Depressão é a maior causa de incapacitação no mundo

Imagem em preto e branco de um homem deitado, escondendo o rosto com as mãos, ao lado estão algumas cartelas de pílulas

Doença já afeta 5% da população mundial; Brasil é o “campeão” na América Latina

Da Redação
Com a colaboração de Gabriela Tornich

De acordo com informações divulgadas em abril deste ano pela Organização Mundial da Saúde (OMS), há no mundo mais de 300 milhões de indivíduos, de todas as faixas etárias, que sofrem de depressão. Na América Latina, o Brasil figura como o país com maior prevalência nesse tipo de transtorno mental. Em âmbito global, a depressão é a principal causa de incapacidade entre as doenças, enumerando-se entre seus sintomas a ansiedade, perda de interesse, falta de concentração, sensação de cansaço, distúrbios do sono e do apetite e oscilações entre sentimento de culpa e baixa autoestima. As barreiras ao tratamento médico devem-se especialmente à insuficiência de recursos, à ausência de profissionais habilitados, ao estigma social que atinge os portadores e ao diagnóstico incorreto. 

Estudo também conduzido pela OMS e publicado em abril de 2016 pela revista The Lancet Psychiatry revelou que a estimativa de custos envolvidos na ampliação do tratamento antidepressivo – por meio do aconselhamento psicológico e da necessária medicação – gira em torno de 147 bilhões de dólares, enquanto a melhora dos pacientes acrescenta mais de 300 bilhões de dólares à economia. O Atlas da Saúde Mental 2014, elaborado pela mesma agência, informa – por sua vez – que o gasto médio per capita em saúde mental é de US$ 1,53 nos países de baixa renda e de US$ 58,73 nos países de renda elevada.

Diante desse quadro, a psiquiatra Camila Tanabe Matsuzaka decidiu concentrar o foco de sua tese de doutorado na atenção primária aos transtornos depressivos. Por meio de um estudo randomizado controlado, a pesquisadora aplicou a técnica de aconselhamento interpessoal, versão adaptada da terapia clássica – específica do trabalho de psicoterapeutas –, que pode ser empregada por profissionais sem formação superior, em um menor número de sessões (geralmente em três ou quatro). O estudo serviu como teste para avaliar a eficácia da abordagem.

marcelo feijo

Marcelo Feijó de Mello, orientador do estudo

Sob a orientação de Marcelo Feijó de Mello, professor do Departamento de Psiquiatria da Escola Paulista de Medicina (EPM/Unifesp) – Campus São Paulo, a equipe de Camila treinou agentes comunitárias de saúde de uma unidade básica de saúde localizada no bairro de Sapopemba, na zona leste de São Paulo, para a aplicação dessa técnica. O grupo recebeu instruções para identificar sinais de depressão por meio de uma escala de rastreio, que verificava os sintomas e guiava as agentes sobre a necessidade de encaminhamento ao psicólogo da equipe de pesquisa, o qual comparava os indícios de suspeita com escalas e questionários mais rigorosos.

A escolha dos referidos profissionais de saúde foi planejada para que o cuidado com a saúde mental fosse mais bem aceito e a resistência à terapia, amenizada. Convém frisar que a capacitação de agentes comunitários e redistribuição de tarefas entre os profissionais de saúde vêm sendo estimuladas pela OMS. Os contextos de atendimento foram os mais diversos: muitas mulheres realizavam as sessões acompanhadas de filhos pequenos ou durante os serviços domésticos. Já os homens se mostraram menos flexíveis às orientações das agentes. “Desenvolvemos a capacitação para realizar o aconselhamento interpessoal de pacientes com depressão, que tinham filhos com problemas emocionais e comportamentais”, ressalta Feijó. 

No total, 86 moradores do bairro participaram das sessões, observando-se que a equipe de pesquisadores deslocou as agentes encarregadas de proceder ao aconselhamento para áreas diferentes daquelas em que normalmente atuavam para que suas funções não fossem confundidas. Registre-se que, nos bairros, os agentes de controle de saúde são normalmente distribuídos por territórios, responsabilizam-se pelo acompanhamento dos casos e estabelecem vínculos com os moradores.

