A batalha de um visionário

De como um português de origem humilde, oriundo da aldeia de Paradela, tornou-se diretor da Escola Paulista de Medicina e arquiteto do projeto que permitiria a criação de nossa universidade, há 25 anos

Entreteses11 p021 Manuel Lopes

Texto: Juliana Narimatsu

Manuel Lopes dos Santos nasceu em 26 de outubro de 1937 na aldeia de Paradela, no município de Miranda do Douro, em Portugal. O povoado, de tão pequenino, tinha na ponta da língua o número dos que formavam a comunidade: cem habitantes. Apesar da falta de luz elétrica, estrutura sanitária e estradas asfaltadas, a riqueza da região se concentrava nas águas cristalinas do rio Mondego, onde a juventude pescava e nadava no verão. Vida simples. As dificuldades assolaram a Europa com o fim da 2ª Grande Guerra, e a fome fez parte da infância de Santos. A ausência do pai, que buscou por um futuro fora do país quando ele tinha seis meses de idade, também o marcaria na primeira infância.

Com oito anos, desembarcou no Brasil, acompanhado pela mãe. Nessa época, com uma situação financeira melhor por conta do emprego como comerciante, a figura paterna finalmente reencontrou seu único filho. A família foi morar em Guarulhos. Tempos depois, chegaram à capital paulista. Santos retornou à escola. Considerava-se um aluno mediano, que se dedicava aos estudos às vésperas das provas – e mesmo assim ia bem. 

Ainda adolescente, para garantir seu “pé- de-meia”, trabalhou como garçom e passou por ocupações que perduraram por curto prazo. Sua vocação, no entanto, foi descoberta aos 16, a partir da amizade com um vizinho, médico formado pela Escola Paulista de Medicina (EPM). Motivado por uma profunda admiração, Santos seguiu os passos desse profissional. 

Em 1958, ingressou na mesma instituição, conhecida carinhosamente como Escolinha. A trajetória de estudante universitário e sua carreira, principalmente acadêmica, resumem-se em uma palavra: plenitude. Santos agarrou todas as oportunidades que apareceram. Após a graduação em Medicina, em 1963, cursou a residência médica em Pneumologia (1964-1966), tendo desempenhado as funções de preceptor clínico dos médicos residentes (1968-1972) e de chefe do Ambulatório de Medicina Integral (1968-1969). 

Obteve o título de doutorado em 1976 e, em 1985, tornou-se professor titular de Pneumologia, disciplina cuja chefia assumiu entre os anos de 1981 e 1991. Foi ainda orientador e coordenador do programa de pós-graduação stricto sensu em sua área e presidiu colegiados constituídos para organizar as atividades da instituição. 

Santos enfrentou muitos desafios, sem dúvida. Inclusive como diretor clínico do Hospital São Paulo (1985-1991) e como diretor da Escola Paulista de Medicina (1991-1995). Foi sob sua gestão que a EPM se tornou a Universidade Federal de São Paulo. Ele acreditara nessa transformação, pois a instituição estava madura o suficiente, com um status significativo no âmbito acadêmico e científico, e precisava expandir-se. 

Aceito pela Congregação da EPM, o projeto de criação da Unifesp fora aprovado em 1994 pela Câmara Federal e pelo Senado. Em dezembro desse ano, Santos foi nomeado reitor pro tempore, interrompendo o mandato como diretor da EPM. No exercício do cargo provisório, que se estendeu até junho de 1995, conduziu o processo de transição, que incluiu a elaboração do estatuto e a eleição do novo reitor.

Na sequência, entre 1995 e 2003, ocupou a Pró-Reitoria de Extensão, aposentando-se no último ano citado.

Manuel Lopes dos Santos faleceu em agosto de 2018, deixando sua marca na história da EPM e da Unifesp, bem como na vida de amigos e familiares.

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Marcelo Cincotto Esteves dos Santos, filho de Manuel Lopes dos Santos e diretor administrativo do Hospital São Paulo, ao lado da jornalista Juliana Narimatsu / Imagem: Alex Reipert/DCI-Unifesp

“Saudade, amor e exemplo. A falta que sinto do companheiro de pescaria que me apresentou o mar. Amor por um pai, o beijo que ganhava à noite, antes de dormir, gerando aconchego e segurança para trilhar meus caminhos. Exemplo de vida, pelo qual carrego uma admiração enorme. Cada foto que encontro no Hospital São Paulo e na EPM me remete às suas conquistas e ao respeito que tinha pelas pessoas, sendo esse seu maior legado. Ele expressava sua preocupação com todos. Como a mim, auxiliou muitos a realizar seus sonhos. Beijos, onde estiver, do seu filho.”

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Santos na escadaria do edifício Leitão da Cunha, em registro comemorativo do 1º Congresso Brasileiro de Residentes, em 1968 / Imagem: Arquivo pessoal

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Tradicional foto, de beca, na formatura da Escola Paulista de Medicina / Imagem: Arquivo pessoal

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Santos (de jaleco) recebe homenagem da Escola Paulista de Medicina / Imagem: Arquivo pessoal

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Inauguração do edifício localizado na rua Pedro de Toledo, que recebeu o nome de Prof. Dr. Manuel Lopes dos Santos / Imagem: Arquivo pessoal

Referências:

MEMÓRIA SPDM: Dr. Manuel Lopes dos Santos. Edição: Sérgio Alexandre de Carvalho. [S.l.]: Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina, 6 dez. 2016. Canal YouTube, gravação digital (33min32s), son., color. Disponível em: <https://www.spdm.org.br/a-empresa/conheca-a-spdm/memoria-spdm/item/2469-dr-manuel-lopes-dos-santos>. Acesso em: 2 out. 2018.

MANUEL Lopes dos Santos: banco de dados. In: CENTRO DE HISTÓRIA E FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS DA SAÚDE. Banco de Memória e Histórias de Vida da EPM/Unifesp, 2007. Disponível em: <http://www2.unifesp.br/centros/cehfi/bmhv/index.php/entrevistas-do-projeto-75x75/60-entrevista-modelo>. Acesso em: 2 out. 2018.

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO PAULO. Galeria dos ex-reitores. Manuel Lopes dos Santos. São Paulo, 2014. Disponível em: <https://www.unifesp.br/equipe-curriculos-menu/121-manuel-lopes-dos-santos>. Acesso em: 2 out. 2018.