Efluentes causam lesões celulares graves no DNA de ratos

Emissário submarino de Santos (SP), contaminado por metais, pesticidas e produtos derivados da cloração, libera substâncias nocivas ao ser humano

Daniel Patini

Emissário

(Imagem: Alex Reipert)

Os efluentes municipais liberados pelo emissário submarino da cidade de Santos são agentes citotóxicos e genotóxicos para vários órgãos de ratos, como fígado e rim, ou seja, são capazes de causar lesões celulares e na molécula de DNA, de acordo com os resultados de um estudo realizado pelo Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Ciências da Saúde do Instituto de Saúde e Sociedade (ISS/Unifesp) - Campus Baixada Santista.

Para o estudo, 20 ratos albinos machos Wistar foram expostos a efluentes diluídos em água potável em concentrações de 0%, 10%, 50% e 100% durante 30 dias. Os efluentes municipais foram coletados na estação de tratamento de águas residuais da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) na cidade de Santos. As amostras foram coletadas in natura após tratamento primário com retenção sólida e desinfecção por cloração antes de sua liberação pelo emissário e, posteriormente, armazenados em congelador a -20 °C até a sua utilização.

Os ratos expostos à toxicidade subcrônica do efluente municipal foram distribuídos em quatro grupos: um grupo foi utilizado como controle, ao qual foi oferecido apenas água e ração à vontade. Os três grupos restantes receberam concentrações crescentes de efluentes – (grupo 10%, grupo 50% e grupo 100%) – misturados com água filtrada (exceto grupo de 100%) durante o período experimental.

Principais resultados

Os resultados do estudo foram obtidos por meio de avaliação histopatológica, que indica alterações morfológicas nas células e na organização dos tecidos e presença de estruturas anômalas, e avaliação toxicogênica, realizada por meio de ensaios que detectam as lesões no DNA causadas por estímulos tóxicos.

A avaliação histopatológica do fígado mostrou diferença significativa entre o grupo controle, que apresentou arquitetura celular normal, e os ratos expostos a concentrações de 50% e 100% de efluentes, principalmente.

Entreteses Arquivo pessoal

Pesquisador Victor Hugo Silva (à direita) com o orientador do projeto, Daniel Araki Ribeiro, e Carolina Foot, integrante da equipe do laboratório de Toxicogenômica do Campus Baixada Santista (Imagem: arquivo pessoal)

“Enquanto que alguns dos animais expostos a efluentes municipais a 10% de concentração apresentaram alterações histopatológicas leves, no grupo exposto a efluentes municipais a 50% de concentração, o padrão de severidade aumentou. Já nos ratos tratados com efluentes a 100% de concentração, foram detectadas alterações degenerativas graves, como necrose e áreas hemorrágicas, em todos os animais analisados”, relata Victor Hugo Pereira da Silva, doutor em Ciências da Saúde pelo Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Ciências da Saúde e responsável pelo trabalho.

Quanto às avaliações histopatológicas de rim dos ratos expostos aos efluentes, alterações graves no tecido renal foram notadas em concentração de 50%, como resultado de necrose de coagulação e descamação epitelial. A 100% todos os animais apresentaram alterações histopatológicas, incluindo necrose grave e hemorragia tubular. 

O dano genético foi detectado em células de sangue periférico em concentrações mais elevadas de efluentes quando comparado ao grupo controle. A mesma situação ocorreu no fígado, isto é, concentrações mais elevadas foram capazes de induzir a quebra do DNA. Além disso, uma diminuição da capacidade de reparo do DNA foi observada em células hepáticas. E, por fim, todas as concentrações de efluentes induziram danos genéticos em células renais.

“Nossos resultados revelaram que o efluente foi capaz de induzir a deficiência de reparo do DNA para todas as concentrações utilizadas neste estudo. A lesão oxidativa do DNA tem sido reconhecida como uma das principais causas de morte celular e mutações em todos os organismos aeróbios – aqueles que utilizam o oxigênio para respirar. Em seres humanos, os danos oxidativos no DNA também são considerados um importante promotor do câncer”, comenta o pesquisador.

Outro dado do estudo diz respeito à morte celular, cujo índice foi maior no grupo 100% concentração de efluentes, mostrando diferenças estatisticamente significantes quando comparados ao grupo controle. Os grupos expostos a 50% e 10% de efluentes não apresentaram significância quando comparados aos não expostos. A exposição contínua aos efluentes foi capaz de induzir a morte celular de fígado apenas a 100% de concentração.

CONTAMINANTES AMEAÇAM SER HUMANO E MEIO AMBIENTE

Para o pesquisador, descobertas recentes têm sustentado a hipótese que os efluentes são potencialmente tóxicos devido à presença de contaminantes clássicos, tais como metais, pesticidas e produtos derivados da cloração. Os produtos e subprodutos resultantes da interação com esses elementos, como o enxofre, podem causar impactos nocivos ao meio aquático e à saúde humana. 

Ainda de acordo com ele, tais informações nos alertam não só para o risco em humanos, mas também para a saúde ambiental, visto que tais efeitos observados nesse modelo trazem informações para a avaliação de risco, entendendo que o emissário submarino se localiza em uma região cercada por um grande complexo industrial petroquímico e hospeda o maior porto da América Latina. A situação geográfica e demográfica contribui para a presença desses contaminantes clássicos e contaminantes emergentes, cujos efeitos a longo prazo ainda não são esclarecidos. 

"O mais interessante desse novo estudo foi o efeito mutagênico presente em todas as concentrações avaliadas. Além disso, ele contém dados relevantes para a saúde humana exposta a efluentes, mesmo de forma direta. No entanto, estudos adicionais são bem-vindos para compreender caminhos celulares específicos envolvidos nesse processo biológico desencadeado por poluentes ambientais", completa Silva.

O QUE É UM EMISSÁRIO

Emissário submarino é uma tubulação utilizada para o lançamento de esgoto doméstico e industrial no oceano, o qual possui grande capacidade de diluição e dispersão dos poluentes, em razão de seu enorme volume de água. "Os efluentes municipais liberados no continente ou no litoral marinho é um dos tipos mais comuns de poluição no meio aquático”, explica Silva.

emissario

(Imagem: Alex Reipert)

Artigo relacionado:
SILVA, Victor Hugo Pereira da; MOURA, Carolina Foot Gomes de; RIBEIRO, Flavia Andressa Pidone; CESAR, Augusto; PEREIRA, Camilo Dias Seabra; SILVA, Marcelo José Dias; VILEGAS, Wagner; RIBEIRO, Daniel Araki. Genotoxicity and cytotoxicity induced by municipal effluent in multiple organs of Wistar rats. Environmental Science and Pollution Research, v. 21, n. 22, p. 13069-13080, nov. 2014. Disponível em: . Acesso em: 29 nov. 2017.