Enxaqueca pode comprometer audição

Falta de foco, diminuição de memória, menor velocidade de processamento de informação e atenção auditiva prejudicada são queixas recorrentes dos portadores da doença; a boa notícia é que a atividade física diminui as crises

Mariane Santos

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Pessoas que sofrem de enxaqueca podem ter a audição e outras capacidades comprometidas. Uma pesquisa realizada pelo Setor de Investigação e Tratamento das Cefaleias (SITC) e pelo Ambulatório de Neuroaudiologia, ambos ligados ao Departamento de Neurologia e Neurocirurgia da Escola Paulista de Medicina (EPM/Unifesp) – Campus São Paulo, observou maior prevalência de alteração no processamento auditivo em pacientes com enxaqueca.

A predominância da enxaqueca na população brasileira é de 15,2%, sendo mais frequente em mulheres e em indivíduos com ensino superior. Com o estudo, foi possível verificar o impacto da doença em pacientes que não se submeteram a nenhum tipo de tratamento. As evidências levantadas mostram que eles podem apresentar déficit cognitivo, sendo a memória, a velocidade de processamento da informação e atenção auditivas afetadas. 

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Cabine de testes para verificar o processamento auditivo central

A neurologista e chefe do setor mencionado, Thais Rodrigues Villa, que coorientou a pesquisa, explica que a motivação para o estudo surgiu a partir da observação da falta de atenção e entendimento das informações pelos pacientes durante as consultas. “A pessoa ouve normalmente, mas está menos atenta àquilo que escuta. As informações são processadas mais lentamente pelo cérebro”.

Larissa Mendonça Agessi, fonoaudióloga e autora da pesquisa que foi tema de seu mestrado em Distúrbios da Comunicação Humana, selecionou 41 pacientes voluntários, entre 18 e 40 anos, de ambos os sexos, e dividiu-os em três grupos distintos. O primeiro era composto por 11 indivíduos com enxaqueca acompanhada de aura – neste caso, evidenciam-se sintomas visuais e sensitivos como flashes luminosos, pontinhos brilhantes, embaçamento visual, formigamento, dormência, dificuldade em falar, tontura e vertigem, entre outros indícios que podem aparecer antes, durante e após a crise –, cuja duração usualmente variava entre um minuto e uma hora. O segundo, com 15 participantes, caracterizava-se pela ocorrência de enxaqueca sem aura. O terceiro, classificado como grupo controle, era composto por 15 indivíduos, que não relataram a ocorrência de cefaleia no último ano ou nunca a tiveram. Foram também consideradas a idade e escolaridade de cada indivíduo. Nos quadros descritos de enxaqueca, a duração das crises era, em média, de 5 a 6 dias no mês. 

Foram excluídos os voluntários com histórico médico e/ou exame neurológico que apontavam distúrbios neurológicos, psiquiátricos e sistêmicos; que sofreram traumatismo craniano, perda auditiva e cirurgias otológicas (no ouvido); que utilizavam medicações ototóxicas (remédios que prejudicam a audição) e medicações que afetavam o sistema nervoso central (incluindo a profilaxia da enxaqueca); que se expuseram ao ruído ocupacional; que possuíam histórico de abuso de drogas ou dependência relacionado, inclusive, ao consumo de álcool e tabagismo. 

Dificuldade de compreensão

Das 26 pessoas com enxaqueca, 21 apresentaram problemas com o processamento auditivo. Destas, a maioria mostrou alteração na habilidade de ordenação temporal. “Concluímos, após os testes, que pessoas com enxaqueca ouvem, mas apresentam maior dificuldade para compreender o que foi ouvido do que aquelas que não têm dor de cabeça”, explica Larissa.

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Todos foram avaliados pela pesquisadora, que selecionou testes – com duração de 50 minutos – para verificar o processamento auditivo central. No caso dos pacientes que tinham enxaqueca, era condição necessária que não tivessem apresentado quadro de crise, ao menos nos últimos três dias. Foram aplicados os seguintes testes: Gap in Noise (GIN), para avaliar a capacidade auditiva de resolução temporal (capacidade do sistema auditivo de detectar a ocorrência de dois sons consecutivos, separados por um intervalo de silêncio de 2 a 20 milissegundos, evitando-se que fossem percebidos como um único som); Duration Pattern Test (DPT), para verificar a capacidade auditiva de ordenação temporal (capacidade de nomear e ordenar três sons diferentes quanto à duração, ou seja, afirmar se determinado som é curto ou longo); Dichotic Digit Test (DDT), que consiste na identificação de quatro números diferentes, enunciados nesta sequência: um junto ao ouvido direito, dois ao mesmo tempo (junto a cada ouvido) e outro junto ao ouvido esquerdo. Este teste avaliou a habilidade figura-fundo, aplicada aos sons verbais (habilidade de escolher determinado som na presença de outros sons competitivos).

