Soraya Smaili
Reitora da Unifesp
A instituição universitária reflete os dilemas, contradições e correntes de opinião da sociedade na qual se insere, mas o faz de forma muito particular: ela não é apenas uma imagem especular de seu tempo – estática, muda e inexpressiva. Ao contrário, constitui um espaço de elaboração, experimentação, crítica e reflexão que a torna uma instituição indispensável ao desenvolvimento das ideias, das técnicas e da ciência.
A universidade pública, na sua forma mais plena e realizada de funcionamento republicano, cumpre o papel de oferecer as possibilidades necessárias ao processo de elaboração do pensamento crítico e ao desenvolvimento da ciência e da tecnologia em consonância com as demandas sociais. E pode fazê-lo por não ser acossada pelo ritmo de produção imposto pelo mercado, nem medir seu tempo por índices de produtividade e pelo lucro.
Nesse sentido, a instituição pública de ensino superior opõe-se à “universidade de resultados”, subordinada à concepção segundo a qual o mercado é portador da racionalidade necessária e suficiente à organização da sociedade. Para a “universidade de resultados”, a lógica do mercado, não o interesse público, orienta o ensino, a pesquisa e a extensão. E é no setor de produção de pesquisas que o embate entre as duas concepções aparece de forma mais clara. A razão é bem simples e imediata: pesquisar para quem? Com que fim? Com qual financiamento?
Para a “universidade de resultados”, trata-se de pesquisar em nome de interesses privados, com o objetivo de elevar a produtividade e gerar lucro, assegurando-se financiamento por meio de recursos privados e/ou públicos, sempre orientados para o mercado. Segundo essa concepção, a autonomia universitária reduz-se a um simples método de gerenciamento empresarial. “Produtividade” e “eficácia” são as palavras-chave.
A universidade pública acata uma lógica integralmente diversa. A instituição está vinculada ao Estado, ente responsável pela dotação de verbas e pelo estabelecimento de normas de funcionamento. Na medida em que os recursos advindos do Estado são oriundos da receita de impostos, a universidade pública deve submeter-se prioritariamente às demandas da sociedade. E justamente por isso sua existência é tão necessária: ela oferece a possibilidade de elaborar projetos de interesse público.
Para cumprir sua missão, a universidade pública deve, entretanto, afirmar-se como espaço autônomo, plural e democrático de construção do saber e da crítica, não subordinado à lógica do mercado, nem submetido aos jogos políticos e partidários daqueles que controlam e administram o Estado. Do ponto de vista da universidade pública, portanto, a autonomia universitária, longe de constituir um mero processo de gerenciamento de recursos, consiste na garantia de abertura ao livre embate das ideias como pressuposto da construção do saber. É a realização mais elevada da vocação que se atribui à instituição pública de ensino de nível superior.
Na Unifesp, defendemos uma concepção republicana de universidade pública. Para nós, o desenvolvimento de pesquisas voltadas à inovação tecnológica deve, como consequência, atender às demandas da sociedade e priorizar a melhoria das condições de vida dos setores mais necessitados da população. Às vezes conseguimos, outras vezes, nem tanto. Em qualquer hipótese, nunca perdemos de vista o princípio que nos norteia, e que fundamenta e justifica a nossa própria existência.