Quarta, 09 Setembro 2020 14:01

Opinião: Genética aplicada às doenças mentais e os principais resultados observados em suas pesquisas

Por Sintia Iole Belangero* 

Imagem ilustrativa de um filamento de DNA
(Imagem ilustrativa)

Os transtornos psiquiátricos afetam mais de 25% da população em um determinado ano e são uma das principais causas de incapacidade em todo o mundo, causando grande impacto na vida dos pacientes e de seus familiares¹. Esses transtornos têm causa bastante complexa com influência genética substancial associada à influência de fatores ambientais.  

Há fatores ambientais que conferem risco ao desenvolvimento das doenças tais como traumas, eventos estressores e experiências adversas da vida, abuso de drogas; já outros fatores ambientais protegem os indivíduos contras essas afecções, como suporte social, suporte emocional dos pais, união da comunidade local em que vivemos e alto QI. Estudos recentes têm focado em compreender melhor como os fatores ambientais interagem com o genoma e qual o impacto dessa interação sobres as doenças mentais.

O diagnóstico e avaliação clínica das doenças psiquiátricas são bastante imprecisos e subjetivos e, além disso, a psiquiatria enfrenta dificuldades no manejo desses transtornos devido à elevada heterogeneidade clínica e à alta comorbidade observada entre eles, razões pelas quais o diagnóstico se torna um desafio. 

Diferente de outras áreas da medicina, na psiquiatria, a classificação das doenças não está baseada em achados biológicos, portanto, compreender sua base genética é um dos problemas mais significativos da medicina.

Elucidar a extensão e o significado biológico das influências genéticas entre os transtornos tem implicações não só para a classificação atual das doenças psiquiátricas, mas também para o desenvolvimento de drogas e para a predição de riscos. 

Um dos maiores estudos já realizados na área de genética psiquiátrica da atualidade publicado na revista Cell², na qual sou co-autora,envolveu 232.964 pacientes portadores de transtornos mentais (anorexia nervosa, transtorno de déficit de atenção e hiperatividade, transtorno do espectro autista, transtorno bipolar, depressão maior, transtorno obsessivo-compulsivo, esquizofrenia e síndrome de Tourette) e 494.162 controles. As análises genéticas revelaram uma estrutura inter-relacionada dentro dos oito distúrbios, identificando três grupos de distúrbios e um grande compartilhamento genético entre eles, além de apontar 109 regiões genômicas associadas eles. 

Além disso, um estudo realizado pelo nosso grupo, fruto de uma parceria das universidades Unifesp, USP e UFRGS, o Projeto Conexão - Mentes do Futuro,  segue há mais de 10 anos crianças e jovens de 2.511 famílias nas cidades de Porto Alegre e São Paulo com a finalidade de avaliar a trajetória do neurodesenvolvimento normal e a trajetória ligada a transtornos mentais através da genética,  fatores de risco ambientais e de superação para o surgimento de problemas emocionais e de comportamento em crianças e jovens, a  fim de no futuro elaborar estratégias de prevenção para os transtornos mentais. 

Nesse estudo, observamos que mudanças na metilação do DNA e, consequentemente, na expressão de um grupo de genes no sangue ocorreram, concomitantemente, ao aparecimento de sintomas psiquiátricos nesses jovens. Portanto, as modulações epigenômicas podem estar envolvidas na regulação do desenvolvimento da psicopatologia de um indivíduo³.

Nesses mesmos jovens, pudemos observar que que maus-tratos sofridos na infância podem influenciar o comprimento dos telômeros (estrutura dos cromossomos que funcionam como o relógio biológico das células) de forma moderada pelo sexo, indicando que em meninos, quanto maior eram os índices de maus tratos, mais curtos eram os telômero4.

Demonstramos também que os níveis de expressão de alguns genes (NR3C1, TNF, TNFR1 e IL1B) estavam relacionados com a presença de Depressão Maior em crianças e jovens e eles, conjuntamente, medeiam o efeito dos maus-tratos sobre o risco de desenvolver Depressão Maior. Isso apoia o papel de genes de glicocorticoides e de inflamação e do estresse ambiental sobre a depressão5

Esperamos que nossos resultados possam, em um futuro breve, apoiar a literatura a fim identificar novos genes e mecanismos relacionados ao surgimento dos sintomas e das doenças mentais, aumentando a base de conhecimento e auxiliando a planejar políticas de prevenção para essas doenças.

*Professora do Departamento de Morfologia e Genética da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), coordenadora da Divisão de Genética do Laboratório de Neurociências Integrativas e coordenadora do Biorrepositório da Coorte Brasileira de Alto Risco do Instituto Nacional de Psiquiatria do Desenvolvimento

Referências:

1. Global, regional, and national incidence, prevalence, and years lived with disability for 328 diseases and injuries for 195 countries, 1990-2016: a systematic analysis for the Global Burden of Disease Study 2016. Lancet, 390 (2017), pp. 1211-1259;

2. Cross-Disorder Group of the Psychiatric Genomics Consortium. Electronic address: Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.; Cross-Disorder Group of the Psychiatric Genomics Consortium. Genomic Relationships, Novel Loci, and Pleiotropic Mechanisms across Eight Psychiatric Disorders. Cell. 2019;179(7):1469-1482.e11. doi:10.1016/j.cell.2019.11.020;

3. Spindola LM, Santoro ML, Pan PM, et al. Detecting multiple differentially methylated CpG sites and regions related to dimensional psychopathology in youths. Clin Epigenetics. 2019;11(1):146. Published 2019 Oct 21. doi:10.1186/s13148-019-0740-z;

4. Xavier G, Spindola LM, Ota VK, et al. Effect of male-specific childhood trauma on telomere length. J Psychiatr Res. 2018;107:104-109. doi:10.1016/j.jpsychires.2018.10.012;

5. Spindola LM, Pan PM, Moretti PN, et al. Gene expression in blood of children and adolescents: Mediation between childhood maltreatment and major depressive disorder. J Psychiatr Res. 2017;92:24-30. doi:10.1016/j.jpsychires.2017.03.015.

As opiniões expressas neste artigo não representam a posição oficial da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp)

 

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