Valquíria Carnaúba
A privação materna no início da vida pode resultar em baixo peso na fase adulta, segundo pesquisa coordenada por Deborah Suchecki, docente associada do Departamento de Psicobiologia da Escola Paulista de Medicina (EPM/Unifesp) – Campus São Paulo, que é também livre-docente e coordenadora do Grupo de Estudos da Neurobiologia do Estresse e suas Desordens (Gened). O deficit no desenvolvimento físico, observado em ratos adolescentes, deve-se à redução na ingestão de alimentos, uma consequência direta do estresse ao qual foram submetidos durante o estudo.
Deborah analisou 30 ninhadas, divididas em três grupos (A, B e C - figura 1). Dois deles foram separados das mães durante 24 horas, período em que não foram alimentados, embora fossem mantidos aquecidos. Nesse período foram observados e comparados ao grupo que permaneceu intacto (grupo controle). Um dos grupos foi separado no terceiro dia de vida, e o outro, no 11º dia. Tal protocolo foi adotado pelo fato de os ratos jovens responderem distintamente ao estresse em função da idade. “A presença da mãe impede essa resposta, pois os hormônios [geradores do estresse] prejudicam o desenvolvimento físico e do sistema nervoso central”, acrescenta.
Excetuando-se o período de separação a que foram submetidos os grupos B e C, os ratos usufruíram do convívio materno até o desmame, no 21° dia de vida, quando foram alojados em duplas (irmãos do mesmo sexo) e alimentados livremente com ração padronizada. Durante 30 dias, foram avaliados o consumo de ração, diariamente, e o peso corporal, semanalmente.
A pesquisadora constatou que, apesar da possibilidade de acesso ao alimento, os filhotes privados da mãe apresentavam peso menor em comparação ao dos que pertenciam ao grupo controle. “Naturalmente, a privação materna durante as 24 horas levou à perda imediata de peso do corpo. Porém, os animais separados da mãe no terceiro e no 11° dias apresentaram baixo peso na adolescência e na fase adulta mesmo com livre demanda de alimentos. Eles comiam menos, especialmente à noite, período em que são mais ativos.”
Uma investigação mais profunda, efetuada no hipotálamo [estrutura do sistema nervoso] dos ratos, revelou a causa do baixo peso. Deborah descobriu que os animais submetidos ao estresse de separação durante as 24 horas apresentavam menor produção do neuropeptídeo Y (NPY) em comparação à do grupo controle. O NPY é o neurotransmissor responsável pela regulação de diversos processos metabólicos – entre eles, o estímulo ao comportamento de ingestão de alimentos.
“O NPY, apesar de ser produzido em uma região específica do cérebro, tem sua liberação regulada pelos hormônios leptina (“hormônio da saciedade”) e grelina (“hormônio da fome”), cuja ação é afetada pelo estresse da separação maternal. A disponibilidade desses hormônios durante o período neonatal dos ratos pode alterar o ganho de peso corporal, composição e comportamento alimentar”, esclarece a pesquisadora. Sua conclusão foi, portanto, que parte das respostas à privação materna podia ser medida pelos sinais metabólicos.
Os resultados da pesquisa lançaram nova luz sobre os efeitos da ausência parental no comportamento e no desenvolvimento neurológico de ratos. Suas principais conclusões poderiam ser projetadas em investigações futuras dos efeitos em seres humanos. “A redução da ingestão de alimentos pode representar uma resposta adaptativa dos animais a um ambiente imprevisível, premissa entendida como padrão entre os mamíferos. São necessários estudos conclusivos, mas estamos no caminho para entender essa questão”, acentua a autora.
Deborah Suchecki, professora associada do Departamento de Psicobiologia da EPM/Unifesp
Cortes coronais de cérebro de rato marcado para o neuropeptídeo Y (NPY)
Outra consequência: esquizofrenia
O estudo em questão deriva de uma linha de pesquisa, desenvolvida por Deborah há quase oito anos, que avalia os possíveis desdobramentos da privação materna nos estágios iniciais da vida. Em outro artigo, publicado em setembro de 2014, a docente trouxe dados que indicaram uma relação muito estreita entre a privação materna, alterações comportamentais que remetem aos sintomas da fase prodrômica [precursora] da esquizofrenia e o consumo aumentado de sacarose. A relação entre esse aumento, ansiedade e perda de peso na fase adulta é a questão que está por trás de todos os experimentos por ela conduzidos até o momento.