O estudo foi fundamental para avaliar o atendimento oferecido pela rede pública no âmbito da saúde mental. Dados anteriores, veiculados em artigo de Gonçalves, Vieira e Delgado (2012) sobre a evolução dos gastos federais em saúde mental, revelam que nesse setor houve um crescimento total de 51% (de 1 bilhão para 1,5 bilhão de reais, em valores aproximados) entre 2001 e 2009. Nesse período, os investimentos extra-hospitalares (destinados inclusive aos centros de atendimento psicossocial) foram significativamente ampliados, enquanto os hospitalares sofreram considerável redução. Vale mencionar que os centros de atendimento psicossocial (Caps) constituem o símbolo da reforma psiquiátrica, movimento que buscou redefinir o modelo assistencial até então vigente para os portadores de transtornos mentais e que se transformou na Lei Federal nº 10.216, de 6 de abril de 2001. Ocorre, entretanto, que tais centros – de acordo com a pesquisadora – não atendem à demanda relativa aos casos mais leves de depressão e ansiedade, que acabam negligenciados. “Ainda não existem ações psicoterápicas associadas à atenção primária. Quando existem, são baseadas em conhecimentos do século passado, em intervenções longas ou não estruturadas, sem evidência científica”, complementa o orientador. 

A principal conquista do projeto em questão está relacionada às mudanças na postura das agentes. Camila relatou que o retorno para as agentes comunitárias foi muito positivo, pois, além de se tornarem aptas a proceder adequadamente em casos de suspeita de depressão, desenvolveram um olhar mais sensível para a doença: “O legado antiestigmatizante permaneceu.”

Experiência internacional

Em 2013, em parceria com a Cruz Vermelha Internacional, a psiquiatra responsável treinou profissionais para aplicar a mesma técnica na República Democrática do Congo, embora não pudesse participar da supervisão de todo o processo de tratamento. No Brasil, entretanto, acompanhou de perto o desenvolvimento do projeto; os dados coletados em Sapopemba foram posteriormente utilizados para concluir o estudo durante seu doutorado-sanduíche na Universidade de Columbia, em Nova York, com a orientação de Milton Wainberg e colaboração de Myrna Weissman, criadora da terapia interpessoal. 

O plano agora é expandir o alcance do projeto. Feijó, Camila e sua equipe já participam de um estudo patrocinado pelo Instituto Nacional de Saúde Mental, principal agência dos Estados Unidos nessa área, por meio do qual será aplicada a técnica de aconselhamento em Moçambique – cerca de 15 mil participantes deverão compor, no caso, a amostra selecionada. Em seguida, será necessário obter apoio do governo brasileiro para implementar ação semelhante em nosso país. “O objetivo do projeto é conseguir pensar em outras estratégias para aumentar o acesso ao tratamento”, declara a pesquisadora.

Foto de um grupo de agentes

Camila (terceira, de pé, da esquerda para a direita) e sua equipe com o grupo de agentes comunitárias em São Paulo

Agentes de saúde moçambique

Capacitação de agentes de saúde em Moçambique

Produção científica e artigos relacionados:

MATSUZAKA, Camila Tanabe. Capacitação de agentes comunitárias na aplicação de aconselhamento interpessoal para depressão: um estudo clínico randomizado controlado. 2016. 77 f. Tese (Doutorado em Psiquiatria e Psicologia Médica) – Escola Paulista de Medicina, Universidade Federal de São Paulo, São Paulo.

LABOISSIÈRE, Paula. No Dia Mundial da Saúde, OMS alerta sobre depressão. Agência Brasil, Brasília, 7 abr. 2017. Disponível em: <http://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2017-04/no-dia-mundial-da-saude-oms-alerta-sobre-depressao >. Acesso em: 13 abr. 2017.

LABOISSIÈRE, Paula. OMS: investir em tratamento para depressão gera retorno quatro vezes maior. Agência Brasil, Brasília, 13 abr. 2016. Disponível em: <http://agenciabrasil.ebc.com.br/internacional/noticia/2016-04/oms-investir-em-tratamento-para-depressao-gera-retorno-quatro-vezes >. Acesso em: 18 abr. 2017.

MENTAL Health Atlas 2014. Genebra: World Health Organization (WHO), 2015. Disponível em: <http://apps.who.int/iris/bitstream/10665/178879/1/9789241565011_eng.pdf?ua=1&ua=1 >. Acesso em: 18 abr. 2017.

GONÇALVES, Renata Weber; VIEIRA, Fabíola Sulpino; DELGADO, Pedro Gabriel Godinho. Política de saúde mental no Brasil: evolução do gasto federal entre 2001 e 2009. Revista de Saúde Pública, São Paulo, v. 46, n. 1, p. 51-58, fev. 2012. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/rsp/v46n1/3113.pdf >. Acesso em: 2 maio 2017.