(Imagem: Romerito Pontes)
Frágil, extremamente frágil
Estudo descarta a ideia de que o mercado de trabalho do Brasil tenha vivenciado uma situação de pleno emprego
Texto: Daniel Patini
Números recentes divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontam que existem mais de 13.1 milhões de brasileiros desempregados. Com isso, a taxa de desocupação alcançou a marca de 12,4% no trimestre encerrado em fevereiro de 2019. Lendo esses dados, é improvável de imaginar que até pouco tempo atrás a economia do país vivenciava, supostamente, o que os especialistas chamam de uma situação de pleno emprego.
“O conceito teórico de pleno emprego pode ser entendido como um contexto no qual, considerando um determinado período de tempo, toda a população que se encontra apta e com o desejo de trabalhar encontra um posto de trabalho disponível, em razão da continuada expansão do nível de demanda efetiva”, explica o pesquisador André Corrêa Barros. "Dessa maneira, não existe desperdício dos fatores de produção disponíveis e a economia opera, então, em seu nível máximo de capacidade, o que, potencialmente, tenderia a proporcionar uma melhora nas condições de vida da população", continua.
Barros analisou o mercado de trabalho brasileiro recente e as condições de aproximação ao pleno emprego em sua dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Economia e Desenvolvimento da Escola Paulista de Política, Economia e Negócios (Eppen/Unifesp) - Campus Osasco, orientada por Marcelo Soares de Carvalho. O objetivo do estudo foi contextualizar a experiência de crescimento da economia brasileira durante os anos de 2002 a 2015, bem como caracterizar os postos de trabalho gerados nesse período.
"Recentemente, a nossa economia passou por um período de crescimento atrelado a melhorias no mercado de trabalho, fato jamais ocorrido anteriormente. Essa condição inédita fez com que se instalasse uma acirrada discussão acerca da existência ou não de uma situação de pleno emprego no Brasil, principalmente pelas taxas historicamente baixas de desemprego registradas no período, que chegou a apenas 4,3% durante 2014", exemplica.
Não foi dessa vez...
De acordo com os resultados obtidos pelo trabalho, o pleno emprego brasileiro mostrou-se extremamente frágil, sendo essa condição descartada completamente. Após esse período analisado, como destaca o pesquisador, o mercado de trabalho registrou uma rápida inversão desses bons resultados, com sucessivas quedas na criação de empregos.
Uma característica que contribuiu para isso, segundo Barros, é o desemprego estrutural existente no país, resultante do próprio processo de sua formação histórica, marcada pelo escravismo, pela imigração europeia durante a transição para o trabalho assalariado, pela ineficiência da regulação pública no que diz respeito ao mercado de trabalho e também pela rápida transição populacional entre o campo e a cidade no período da industrialização brasileira.
"Após décadas marcadas por uma estagnação econômica seguidas pela desregulamentação e abertura econômica indiscriminada, o Brasil experimentou um ciclo de crescimento vigoroso, com o aumento do emprego e do rendimento real do trabalho. Assim, foi possível observar importantes mudanças quanto à inclusão social da população mais vulnerável e na recomposição dos quadros da gestão pública e de setores da proteção social, contribuindo efetivamente para uma melhora no que tange ao mercado de trabalho".
Porém, ele destaca que essa melhora observada fora alcançada sem a adoção de um novo e efetivo plano de desenvolvimento econômico, não estando atrelada a uma reversão estrutural. Dessa forma, houve uma forte geração de postos de trabalho no setor terciário – comércio e prestação de serviços –, os quais requerem pouca qualificação e resultam em baixa produtividade e remuneração, ao contrário da mão de obra absorvida pela indústria e em segmentos correlatos. Ademais, para o pesquisador, o menor crescimento da população economicamente ativa (PEA) estaria relacionado a esse perfil precário de absorção de mão de obra, o qual, por ser muito pouco atrativo para os trabalhadores, favoreceu a redução da população disposta a trabalhar, influenciando para baixo as taxas de desocupação.
