A lógica por trás do envelhecimento

Projeto pretende qualificar o nível de envelhecimento como pouco, médio ou bem ativo, por meio de um modelo matemático

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Imagem: Freepik

Daniel Patini

Como caracterizar, de forma mais precisa e por meio da lógica, o nível do processo de envelhecimento de um indivíduo? Buscando atingir esse objetivo, a estudante Gabriela Mendes Bastos Oliveira, do curso de Ciências Atuariais da Escola Paulista de Política, Economia e Negócios (Eppen/Unifesp) - Campus Osasco, desenvolve o projeto denominado A Construção de um Modelo Fuzzy Aplicado na Qualificação do Envelhecimento Ativo, desde julho de 2018, sob a orientação dos docentes Celso Takashi Yokomiso e Raphael de Oliveira Garcia.

Por conta de uma população cada vez mais longeva, o envelhecimento, no caso brasileiro, tem-se tornado motivo de preocupação para o governo e a sociedade, impondo discussões importantes sobre a saúde – como o aumento da incidência de doenças crônicas – e questões sociais. Os pesquisadores lembram que nosso país não investe fortemente em políticas públicas de inserção dos idosos na sociedade, o que afeta sua socialização e aumenta o risco de problemas psicológicos e físicos. “Afinal, um idoso que não possui espaços de convívio social, normalmente passa o dia sozinho, em casa, sem praticar qualquer tipo de atividade física ou de desenvolvimento mental”, destaca Yokomiso.

Por sua vez, Garcia relata que o envelhecimento ativo, ainda longe de ser uma realidade brasileira, surge como estratégia fundamental para superar esses desafios e, sobretudo, proporcionar qualidade de vida aos idosos. Para ele, há uma série de tópicos que influenciam a medição desse conceito, tais como sistemas de saúde, serviços sociais, fatores comportamentais e os relacionados a ambientes físicos, sociais e econômicos. “Criar um modelo matemático que auxilie na classificação do envelhecimento ativo constitui um grande desafio por envolver variáveis que, muitas vezes, são de ordem linguística”, pontua.

A lógica Fuzzy

Nesse ponto, surge – para auxiliar o trabalho – a função da lógica Fuzzy, também chamada lógica difusa, a qual possibilita flexibilizar o grau de pertinência de um elemento a um determinado conjunto, ao contrário da lógica clássica, na qual existem apenas duas situações possíveis: pertencer ou não pertencer a um conjunto, ser falso ou verdadeiro, entre outros exemplos. Essa flexibilização, segundo Garcia, faz com que a lógica em questão tenha grande aplicabilidade a problemas biológicos – nas últimas décadas têm-se observado muitos artigos científicos que a utilizam em biomatemática. “Queremos aplicar a lógica Fuzzy ao problema da classificação do envelhecimento ativo para saber qual é a probabilidade de um determinado idoso ser pouco ativo, médio ativo ou bem ativo”, explica.

Como a teoria matemática da lógica Fuzzy está suficientemente estabelecida, a proposta da equipe é aplicá-la à construção de um sistema baseado em regras Fuzzy (SBRF), que auxilia os profissionais da área de saúde a quantificar a qualidade do envelhecimento ativo e a tomar decisões sobre medidas a serem adotadas nesse âmbito. “De modo mais específico, o trabalho visa contribuir com a construção de estratégias que possam mensurar os níveis de envelhecimento ativo de grupos e indivíduos, além de auxiliar na criação de instrumentos e produtos que servirão de apoio à formulação de políticas públicas e melhorias em diagnósticos e prognósticos de saúde”, salienta Yokomiso.

Para isso, serão investigadas as principais variáveis listadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS). “Estamos considerando no modelo as seguintes variáveis: atividade física, grau de obesidade (calculado com base no índice de massa corporal [IMC]) e alimentação”, esclarece a estudante. “Nesta etapa das investigações, como se trata da primeira modelagem, optou-se pela utilização de um número reduzido de variáveis, com parâmetros mais facilmente identificáveis, a fim de garantir exequibilidade. As outras serão trabalhadas em momentos posteriores por exigirem mais tempo e pesquisas”, continua Yokomiso. Ao final do período previsto de 12 meses, os pesquisadores pretendem pedir a renovação do projeto para que sejam feitas parcerias que possibilitem aplicá-lo a uma população de idosos.

