Em 15 anos, custo do tratamento da água é multiplicado por 7
Estudo pioneiro faz uma estimativa do significado econômico da degradação ambiental na represa que compõe a segunda maior bacia hidrográfica da região metropolitana de São Paulo
Ana Cristina Cocolo
Ao contrário do que muitos acreditam, não é somente a falta de chuva e o desperdício de água que contribuem para um panorama assustador – já previsto pelos especialistas – de que dois terços da humanidade sofrerão alguma restrição do recurso até 2050. As atividades humanas ao redor dos mananciais, como os assentamentos irregulares e o descarte de esgoto não tratado, impactam tanto a qualidade quanto a quantidade de água a ser disponibilizada. E o custo disso, muitas vezes, não é mensurado.
Um estudo pioneiro, apresentado como dissertação de mestrado no Instituto de Ciências Ambientais, Químicas e Farmacêuticas (ICAQF/Unifesp) – Campus Diadema, pelo biólogo Felipo Meireles de Brito, analisou temporalmente o custo da manutenção da qualidade da água de 1995 a 2010, considerando os impactos do uso e ocupação do solo da bacia da represa de Guarapiranga entre 1986 e 2010. As conclusões não são nada animadoras.
Localizada no sudoeste da região metropolitana de São Paulo, a bacia hidrográfica da represa de Guarapiranga abrange os municípios de Embu-Guaçu, Itapecerica da Serra e parcialmente os municípios de São Paulo (zonas sul e oeste), Cotia, Embu, São Lourenço da Serra e Juquitiba e é responsável pelo abastecimento de aproximadamente 20% da população desse território.
Os resultados da pesquisa apontam que a redução da cobertura vegetal está significativamente correlacionada ao acréscimo na dosagem média de produtos químicos utilizados para tratar a água bruta da represa de Guarapiranga, aumentando o custo do tratamento em sete vezes em um espaço de tempo de apenas 15 anos. Os valores do dano ambiental estimados no estudo saltaram de cerca de 927,5 mil dólares em 1996 para mais de 6,6 milhões de dólares em 2010.
Brito explica que, uma vez que a remoção da vegetação repercute na dosagem média de produtos químicos utilizados, o aumento do custo para o tratamento da água pode ser considerado como um substituto para a valoração dos serviços ecossistêmicos – que são aqueles oferecidos pela natureza a todo o ecossistema – de suprimento de água com boa qualidade. “No entanto, esses valores estão subestimados, pois, de uma variedade de serviços ecossistêmicos fornecidos pelo reservatório, a falta de dados nos órgãos públicos ou a indisponibilidade dos mesmos fez com que esse trabalho analisasse somente o fornecimento de água de qualidade para fins de abastecimento público”, afirma.
Décio Semensatto Júnior, professor do Departamento de Ciências Biológicas do ICAQF/Unifesp e orientador do trabalho, esclarece que, mesmo sendo uma avaliação subestimada, a gestão dos reservatórios deve ter como base esse cenário e reforçar a conservação dos mananciais com políticas públicas efetivas e participação massiva da sociedade, já que esses custos são repassados diretamente ao consumidor final. “Quando lidamos com a questão dos bens e serviços ecossistêmicos e a valoração deles, de saída, sabemos que esse número é subestimado, não por incapacidade técnica, mas porque não conhecemos os ecossistemas em plenitude, seus componentes e funcionamento”, afirma. “Essa dificuldade de mensuração e a utilização de apenas um outro componente de valor ocorre em todos os lugares do mundo”.
Para Simone Miraglia, professora do Departamento de Ciências Exatas e da Terra do ICAQF/Unifesp e coorientadora da pesquisa, a contribuição econômica desses serviços ecossistêmicos acaba sendo negligenciada nos mercados.
“É necessário que haja empenho para estimar o real valor dos ecossistemas para a sociedade e os impactos de sua degradação ou conservação, para auxiliar os gestores a seguirem um caminho mais racional e sustentável”, afirma ela, que também é especialista em Gestão Ambiental e Valoração Econômica Ambiental e da Saúde.
Simone Miraglia, coorientadora do estudo
Décio Semensatto Júnior, orientador do trabalho
Metodologia
Para chegar a esses valores, os especialistas aplicam a fórmula da Valoração Econômica dos Recursos Ambientais [VERA = (VUD + VUI + VO) + VE], usada para determinar o valor monetário dos recursos naturais em relação aos outros bens e serviços disponíveis na economia.
Nesse cálculo, utilizam-se a somatória dos valores de uso direto (VUD) – relativo à utilização de um recurso na forma de extração, visitação ou outra atividade de produção ou consumo direto –, de uso indireto (VUI) – derivado das funções ecossistêmicas, como a estabilidade climática –, de opção (VO) – atribuído aos usos direto e indireto, que poderão ser usados no futuro, como para o caso do desenvolvimento de fármacos com base em propriedades medicinais ainda não descobertas de plantas de áreas de preservação ambiental –, e de existência (VE) – dissociado do uso e derivado de uma posição moral, cultural, ética ou altruística em relação à biodiversidade.
Devido à restrita disponibilidade de informações, a valoração ambiental, nessa pesquisa, ficou limitada ao valor de uso direto (VUD), relativo ao suprimento de água. “Tem outros valores que tentamos usar, como a desvalorização imobiliária da região, mas não tivemos acesso a dados públicos”, explica Simone.
As informações utilizadas para embasar o estudo foram colhidas no Sistema Integrado de Informações ao Cidadão (SIC) da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp). De acordo com elas, a represa de Guarapiranga produziu aproximadamente 357,7 milhões de metros cúbicos, em 1996, a um custo médio de tratamento da água bruta de U$ 2,58 para cada 1.000 metros cúbicos. Em 2010, a produção foi de 411 milhões de metros cúbicos, 20% a mais quando comparado com a década anterior, porém com o custo de tratamento de U$ 16,11 - sete vezes maior – para cada 1.000 metros cúbicos.
Declínio contínuo de qualidade
Semensatto explica que, nas últimas décadas, o reservatório tem sofrido um contínuo declínio na qualidade de suas águas, causado, principalmente, pelo lançamento direto de esgoto não tratado, causando uma crescente concentração de nutrientes na coluna d´água, da poluição por metais e poluentes emergentes, como fármacos e hormônios.
O docente, que lidera o Grupo de Pesquisa em Planejamento e Processos em Meio Ambiente do campus, adianta que um outro estudo, que será iniciado pela bióloga Mariana Arantes Adas, simulará dois cenários distintos a partir dos resultados dessa pesquisa.
Em um deles, a pesquisadora simulará a substituição da área ocupada pela urbanização na bacia hidrográfica do Guarapiranga por cobertura vegetal, em um cenário considerado o ideal para a região, aplicando o Código Florestal na íntegra, para estimar o quanto teríamos de serviços ecossistêmicos prestados. No outro, ela estimará como estará a mancha urbana no local daqui a 10 anos, mantendo-se o ritmo atual de urbanização, e o quanto de serviços ecossistêmicos serão perdidos. A previsão é que esses dados estejam disponíveis em dois anos.
Dissertação relacionada:
BRITO, Felipo Meireles de, Bens e serviços ecossistêmicos da bacia hidrográfica da Represa Guarapiranga: análise da evolução histórica e valoração ambiental, entre os anos de 1986, 1996 e 2010. 2015. 46 f. Dissertação (Mestrado em Ecologia e Evolução) – Instituto de Ciências Ambientais, Químicas e Farmacêuticas, Universidade Federal de São Paulo, Diadema, 2015.