Daniel Patini
Imagem: Alex Reipert
Promover pesquisas de ponta, adotando o diálogo interdisciplinar como princípio e método, é um dever das universidades de vanguarda no Brasil, as quais pertencem – em sua maioria – ao setor público, afirma Renato Janine Ribeiro, professor visitante da Pró-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa da Unifesp. Com esse objetivo estratégico, o ex-ministro da Educação e professor titular da Universidade de São Paulo (USP) coordena, desde o final de fevereiro, um grupo de trabalho responsável pela elaboração do projeto de implantação do Instituto de Estudos Avançados da Unifesp.
“Internacionalmente, os institutos de estudos avançados têm um foco voltado para a pesquisa. Mas, no Brasil, quando começaram a ser criados institutos com esse perfil, houve a preocupação de que também se dedicassem à formulação de políticas públicas. A boa notícia é que essa preocupação já está impregnada no espírito da Unifesp, em seus cursos e programas de pós-graduação. Assim, a prioridade do futuro IEA deverá ser a evolução na pesquisa dos assuntos novos e mais relevantes, bem como a discussão sobre o modo como o desenvolvimento científico impacta as formas de vida e de relacionamento humano. Nada é poupado pela velocidade das mudanças que ocorrem em nosso tempo”, afirma Ribeiro.
Confira, na entrevista a seguir, as principais propostas defendidas pelo docente.
Entreteses - Como o senhor avalia seu trabalho na Unifesp?
Renato Janine Ribeiro - Fiquei muito contente com a proposta de trabalhar como professor convidado da Unifesp, que é uma das melhores universidades brasileiras, e estimulado pela possibilidade de auxiliar a instituição a progredir nas direções que ela escolher. Já fui diretor de Avaliação da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), entre 2004 e 2008, e conheço bem o sistema de pós-graduação. Minha equipe, naquele período, montou grande parte dos critérios ainda utilizados na avaliação. Com isso, foi possível compreender muitas questões sobre os progra-mas de mestrado e doutorado, que é uma área na qual a Unifesp é particularmente forte. Ao mesmo tempo, ela tem-se expandido e criado cursos novos.
E. Qual a importância de um instituto de estudos avançados para uma universidade?
R.J.R. Um instituto de estudos avançados é um ponto importante em uma instituição de pesquisa. Pode-se observar que as 20 melhores universidades brasileiras são as que se destacam em pesquisa, e a Unifesp está entre elas. É muito importante, quando se tem um foco em pesquisa, identificar estudos de ponta, dentro da universidade e fora dela. Então, fazer uma prospecção das possibilidades da universidade em relação às pesquisas de ponta é algo essencial. Para isso, será criado o instituto, com a minha colaboração.
E. Entre os objetivos estabelecidos por esse tipo de instituto, quais podemos destacar?
R.J.R. Internacionalmente, os institutos de estudos avançados têm um foco voltado para a pesquisa. Mas, no Brasil, quando começaram a ser criados institutos com esse perfil, houve a preocupação de que também se dedicassem à formulação de políticas públicas. A boa notícia é que essa preocupação já está impregnada no espírito da Unifesp, em seus cursos e programas de pós-graduação. Assim, a prioridade do futuro IEA deverá ser a evolução na pesquisa dos assuntos novos e mais relevantes.
Não há uma receita pronta para isso. Os pesquisadores mais destacados precisam ser consultados para a indicação dos novos horizontes de investigação científica. Com a ajuda deles, vamos elaborar um projeto colaborativo que venha da própria Unifesp, com base nas decisões adotadas em reuniões que são realizadas.
Além disso, temos de discutir de que modo o desenvolvimento científico impacta as formas de vida e de relacionamento humano. Nada é poupado pela velocidade das mudanças que ocorrem em nosso tempo. Uma novidade é que, cada vez mais, a ciência e a pesquisa de ponta mudam a vida, numa escala nunca antes vista e que só deverá crescer.
E. O instituto tem como foco a interdisciplinaridade?
R.J.R. Há uma grande tendência de delimitar cada vez mais o objeto de pesquisa, exigindo maior especialização dos pesquisadores, o que também é algo bom, embora torne as pessoas muito fechadas em seu campo de atuação. Às vezes, a injeção de conhecimento de uma área em outra pode representar uma revolução científica. O grande exemplo histórico é o da revolução que a geometria, no começo da Modernidade, efetuou em inúmeras ciências. Nos últimos anos, houve um aumento na qualificação das especializações, mas perdeu-se o diálogo interdisciplinar. E esse diálogo não trata apenas da troca de ideias secundárias; é, muitas vezes, a tentativa de ver como o paradigma de uma área pode ajudar outra, sem que haja a supremacia de uma delas. Se um instituto de estudos avançados tem a vocação interdisciplinar, tal condição poderá ser muito enriquecedora. Na verdade, o que tenho notado nas reuniões preliminares é a vontade de trocar ideias: o instituto deve estimular esse desejo, fornecendo meios e, sobretudo, reunindo pesquisadores de diferentes áreas em torno de assuntos de interesse comum e também incomum.
