Dos símbolos aos índios do Brasil
EPM vai ao Xingu, mas paga um preço por isso
Nos mesmos anos anteriores ao golpe em que Marcos Lindenberg esforçava-se por tornar a EPM o núcleo da nova UFSP, criada ainda durante o governo de Juscelino Kubitschek e sob forte influência dos ventos desenvolvimentistas que seriam reprimidos pelo golpe de 1964, formara-se o departamento de Medicina Preventiva da EPM e nele a atuação do professor Roberto Baruzzi foi sempre muito destacada. Em julho de 1963, ele integrara pela primeira vez uma caravana médica ao Araguaia, resultado de um acordo com os dominicanos da prelazia de Conceição do Araguaia, que atuavam na região, com a intenção de oferecer atendimento à saúde para as populações ribeirinhas e indígenas do Araguaia.
Novas caravanas aconteceriam ainda em 1964 e 1965, mas perderam o apoio fundamental da FAB, que transportava os médicos e alunos da escola e, por isso, deixaram de existir. Da caravana de 1965 participaram o dr. João Paulo Botelho Vieira Filho e o então doutorando Paulo de Lima Pontes. Seus relatórios evidenciam a situação precária de saúde da população e, principalmente, a completa ausência do Estado no atendimento às populações carentes. Os dominicanos que organizaram as caravanas vieram a ser severamente perseguidos pela ditadura. Baruzzi foi contatado pelo regime para conduzir o Projeto Rondon, mas considerou que se tratavam de ações meramente esporádicas que não tinham a necessária continuidade e nem beneficiavam a população efetivamente.
Deste seu incômodo com as ações em atendimento à saúde das populações ribeirinhas e indígenas, e dos seus primeiros contatos com Orlando Villas Bôas em 1965, nasceu o Projeto Xingu, até hoje importante para a Unifesp e para as populações xinguanas. João Paulo Botelho Vieira Filho, por sua vez, continuou a atender às populações indígenas do Araguaia por muitos anos. Durante o regime militar, como suas memórias permitem entrever, houve a chegada dos guerrilheiros à região.
De suas memórias, e também das lembranças de Ricardo e Marília Smith, foi possível refazer a trajetória da professora da EPM Heleneide Resende de Souza Nazareth, irmã da guerrilheira Helenira Resende de Souza Nazareth e, por isso, presa várias vezes para que fornecesse informações sobre o paradeiro da irmã. Voltava bem machucada, contou Ricardo. Outra das irmãs, Helenalda, de quem pudemos colher depoimento, embora não fosse ligada à escola, vinha sempre às festas do departamento de Genética e lembra que nas vezes em que foram presas, fotos das festas eram mostradas pelos agentes da repressão.
Estavam, todos os brasileiros, em suspeição... E como João Paulo conseguia entrar no Araguaia? Segundo seu depoimento, porque era parente do general Carlos de Meira Mattos, aquele que produziria o Relatório da Comissão Meira Mattos e que apontaria ao governo militar mecanismos de controle sobre o movimento estudantil. Em meio a tanta repressão, João Paulo encontrou um caminho para atender às populações indígenas, e lembra que parte dos remédios que levava chegavam, também, aos guerrilheiros.
São histórias como essas que estamos narrando no relatório. Histórias dos estudantes presos, de professores e funcionários presos e/ou afastados, histórias de pessoas que resistiram silenciosamente, que protegeram colegas independentemente do seu posicionamento político, mas, também, histórias daqueles que optaram por defender o regime, que aceitaram perseguir colegas.