Música em benefício da vida

Projeto de extensão filiado a programa britânico busca combater transtornos, como ansiedade e depressão, por meio do canto coletivo

 

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Fotografia: Vinícius de Souza


Texto: Tamires Tavares

Ao passar pelo Teatro Adamastor Pimentas, no Campus Guarulhos, pode-se ouvir um conjunto de vozes entoando músicas populares e convidando o público a cantar (e se encantar). O envolvimento coletivo, proporcionado pelas canções e batizado de Encantamento, é parte do projeto de extensão Pimentas em Cantadas, cujo propósito é a promoção do bem-estar e o combate não apenas aos sintomas de transtorno mental, como a depressão e a ansiedade, mas também à reclusão social, por meio de encontros musicais entre a comunidade universitária e a externa.

Sob a coordenação de Marta Denise da Rosa Jardim, docente do Departamento de História da Arte da Escola de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (EFLCH/Unifesp) - Campus Guarulhos, o projeto existe oficialmente há dois anos como um experimento artístico-antropológico que desenvolve o estudo do ser humano por meio da produção de arte, integrando pesquisa, ensino e extensão. Une pesquisadores das áreas de Ciências Sociais e Letras e artistas locais no desempenho de atividades musicais, além de constituir objeto de pesquisa para o grupo denominado Etnografia e História das Práticas Artísticas e das Línguas das Áfricas (EHPALA). 

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O Teatro Adamastor Pimentas é um bem valioso do Campus Guarulhos, segundo Marta Jardim. No local, o grupo Pimentas em Cantadas pretende também atuar na preparação vocal de atores da Cia. do Caminho Velho e do EHPALA / Fotografia: Vinícius de Souza

A inspiração para o Pimentas em Cantadas surgiu no primeiro semestre de 2016, durante a permanência da docente na School of Anthropology and Museum Ethnography, da Universidade de Oxford (Reino Unido). Nesse período, ela participou do grupo de cantores Ark T, que integra o Sound Resource – um programa governamental que existe há dez anos com o objetivo de reforçar políticas de fomento ao bem-estar mediante práticas musicais, visando ao combate do recolhimento, reclusão e isolamento. Jardim trouxe esse conceito ao Brasil, implementando-o na universidade e recebendo reconhecimento do programa original – ao qual é atualmente vinculado.

Iniciativa do governo britânico, o Sound Resource tem demonstrado impacto social relevante ao reunir pessoas para a produção de atividades coletivas, possibilitando conexões interpessoais em um contexto de solidão epidêmica e de casos – em número crescente – de transtorno mental. 

No Brasil, o número de pessoas que viviam sozinhas aumentou de 6 milhões, em 2005, para 10,4 milhões, em 2015, de acordo com a Síntese de Indicadores Sociais do IBGE (2015). A solidão afeta principalmente os idosos no país. Segundo pesquisa realizada em 2017 pela Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia, em parceria com a Bayer, a maior preocupação de brasileiros com mais de 60 anos é o isolamento.

Para a coordenadora, tais práticas – cujo resultado observou no espaço europeu – são benéficas tanto psicológica quanto socialmente, viabilizando relacionamentos interpessoais em um ambiente harmonioso. “O objetivo é sentir-se bem, cantar para enunciar versos e poemas tocantes que fazem bem ao coração, à alma. Há quatro diferenças básicas entre o canto coletivo e o coral: flexibilidade, leveza, objetivos e repertório. Em ambos, a harmonia resulta do cantar em conjunto. Além disso, a proposta é convidar as pessoas a não ficarem solitárias em suas casas”, afirma.

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Realizado nas edições de 2018 e 2019 do evento Unifesp Mostra sua Arte, no Campus Guarulhos, o Sarau de Arteiros do Subversom conectou os estudantes por meio da música e da poesia / Fotografia: Suevelin Cintia dos Santos

Atualmente, o Pimentas em Cantadas é composto por diferentes ações periódicas como o encontro semanal de canto coletivo (Encantamento), aberto à comunidade acadêmica e aos moradores da região dos Pimentas, na periferia de Guarulhos. Para essa atividade, o grupo conta com a presença da regente Myrian Portes e de professores e pesquisadores dos cursos de Ciências Sociais, Letras e Filosofia. É também desenvolvido o Encantamento Público para divulgação do projeto, no qual os componentes cantam juntos em locais públicos no entorno do campus e em eventos da universidade, convidando os espectadores a participarem.

Já o Encantamento Ameríndio é um encontro mensal, de caráter musical, que ocorre na Casa de Apoio à Saúde Indígena (Casai), em São Paulo. Dele, participam indígenas que se hospedam no local e são oriundos de várias partes do país, além de estudantes e funcionários da Unifesp e da Casai. 

O Sarau de Arteiros do Subversom também ocorre todos os meses e nele se apresentam musicistas que pertencem à universidade ou moram no distrito dos Pimentas e em locais próximos. Os integrantes do projeto formam, então, uma banda que reproduz as canções ensaiadas e ficam à disposição para acompanhar as demais exibições poéticas e musicais. A preparação do sarau compreende aulas de iniciação musical, sessões de ensaio e ensinamentos sobre o cuidado com os instrumentos, além das rodas de conversa e estudo de literatura. 

Citando a canção Marcha da Quarta-Feira de Cinzas, com letra de Vinicius de Moraes e melodia de Carlos Lyra, a docente enfatiza a importância dessa iniciativa na atual conjuntura política e social. “Nestes tempos em que: ‘Pelas ruas o que se vê / É uma gente que nem se vê/ Que nem se sorri/ Se beija e se abraça/ E sai caminhando/ Dançando e cantando/ Cantigas de amor/ E, no entanto, é preciso cantar/ Mais que nunca é preciso cantar/ É preciso cantar e alegrar a cidade’ ”, recita.