Segundo Larissa, pacientes com enxaqueca tiveram desempenho inferior ao identificar a presença de dois sons, separados por um intervalo de silêncio de 6 milissegundos, e na discriminação de sons de curta e longa duração, especialmente nas habilidades de resolução e ordenação temporais, quando comparados com o grupo controle sadio. Esses resultados podem refletir-se sobre a memória e atenção auditivas. O estudo constatou que a enxaqueca pode estar relacionada a um processamento auditivo central prejudicado. “A avaliação dos adultos com enxaqueca mostrou que estes tinham muita dificuldade para compreender as instruções dos testes, levando mais tempo para realizá-los”, explica a fonoaudióloga.

Exercícios reduzem a intensidade e a frequência das crises

Outra pesquisa, também realizada pelo Setor de Investigação e Tratamento das Cefaleias (SITC), concluiu que exercícios aeróbicos são eficazes no tratamento preventivo da enxaqueca crônica (neste caso, a duração das dores de cabeça é de 15 dias ou mais por mês), resultando na redução da intensidade e frequência das crises. Esse tipo de enxaqueca afeta de 2% a 3% da população geral, alcançando a prevalência de 5% na população brasileira. 

O estudo, de autoria da fisioterapeuta Michelle Dias Santos Santiago que serviu de base à sua dissertação de mestrado, analisou 60 pacientes de ambos os sexos, com idade entre 18 e 50 anos, no período de junho de 2010 a julho de 2012, em dois modelos de tratamento. O conjunto inicial foi dividido em dois grupos de 30 pessoas, um dos quais deveria praticar exercícios aeróbicos (caminhada de 40 minutos ao ar livre, três vezes por semana), aliados à medicação preventiva; o outro deveria utilizar somente a medicação. As orientações deveriam ser seguidas pelo período de três meses. 

Antes de iniciar o tratamento, foi necessário verificar se os participantes se enquadravam nos seguintes critérios: diagnóstico de enxaqueca crônica, exames cardiológico e neurológico normais e não ter praticado exercícios regulares nos últimos três meses. Após esse processo, eles foram avaliados quanto aos seguintes parâmetros: frequência, intensidade e duração das dores de cabeça, dias de uso da medicação analgésica, índice de massa corporal (IMC), pontuação nas escalas que mensuram a depressão e ansiedade (Beck Depression Inventory - BDI e Beck Anxiety Inventory - BAI). 

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Larissa Mendonça Agessi, fonoaudióloga e autora da pesquisa

Os pacientes que realizaram exercícios receberam como instrumentos de acompanhamento o “diário da dor de cabeça”, o folheto explicativo sobre os exercícios de aquecimento, a planilha para registro do tempo de prática do exercício, a folha com a escala para classificação da percepção subjetiva do esforço (Borg Scale) e a tabela para medição da frequência cardíaca no início e final da caminhada. Já os que se submeteram ao estudo com medicação receberam somente o “diário da dor de cabeça”. A evolução das terapias aplicadas aos dois grupos foi avaliada semanalmente pela equipe responsável, por meio de contatos telefônicos.

Para Thais Rodrigues Villa, que também orientou essa pesquisa, os resultados foram surpreendentes. Cinquenta pessoas chegaram à etapa final do experimento e houve redução na frequência da enxaqueca. “O estudo demonstrou que o grupo de pacientes que utilizou a combinação de terapia de drogas preventivas e exercícios aeróbicos apresentou melhora significativa em todos os parâmetros da cefaleia e redução do índice de massa corpórea, resultando em perda de peso. O período médio de dor no mês passou de 23 para 5 dias. Já os que receberam somente o medicamento reduziram o tempo em torno de 50%, de 25 para 13 dias de dor. A diminuição dos sintomas de depressão e ansiedade também foi mais evidente no grupo que praticou exercícios”, esclarece Thais. 

“O exercício aeróbico de intensidade moderada, praticado regularmente, pode promover o relaxamento muscular, a melhora do condicionamento cardiovascular e a redução da frequência, intensidade e duração das crises de dor de cabeça. Mesmo com os exercícios efetuados em casa, os pacientes tiveram resultados positivos”, conclui Michelle.

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SANTIAGO, Michelle Dias Santos; CARVALHO, Deusvenir de Souza; GABBAI, Alberto Alain; PINTO, Mariana Machado Pereira; MOUTRAN, Andrea R. Correa; VILLA, Thais Rodrigues. Amitriptyline and aerobic exercise or amitriptyline alone in the treatment of chronic migraine: a randomized comparative study. Arquivos de Neuro-Psiquiatria, São Paulo, v. 72, n. 11, nov. 2014. Disponível em: . Acesso em: 8 abr. 2015.

AGESSI, Larissa M.; VILLA, Thais Rodrigues; DIAS, Karin Z.; CARVALHO, Deusvenir de Souza; PEREIRA, Liliane D. Central auditory processing and migraine: a controlled study. The Journal of Headache and Pain, Heidelberg, Alemanha, v. 15, n. 72, 2014. Disponível em: . Acesso em: 9 abr. 2015.