E. Que outros projetos o senhor pretende desenvolver na Unifesp?
R.J.R. No segundo semestre deste ano, vou oferecer um curso de pós-graduação sobre utopia e redução de danos. A utopia hoje é vista como sinônimo de projeto inviável, mas a abolição da escravatura, a igualdade de gêneros e o voto universal, por exemplo, foram fruto de utopias que funcionaram. Por outro lado, há uma linha diversa, que é a redução de danos. Parte-se do princípio de que a sociedade tem muitos fatores de infelicidade e injustiça, sendo impossível remover todos. E tentar uma solução radical e utópica, pode piorar a situação. Mas é possível reduzir os danos e ser mais efetivo nisso, aceitando que a sociedade nunca será totalmente feliz e justa. O grande exemplo, hoje, de utopia nefasta é o da guerra às drogas.
Essas são duas grandes linhas filosóficas, a utopia e a redução de danos, mas o que me interessa, no caso, é que são também duas grandes linhas de políticas públicas: pode-se decidir quando convém uma política utópica e quando convém uma política de redução de danos. O que pretendo com o curso é que as pessoas que formulam as políticas públicas conheçam bem essas duas ferramentas e saibam quando aplicar uma ou outra. Já no próximo ano, quero montar um curso sobre a apropriação social do conhecimento, também na pós-graduação, que não será necessariamente ministrado por mim. Por meio desse curso, quero que os estudantes tenham uma visão muito clara de quem se beneficia com os avanços tecnológicos.
E. Como o senhor avalia o ensino superior brasileiro e a qualidade da educação a distância?
R.J.R. Houve um grande aumento no número de estudantes do ensino superior brasileiro, durante os governos petistas, graças a iniciativas como o programa de reestruturação e expansão das universidades federais (conhecido pela sigla Reuni), o Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) e a educação a distância. Todos esses fatores precisam ser melhorados, mas vou-me deter no ensino a distância. Entendo que curso a distância no plano universitário não deve ser bom, não deve ser médio... deve ser excelente. Para isso, seria necessário que houvesse dois ou três cursos com a mesma denominação em todo o conjunto das universidades federais. Teríamos um curso com professores mais competentes. E o curso a distância não apresenta problema em relação ao número de alunos ou à localização geográfica. O ideal seria constituir uma rede de universidades que contasse com professores renomados. Assim, o curso a distância poderia suprir as deficiências de um curso presencial e atingir um público mais amplo do que temos hoje. Outro ponto é que ainda há uma grande demanda por títulos no Brasil. Muitos entram em universidades privadas que cobram mensalidades baratas e que, em troca, fornecem um ensino ruim. Vale dizer que, enquanto a avaliação da Capes fecha programas de mestrado e doutorado com baixo conceito, a avaliação do MEC não tem esse poder. Fechar um curso de graduação de má qualidade requer anos. Então, embora seja necessário, é difícil garantir a qualidade do ensino superior, sobretudo particular.
Uma breve biografia
Renato Janine Ribeiro foi ministro da Educação, entre abril e outubro de 2015. É professor titular de Ética e Filosofia Política da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP), desde 1994, tornando-se, em 2016, professor honorário do Instituto de Estudos Avançados da mesma instituição universitária.
Foi membro do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), entre 1993 e 1997, e da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), entre 1997 e 1999. Durante sua atuação como diretor de Avaliação da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), entre 2004 e 2008, dirigiu avaliações trienais de mais de 2.500 cursos de mestrado e doutorado no Brasil.
Atualmente, o ex-ministro preside o Conselho de Ética da USP e a Comissão de Ética do Centro de Inovação para a Educação Brasileira (Cieb), além de ser membro do Conselho Superior de Estudos Avançados da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). No setor de arte e cultura, integra o Conselho Consultivo do Instituto Inhotim, em Minas Gerais, considerado o maior centro de arte ao ar livre da América Latina, cujo acervo de obras contemporâneas sobressai como um dos mais importantes do país.
É autor de 93 capítulos de obras coletivas e de 12 obras individuais. Entre estas figuram: A marca do Leviatã (1978), A última razão dos reis (1993), Ao leitor sem medo (1984), A etiqueta no Antigo Regime (1983), A sociedade contra o social (2000) – que conquistou o Prêmio Jabuti em 2001, na categoria de Ensaio e Biografia – e A universidade e a vida atual (2003). Mais recentemente, produziu A boa política (2017) e A pátria educadora em colapso (2018).
Foi condecorado com a Ordem Nacional do Mérito Científico (1997), a Ordem de Rio Branco (2009), a Ordem do Mérito Naval (2015) e a Grande Medalha da Inconfidência (2018).