Segunda, 20 Dezembro 2021 12:57

Pesquisadores(as) recomendam que cursos e estudos mostrem os riscos do empreendedorismo

Trabalho desenvolvido pela Unifesp e Centro Universitário Campo Limpo Paulista identificou a adoção muito maior de um viés positivo no ensino da área

Por Pedro De Biasi

O empreendedorismo é um tema muito debatido no dia a dia e no âmbito acadêmico, mas ainda existe pouca discussão sobre seus aspectos negativos. Mesmo que uma parcela expressiva dos novos empreendimentos acabe não dando certo, os cursos e disciplinas voltados para essa área valorizam principalmente os aspectos positivos.

Essas são algumas das conclusões encontradas no artigo Ensino socialmente responsável do empreendedorismo: Explorando aspectos desfavoráveis da ação empreendedora, desenvolvido por José Osvaldo De Sordi e Marcia Carvalho de Azevedo, docentes do Departamento de Administração da Escola Paulista de Política, Economia e Negócios (Eppen/Unifesp) - Campus Osasco, e por Roberto Coda, Wanderlei Lima Paulo e Mirian Siqueira Gonçalves, do Centro Universitário Campo Limpo Paulista.

Usando o Brasil como estudo de caso, os(as) pesquisadores(as) analisaram as ementas e as referências das disciplinas de Empreendedorismo dos principais programas de mestrado e doutorado da área da Administração segundo a avaliação da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).

Além da análise de conteúdo dos textos das ementas de 96 disciplinas sobre Empreendedorismo ministradas por esses programas de excelência em Administração, analisou-se o conteúdo de 18 artigos científicos mais utilizados pelas disciplinas de empreendedorismo desses programas. As análises foram feitas tanto pelos(as) pesquisadores(as), trabalhando com técnicas de análise semântica, quanto por softwares especializados, denominados de Latent Semantic Analysis (LSA). Ambas evidenciaram a carga semântica positiva e favorável ao ato de empreender.

Os(as) autores(as) encontraram uma proporção muito maior de textos que trazem um viés fortemente positivo ao empreendedorismo. As menções aos riscos inerentes ao ato de empreender foram raras, com a maioria delas usando termos mais suaves para os aspectos negativos.

Um paralelo pode ser traçado entre os cursos e disciplinas de Empreendedorismo e os focados em Administração de Projetos. Os(as) pesquisadores(as) destacam que, nos conteúdos programáticos dessa área, existe muito foco para os riscos e incertezas associados a projetos, mesmo que frequentemente eles sejam apenas uma parte das atividades de uma empresa já estabelecida. Nesse sentido, uma pessoa que decide empreender tem uma necessidade bem maior de informações sobre o que pode dar errado, mas esse lado não costuma ser abordado.

O estudo menciona que nem sempre os principais periódicos acadêmicos estão abertos a análises que evidenciam os problemas do empreendedorismo, mas que isso está começando a mudar. Uma corrente de estudo do Empreendedorismo, denominada de Análise Crítica da Educação Empreendedora, tem chamado atenção para essa lacuna, destacando a posição antagônica entre a literatura sobre empreendedorismo, caracterizada pela ênfase no sucesso da ação empreendedora, e a realidade dos empreendedores, caracterizada pela prevalência generalizada de falências.

Entre os principais impactos que empreendimentos malsucedidos podem causar, existem três principais: o lado obscuro, associado a reações emocionais e psicológicas; o lado negativo, associado à perda de capital; e o lado destrutivo, associado a impactos em membros da sociedade. “Na perspectiva mais ampla, a social, estudos da área da Economia indicam que, para países pobres e em desenvolvimento, o empreendedorismo acarreta efeitos negativos, apontando que os métodos e as literaturas sobre empreendedorismo provenientes de países desenvolvidos não devem ser aplicados sem a devida contextualização para países pobres e em desenvolvimento”, destaca o professor da Unifesp José Osvaldo De Sordi, um dos autores do estudo.

Levando em consideração que países desenvolvidos podem ver 50% dos empreendimentos fechando as portas em até 30 meses, a situação no Brasil é ainda mais arriscada. Por isso, os(as) autores(as) da pesquisa defendem que os cursos e disciplinas ofereçam uma visão holística do empreendedorismo, não só mostrando o potencial para dar certo, mas também explorando os riscos inerentes à prática e análises de casos que não foram bem-sucedidos.

O estudo complementa essa análise com a sugestão de que agências de financiamento, centros de pesquisa e publicações sobre empreendedorismo encorajem pesquisas sobre seus potenciais efeitos negativos. Além disso, o material faz sugestões para futuras pesquisas sobre o tema, por exemplo focando em qual é a proporção da produção acadêmica que consiste de artigos que discutem as dificuldades, limitações e fracassos na prática empreendedora.

O trabalho dos autores também complementa os mitos do empreendedorismo pesquisados por Scott A. Shane e publicados em 2008 no livro The Illusions of Entrepreneurship: the Costly Myths that Entrepreneurs, Investors, and Policy Makers Live By. O novo mito identificado é associado à percepção predominante entre os(as) docentes que lecionam disciplinas sobre empreendedorismo: “o ensino do empreendedorismo é essencialmente bom e positivo para toda a sociedade e, consequentemente, para todos(as) os(as) alunos(as), sem contraindicações”.

O artigo foi publicado no International Journal of Entrepreneurial Behavior & Research, um dos principais jornais da área de Empreendedorismo.

Lido 4186 vezes Última modificação em Quinta, 18 Abril 2024 14:19

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