"Sem dizer que boa parte do potencial de adensamento do mercado interno via expansão do consumo das famílias foi canalizado para as importações, em detrimento da produção interna", aponta Barros. "Além disso, para a existência de pleno emprego em economias subdesenvolvidas, como é o caso do Brasil, somente a elevação do nível de demanda efetiva não se mostra suficiente; é necessário também expandir o volume de investimento, a fim de absorver todo o contingente de trabalhadores existente, o chamado desemprego estrutural".
André Corrêa Barros (à esquerda) e o orientador do trabalho, Marcelo Soares de Carvalho (à direita)
Remuneração
Para Barros, é possível dizer que os anos 2000 foram marcados por um elevado grau de formalização das relações do trabalho no Brasil, período no qual a taxa da população ocupada com carteira assinada passou de 46,2% em 2002 para 54% em 2015 – atingindo 55,3% em 2014 –, refletindo na diminuição das taxas de ocupações sem carteira assinada, variando de 21% em 2002 para 13,3% em 2015.
Como consequência disso, o rendimento médio das pessoas ocupadas cresceu, aproximadamente, 16,2% entre os anos de 2002 a 2015, passando de um valor de R$ 1.973 para R$ 2.293. A maior variação ficou por conta da remuneração do setor público, que avançou 33,7% (passando de R$ 2.773 em 2002 para R$ 3.707 em 2015), seguido pelos trabalhadores sem carteira assinada, com variação de 29% (de R$ 1.228 para R$ 1.585), trabalhadores por conta própria, que cresceu 20,8% (de R$ 1.651 para R$ 1.993), e, com menor nível de crescimento, os ocupados com carteira de trabalho assinada, que passou de R$ 1.872 em 2002 para R$ 2.091 em 2015, variação de 11,7%.
(Imagem: Romerito Pontes)
A economia em números
Conforme os dados apresentados pelo estudo, a configuração do emprego formal brasileiro passou por uma considerável transformação entre os anos de 2002 e 2014, com destaque para os aumentos da participação relativa do setor de serviços (de 32% para 34,9%), do comércio (de 16,8% para 19,6%) e da construção civil (de 3,9% para 5,7%). Contrariamente, houve diminuições relativas da administração pública (de 23,7% para 18,9%) e na indústria de transformação (de 18,2% para 16,5%).
Em 2004, a taxa de desemprego medida pelo IBGE, por meio da Pesquisa Mensal de Emprego (PME), realizada em seis regiões metropolitanas, apontou um valor de 9,7%, ficando abaixo da registrada nos anos 2002 e 2003. Em 2005, em um cenário de menor crescimento econômico, a taxa subiu para 10,2%. Foi somente a partir de 2006 que o número de desocupados começou um ciclo de queda mais intenso, atingindo uma marca historicamente baixa de 4,3% em dezembro de 2014.
Ainda de acordo com a PME, o nível de ocupação, isto é, a proporção de pessoas efetivamente ocupadas em relação à população em idade ativa (PIA) passou de 49,5% em dezembro de 2002 para 51,3% em dezembro de 2015, enquanto que o nível de ocupação em relação à população economicamente ativa passou de 89,5% em dezembro de 2002 para 93,1% em dezembro de 2015.
De maneira geral, segundo informações disponibilizadas pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), o número de trabalhadores formais no mercado de trabalho brasileiro cresceu aproximadamente 72,8% entre 2002 e 2014, o que equivale a uma média de pouco mais de 6% ao ano. Mais precisamente no período de 2011 a 2014, ainda que o Produto Interno Bruto (PIB) demonstrasse sinais de desaceleração, o mercado de trabalho formal cresceu 7,1% anualmente.
Dissertação relacionada:
BARROS, André Corrêa. Mercado de trabalho brasileiro recente: uma análise das condições da aproximação ao “pleno emprego”. 2018. 105 f. Dissertação (Mestrado em Economia) – Escola Paulista de Política, Economia e Negócios, Universidade Federal de São Paulo, Osasco.