Quem manda nas políticas públicas no Brasil?
Retrocessos na questão ambiental precisam ser revertidos, sob o risco de assistirmos a novos episódios tristes como os de Mariana, Belo Monte e Sistema Cantareira
Juliana Maria de Barros-Freire e Zysman Neiman
Um pequeno grupo de 147 entre 43.060 grandes corporações transnacionais, principalmente financeiras e mineiro-extrativas, controlam 40% da riqueza da economia global, indica um estudo publicado em outubro de 2011, realizado por pesquisadores do Instituto Federal de Tecnologia de Zurique (Suíça). No mundo globalizado, a economia da maioria dos países depende do crescimento das empresas instaladas em seus territórios e, portanto, de uma boa saúde financeira do mercado privado. Com isso, a autonomia para a regulação da atividade econômica pelo Estado, com o objetivo de atender prioritariamente aos interesses comuns, fica seriamente comprometida, pois esse controle afeta as atividades do setor empresarial.
Essas empresas, por seu lado, investem grandiosas quantias para financiar projetos públicos e campanhas eleitorais de políticos em todo o mundo. No Brasil, apesar da reforma eleitoral de 2006 prever a regulação das doações privadas, impondo limites para contribuições de cada pessoa física ou jurídica, isso não garantiu barreiras efetivas para as doações, pois as mesmas continuaram a se dar com base em outros critérios que não a renda dos doadores.
Considerando que no mundo empresarial essas doações são entendidas como “investimentos”, tal falta de limites compromete a independência dos candidatos beneficiados e seus futuros mandatos ante o poder econômico de seus financiadores. Uma vez eleitos, esses representantes podem não exercer seus mandatos de forma independente como seria esperado.
Uma pesquisa produzida pelo Comitê Nacional em Defesa dos Territórios Frente à Mineração, por exemplo, mostra a influência política das empresas mineradoras junto aos parlamentares que discutem no Congresso o Novo Código da Mineração (PL 37/2011 e apensos). O estudo traz detalhes sobre as doações de campanha feitas por empresas nas eleições de 2010, revelando que a Vale – a maior empresa mineradora do Brasil - doou para os comitês nacionais de campanha R$ 29,96 milhões (PT - R$ 10,38 milhões, PSDB - R$ 6,95 milhões e PMDB - R$ 5,76 milhões), e outras empresas vinculadas a ela financiaram mais 9 partidos, com valores mais “modestos”.
O Estado de Minas Gerais tem uma economia fortemente atrelada à atividade mineradora, que constitui 7,5% do seu PIB, segundo dados do IBGE (2003). A Associação dos Municípios Mineradores (AMIG) estima que 20 cidades mineiras dependam exclusivamente da mineração. O município de Mariana (MG), atingido pela tragédia do rompimento da barragem da Samarco/Vale, tem 80% de sua arrecadação atrelada à atividade mineradora.
O rompimento da barragem da Samarco/Vale em novembro de 2015, que despejou no rio Doce um volume de rejeitos entre 50 a 60 milhões de m3, torna o acidente, segundo um estudo da Bowker Associates, o pior já registrado no mundo, equivalente, praticamente, à soma dos outros dois maiores acontecimentos do tipo, ambos nas Filipinas. Para esse mesmo estudo, este é apenas um exemplo de como o Estado nacional tem falhado na sua política de mineração, pois nenhuma “ação foi tomada pelo governo em nível estadual ou federal para identificar quais foram os problemas e evitar a sua manifestação com novas falhas repentinas”. A evidente negligência na fiscalização, a corresponsabilidade do poder público pelo acidente teria que ser investigada.
A tragédia revela que, no Brasil, ainda estamos distantes de realizar projetos de atividades econômicas que atendam, minimamente, aos princípios da sustentabilidade. Tal conceito pode ser resumidamente compreendido de três modos distintos.
O primeiro, desenvolvimentista, no qual poderíamos enquadrar boa parte das empresas que investem no capitalismo produtivo, considera que o crescimento econômico prejudica o meio ambiente, apenas até que certo nível de riqueza seja alcançado, pois a partir desse patamar, a tendência se inverteria e o crescimento auxiliaria a conservação ambiental.
No segundo, da economia ecológica, a humanidade deve retrair o consumo dos recursos naturais transformados em produtos para que o desenvolvimento possa continuar a ocorrer. Ou seja, apenas uma “condição estacionária” (crescimento zero) pode evitar a decadência ecológica.
Por fim, o terceiro tenta avançar pelo “caminho do meio”, mas apenas no âmbito conceitual. Nessa vertente - a hegemônica na sociedade atual -, o adjetivo “sustentável” associado ao termo “desenvolvimento”, tem uma forte dimensão de soluções técnicas, ou seja, a preservação de potenciais produtivos aparece como o principal critério de sustentabilidade. No entanto, apesar dessa preservação ser uma condição necessária, ela não é suficiente, pois não há mudança no paradigma principal que considera desenvolvimento como sinônimo de crescimento.
Ante essas três visões e para que haja um equilíbrio mais satisfatório entre os anseios econômicos privados e os interesses coletivos regulados pelo Estado, fica patente a necessidade de elaboração e implementação de políticas públicas que possam evitar que o crescimento econômico beneficie apenas uma minoria.
A primeira condição é o fortalecimento e o aperfeiçoamento do processo político, da democracia e das instituições republicanas, reconhecendo a centralidade da política como instrumento de transformação social. Nas últimas décadas há um debate sobre quais medidas e políticas são necessárias para que cada país e a comunidade internacional formulem juntos um caminho ou uma transição rumo à sustentabilidade.
Existe, no Brasil, uma iniciativa pioneira, levada a cabo pela Rede de Ação Política pela Sustentabilidade (RAPS) que, em uma atuação suprapartidária e multidisciplinar, procura produzir novas e exclusivas propostas de agendas, por meio da cooperação e da amizade cívica de seus membros, com a construção de uma visão compartilhada de sustentabilidade. A reforma política, com o intuito de minimizar as influências do poder econômico sobre as políticas públicas, é um dos seus temas de debate e atuação.
Somente com a estruturação de um debate robusto o suficiente para garantir a diversidade de visões e novas referências metodológicas de análise poderá se apontar caminhos alternativos. O compromisso e o alinhamento com os valores e princípios da ética, transparência e sustentabilidade impõem a todos nós, como sociedade civil, a tarefa de participar deste debate.
Retrocessos na questão ambiental, como os que vêm ocorrendo no cenário político nacional, precisam ser revertidos, sob o risco de assistirmos a novos episódios tristes como os de Mariana, Belo Monte, Sistema Cantareira, Código Florestal, dentre tantos outros. Cabe, assim, a cada setor da sociedade (academia, setor produtivo, governo, sociedade civil, etc.) dar a sua cota de contribuição para a transformação dessa realidade.