduação oferecidos: Engenharia e Ciência de Materiais (coordenado pelo professor Manuel Lente), Ciência da Computação (Valério Rosset) e Biotecnologia (Martin Wurtele).
“No espaço de nosso laboratório são desenvolvidas pesquisas em diversos níveis, promovendo interação e troca de experiências entre os docentes, alunos de graduação (IC e TCC) e de pós-graduação. É importante destacar que esse é o único espaço disponível para que os alunos de graduação realizem os projetos de iniciação científica (IC) e trabalhos de conclusão de curso (TCC) nas áreas de computação e matemática”, ressalta Rosset.
Na área de Biotecnologia, a instalação e o funcionamento dos espaços multiusuários estão em sua etapa inicial, mas têm um futuro promissor, diz Wurtele. Com a mudança das aulas da graduação para o Parque Tecnológico de São José dos Campos, a unidade Talim, onde hoje estão as salas de aula, será transformada em um prédio basicamente de laboratórios. Os multiusuários serão realocados para lá.
Outra perspectiva empolgante é a possível chegada de dois equipamentos importantes para a área de Biotecnologia, um espectrômetro de massas e um difractômetro de raio-x. “São dois equipamentos que estamos requisitando ao CT-Infra. Até agora, não tínhamos na Unifesp ninguém capaz de manejar os aparelhos. Agora, temos dois especialistas nesse campo”, explica Wurtele.
Um desafio para a Unifesp
Exceto no Campus São Paulo, onde algumas plataformas multiusuários já existem há bastante tempo, a prática está em vias de ser implantada nos outros campi da Unifesp. O desafio é a formulação de diretrizes mínimas comuns a todos os campi, com o objetivo de permitir o gerenciamento de suas plataformas ou centrais de acordo com as características e necessidades próprias de cada um, mas sem se deixar limitar pelas perspectivas particulares de cada campus.
Com esse objetivo, a Pró-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa elaborou o documento “Centros de Equipamentos e Serviços Multiusuários da Unifesp” (Cesmulti), a ser debatido com toda a comunidade por meio das câmaras de pós-graduação e pesquisa dos campi e posteriormente aprovado pelo Conselho de Pós-Graduação e Pesquisa da Unifesp.