Ensaio aberto da peça Piche para estudantes da rede pública de Guarulhos, no Teatro Adamastor Pimentas / Fotografia: Rodrigo Baroni
Texto: Paula Garcia
Tudo começou há 12 anos, quando um grupo de estudantes que ingressara na recém-inaugurada Escola de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (EFLCH/Unifesp) - Campus Guarulhos deparou com um campus universitário em formação, que incorporava o Teatro Adamastor Pimentas, com capacidade para 500 pessoas, e que representava uma promessa de espaço para manifestações artísticas emergentes. Mesmo sem experiência nos palcos, esses jovens lançaram-se à prática teatral e às pesquisas nessa área. Pouco tempo depois, decidiram fundar o coletivo Cia. do Caminho Velho, que se consolidaria como um verdadeiro núcleo de criação artística e reflexão teórica sobre as artes cênicas. Algumas das atividades realizadas pela companhia foram posteriormente sistematizadas sob a forma de projeto de extensão, denominado Grupo de Estudos e Práticas Artísticas da Cia. do Caminho Velho (Gepa).
A trajetória da Cia. do Caminho Velho se entrelaça naturalmente à do Gepa, responsável pela formação de 411 pessoas em oficinas semestrais de iniciação teatral. Foi, entretanto, a relevância do coletivo que propiciou a incorporação do grupo de estudos ao rol de projetos extensionistas da universidade.
No início, os encontros eram liderados por aqueles que possuíam alguma experiência – no caso, Alex Araújo e Alexandre Kerestes, que eram estudantes respectivamente dos cursos de Filosofia e História. Os contornos do coletivo passaram a ser mais definidos quando parte de seus integrantes começou a buscar formação em centros referenciados nas artes cênicas, multiplicando os ensinamentos entre os demais. Em locais como o Centro de Pesquisa Teatral (CPT/Sesc), a SP Escola de Teatro, a Escola Livre de Teatro de Santo André e o Núcleo de Artes Cênicas (NAC), entraram em contato com figuras importantes da cena brasileira – entre elas, Antunes Filho, Lee Taylor, Francesca Della Monica, Cida Moreira, Luiz Päetow, Marici Salomão e Luiz Fernando Marques. Atualmente, o grupo de teatro desenvolve um trabalho contínuo a partir de três frentes: apresentação de peças, organização de mostras e eventos culturais e formação artística.
Coordenado por Janes Jorge, docente do Departamento de História e vice-diretor do Campus Guarulhos, o Gepa, por sua vez, é responsável pela realização dos cursos de iniciação teatral, dramaturgia e cenografia, bem como pela pesquisa avançada em artes cênicas. Semestralmente, são oferecidos dois cursos de iniciação teatral, um no período diurno e outro no noturno, ambos com um encontro semanal, que ocorre no Teatro Adamastor Pimentas ou em sala cedida pela EFLCH/Unifesp. Além de intervenções artísticas nos campi da Unifesp, o grupo de estudos propicia a formação continuada aos atores que concluíram o treinamento inicial.
O diretor e professor de teatro da Cia. do Caminho Velho, Araújo – que é também dramaturgo – ressalta que o Gepa contribui para a expansão do horizonte cultural do campus e seu entorno. Possibilita, ainda, a preparação de bolsistas e voluntários que integram o projeto, uma vez que são incentivados a relacionar o conhecimento adquirido ao longo da formação acadêmica ao planejamento de programas culturais e cursos ministrados.
Do coletivo à extensão universitária
O primeiro grupo de teatro da Unifesp carrega no nome o local de origem: a Estrada do Caminho Velho, localizada no bairro dos Pimentas – região periférica do município de Guarulhos, em São Paulo. Seu trabalho inaugural, no âmbito da universidade, foi o ensaio aberto para a Semana de Orientação Filosófica e Acadêmica, em 2007, que despertou o interesse da comunidade interna pela apresentação de peças e por cursos de teatro. Com isso, no ano seguinte, a companhia resolveu abrir as primeiras turmas do curso de iniciação teatral.
Em 2012, quando as inscrições passaram a ser feitas por formulário eletrônico, encaminhado pelas redes sociais, houve o aumento significativo da participação do público externo. Desde então, o diálogo com a sociedade, principalmente com os segmentos socioeconômicos de maior vulnerabilidade e que se fixam no entorno do Campus Guarulhos, tem contribuído para a difusão da cultura e a divulgação da Unifesp como um espaço público, aberto a todos e não somente à comunidade acadêmica.
“Hoje, 50% dos participantes, em média, provêm da universidade e os outros 50% pertencem à comunidade externa. Em um campus de Ciências Humanas é muito comum discutir questões como as de gênero. Entretanto, quando recebemos pessoas de fora, elas nos fazem perceber os preconceitos que existem dentro de nós, dentro da academia, e isso gera um ‘caldo’ interessante”, argumenta Araújo.
Ao término da iniciação teatral, grande parte dos formados sente necessidade de intensificar suas pesquisas na área artística, como foi o caso de Daiane Sousa, atriz que atualmente ensaia uma das montagens profissionais do grupo. “O Gepa supre essa necessidade, pois é o local onde os concluintes do curso básico vislumbram a oportunidade de continuar o aprimoramento da prática teatral”, assegura o diretor da companhia.
Carolina Erschfeld, atriz, diretora e uma das fundadoras do coletivo, aponta a parceria com a direção acadêmica da EFLCH/Unifesp como fundamental para a transformação das ações desenvolvidas em projeto de extensão: “Desde o início buscávamos a oficialização de nosso trabalho mediante entendimento com os dirigentes do campus. Percebemos que é importantíssimo esse espaço para os alunos, como o foi para nós no início”, ressalta a atriz.
Atividade-aula do curso de iniciação teatral / Fotografia: Rodrigo Baroni
Oficina de sensibilidade artística, parceria com o Departamento de Letras da EFLCH/Unifesp / Imagem de arquivo
Os fundadores da companhia, Carolina Erschfeld e Alex Araújo / Fotografia: Alex Reipert
Roda de conversa após apresentação da peça Piche, na SP Escola de Teatro / Fotografia: Rodrigo Baroni
Intervenções artísticas
Além da formação continuada, o Gepa elabora o planejamento de várias atividades culturais da Unifesp, como o Dia Aberto e a Festa das Artes. O objetivo do primeiro evento é apresentar os cursos acadêmicos ministrados pela instituição aos alunos de escolas públicas da periferia de São Paulo. A edição de 2017 contou com um público de mais de 650 pessoas, que ocupou o Teatro Adamastor Pimentas e pôde assistir ao ensaio aberto da peça Piche, encenada pelo coletivo.
O segundo evento, idealizado em conjunto com a direção acadêmica do Campus Guarulhos, possibilita que alunos e servidores possam exibir seus talentos, o que incentiva – por meio de diferentes expressões artísticas – outra vivência afetiva do ambiente universitário e maior integração entre os membros da comunidade. A mostra promove, assim, uma “quebra” do cotidiano, ressignificando os espaços e as relações humanas.
A companhia já esteve presente em todos os campi da Unifesp, durante eventos acadêmicos como a recepção aos calouros e a exibição de peças e performances de seu repertório.
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