A lógica que explica aquilo que não é exato

Valquíria Carnaúba 

A lógica Fuzzy (ou lógica difusa) corresponde a um modelo matemático que fornece um tratamento matemático a questões que não podem ser respondidas de modo binário, ou seja, com “sim” ou “não”. O termo foi apresentado pela primeira vez em 1965 pelo matemático estadunidense Lotfi Asker Zadeh, com a intenção de dar um tratamento matemático a certos termos linguísticos subjetivos como “aproximadamente” e “em torno de”.

É provável que muitos não conheçam a lógica Fuzzy, mas a verdade é que esse modelo tem-se aproximado cada vez mais da vida prática. Já é ensinada em cursos de nível médio como uma extensão da clássica teoria dos conjuntos. Na ciência, é adotada por pesquisadores de diferentes áreas do conhecimento – como Medicina e inteligência artificial.

Existem dois métodos importantes de raciocínio Fuzzy: o método direto de Mamdani e a modelagem Fuzzy de Takagi-Sugeno. O Mamdani, utilizado pelos pesquisadores, é o mais popular. Ele baseia-se em uma estrutura de operações que assume a existência de regras, ligadas à definição de um valor mínimo e outro máximo, a partir dos quais é possível criar uma terceira variável.

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Gabriela Mendes Bastos Oliveira, Celso Takashi Yokomiso e Raphael de Oliveira Garcia (da esq. para a dir.) desenvolvem um sistema baseado em regras Fuzzy para quantificar a qualidade do envelhecimento ativo / Imagens: arquivo pessoal 

“Faz parte do trabalho de um atuário avaliar o futuro, e eu sempre me interessei pelo envelhecer”

A estudante Gabriela Mendes Bastos Oliveira ingressou em 2018 no curso de Ciências Atuariais da Eppen/Unifesp - Campus Osasco. Ela explica que, na época, estava em dúvida quanto à graduação no campo atuarial ou em Economia, por ambas envolverem a área financeira e adotarem uma abordagem tanto de ciências humanas quanto de exatas. “Como o curso de Ciências Atuariais não é muito conhecido, precisei pesquisar sobre ele e acabei me identificando.” Além do fato de ser uma das instituições que oferecem essa modalidade de estudo superior na região metropolitana de São Paulo, a opção pela Unifesp surgiu a partir da boa avaliação que possui, aliada a uma visão ampla sobre o curso.

Oliveira revela que nunca pensou em dedicar-se à pesquisa durante a graduação; porém, quando começou a frequentar a universidade, conheceu algumas pessoas que estavam focadas nessa área, e a ideia lhe pareceu bastante atraente. Durante uma de suas aulas, Garcia, hoje coorientador do trabalho, despertou o interesse da aluna para essa atividade. “Na conversa que estabelecemos, ele comentou sobre o projeto desenvolvido em conjunto com o professor Celso [orientador], e, de minha parte, adorei a ideia central do estudo. Discutimos o assunto e decidi abordar o tema do envelhecimento, que estava diretamente ligado a meu curso e à minha vivência pessoal, por ter uma relação muito próxima de minhas avós e outros idosos”, relata. “Faz parte do trabalho de um atuário avaliar o futuro, e eu, particularmente, sempre me interessei pelo envelhecer”, acrescenta a estudante.

Para ela, entender o que é o envelhecimento ativo e as variáveis capazes de medir o grau de evolução desse processo, além de conhecer melhor a realidade do idoso por meio de pesquisas, tem agregado elementos importantes à sua formação pessoal, motivando-a a querer envelhecer de forma ativa no futuro.

“Já no aspecto profissional, acredito que esse projeto ampliou minha experiência, primeiramente por ter aprendido sobre a lógica Fuzzy – que não é suficientemente conhecida, mas muito importante –, por desenvolver minhas habilidades em programação e modelagem e por me ensinar a ter um olhar crítico sobre os dados e sobre a realidade da pessoa idosa, seja ela pouco ou bastante ativa”, finaliza.