Nessa investigação, foram analisadas 12 ninhadas de ratos Wistar, geradas em laboratório, a partir de casais dessa espécie. Seis delas permaneceram junto às mães (grupo controle), e as restantes foram submetidas à privação materna, durante 24 horas, no nono dia de vida. Cada um desses grandes grupos foi novamente separado em dois, totalizando quatro subgrupos (X, Y, W e Z - figura 2).
Cerca de 22 horas após o início da privação materna, três das ninhadas separadas das mães (Z) e três do subgrupo Y foram submetidas a uma situação de estresse, que consistiu na aplicação de 0,3 ml de solução salina. “A administração de sódio incentivou a produção de corticosterona, hormônio análogo ao cortisol, encontrado em seres humanos e responsável pelo equilíbrio do corpo diante de situações de emergência.” Os demais subgrupos (X e W) foram avaliados apenas quanto à separação materna.
Após a reaproximação entre mães e filhotes, a pesquisadora analisou o efeito dos experimentos, avaliando a disposição exploratória e o desempenho social de todos os animais. Na primeira etapa, inseriu os ratos em labirintos de corredores abertos e fechados. Na segunda, colocou-os em contato com ratos desconhecidos, dentro de gaiolas cilíndricas, sem perturbações externas. Ao mesmo tempo, deixou à disposição de todos os animais, em livre demanda, soluções de sacarose. “Fornecemos soluções em diferentes concentrações pelo fato de os carboidratos terem a capacidade de contrabalançar a atividade aumentada da resposta ao estresse”, pontua.
Apesar de os subgrupos (Y e Z) terem recebido a injeção salina antes do desmame, apenas os ratos afastados da mãe durante um dia inteiro (Z) registraram comportamentos como desencorajamento da exploração de áreas abertas, menor interação social, maior ansiedade e maior apreço por sacarose. “A privação materna desinibiu a produção de corticosterona pelos roedores durante a separação.”
Os sintomas, em seu conjunto, chamaram a atenção por serem semelhantes àqueles apresentados por adolescentes antes do primeiro episódio de esquizofrenia. “A privação materna está ligada a alterações de comportamento relevantes para a ansiedade, mas – surpreendentemente – uma única injeção salina em crias com dez dias de idade também provocou alterações comportamentais semelhantes. Contabilizamos essas variações pela quantidade de vezes em que os animais entraram e pelo tempo em que permaneceram nos corredores abertos dos labirintos – quanto menores esses índices, mais ansioso é o animal”, relata.
“A avaliação de uma gama mais abrangente de comportamentos emocionais ajudaria a esclarecer se os efeitos mencionados – sociabilidade pobre e sintomas de ansiedade – restringiram-se a características semelhantes à fase prodrômica da esquizofrenia, que emerge na adolescência em seres humanos, ou se há um efeito global sobre as emoções no início da vida.” Deborah afirma que resultados mais recentes indicaram que a privação materna apresenta especificidade em seus efeitos, que dependem da idade em que é imposta (quanto mais precoce, maior o impacto) e do sexo do animal.
Artigos relacionados:
WERTHEIMER, Guilherme S. de Oliveira; GIRARDI, Carlos E. Neves; OLIVEIRA, Alexandra de Sousa Miragaia de; LONGO, Beatriz Monteiro; SUCHECKI, Deborah. Maternal deprivation alters growth, food intake, and neuropeptide Y in the hypothalamus of adolescent male and female rats. Developmental Psychobiology, Malden (Massachusetts, EUA), v. 58, n. 8, p. 1.066-1.075, dez. 2016. Disponível em: <http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1002/dev.21440/full>. Acesso em: 8 mar. 2017.
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