Trabalho de análise osteológica no LEA/Unifesp por Michele Faria à esquerda e Thais Lopez Capp à direita / Imagem: Laboratório de Estudos Arqueológicos
Paula Garcia
Quando Cláudia Regina Plens, responsável pelo Laboratório de Estudos Arqueológicos (LEA/Unifesp) e docente no Departamento de História da Escola de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (EFLCH/Unifesp) – Campus Guarulhos, ingressou, em 2014, no Grupo de Trabalho Perus (GTP), do Centro de Antropologia e Arqueologia Forense (CAAF/Unifesp), e começou a análise das ossadas encontradas na Vala de Perus, detectou, durante o trabalho com antropólogos forenses e peritos criminais da polícia civil, problemas em relação aos métodos escolhidos para o protocolo do GTP. Foi quando a necessidade de validação dos métodos internacionais para a população brasileira tornou-se fundamental. “A maioria dos métodos empregados na Antropologia Forense internacional foram realizados sobre coleções osteológicas arqueológicas – ou seja, de populações pretéritas, com modos de vidas bastante distintos das populações atuais –, ou ainda, em populações nem tão antigas, mas em coleções osteológicas de algum grupo cultural bastante particular, que não refletiria padrões biológicos compatíveis com todas as populações. O ideal é que os métodos da Antropologia Forense sejam validados para uma mesma população; no caso, era necessária a validação de métodos para o Brasil”, explica Plens.
A ideia inicial era formar uma coleção osteológica, que consiste no conjunto de ossadas, para a Unifesp, mas depois de dois anos trabalhando com a Superintendência do Serviço Funerário do Município de São Paulo, não foi possível a resolução de questões que envolviam a legislação sobre o tema. Em paralelo, a docente formulou um curso de especialização em Antropologia Forense e Direitos Humanos que, além de capacitar diferentes profissionais de vários estados brasileiros, possibilitou o contato com Luiz Airton Saavedra de Paiva, antropólogo forense e presidente do Instituto de Ensino e Pesquisa em Ciências Forenses (IEPCF), que atuou como professor de Medicina Legal do curso e intermediou o convênio que a Unifesp firmou com o IEPCF para o estudo de uma de suas coleções osteológicas. O material utilizado para a pesquisa é uma amostra de 144 indivíduos, proveniente do Cemitério Público Necrópole do Campo Santo de Guarulhos, com a documentação que possibilitou a coleta de dados ante mortem, como registro de idade, sexo, local de nascimento e falecimento, ancestralidade, causa da morte, entre outros, pois, como a pesquisa não trata de um crime ou catástrofe que envolva Direitos Humanos, estes dados são necessários para a validação dos métodos que auxiliarão futuras pesquisas e investigações no Brasil, sobretudo nos serviços de reconhecimento de vítimas não identificadas, de modo que o projeto tem,além do papel da pesquisa e ensino, o da extensão universitária.
Em ordem da esquerda para direita. Colaboradora Michele Faria; estudantes do curso de História da Unifesp e estagiárias do Nepaaf/Unifesp Gabrielle Ramos, Aline Medeiros (graduada em História pela EFLCH/Unifesp e aluna do curso de especialização em Antropologia Forense e Direitos Humanos), Gabriela Nascimento (atual bolsista Pibic 2020) e Tamires Camargo / Imagem: Laboratório de Estudos Arqueológicos
Camila Diogo de Souza à esquerda e Cláudia Plens à direita / Imagem: Laboratório de Estudos Arqueológicos
O auxílio da Iniciação Científica
De acordo com o relatório de pesquisa de Gabrielle Ramos da Silva, na época estudante do curso de História da EFLCH/Unifesp, estagiária do LEA/Unifesp, membro do Núcleo de Ensino e Pesquisa em Arqueologia e Antropologia Forense (Nepaaf/Unifesp), um grupo de pesquisa vinculado ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), e bolsista do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (Pibic/CNPq) até dezembro de 2019, os métodos utilizados no desenvolvimento do estudo e para a análise dos indivíduos, caso a caso, se fundamentam nos pressupostos científicos elencados na Antropologia Forense enquanto disciplina. Para a aplicação desses métodos, um banco de dados foi criado a partir da documentação fornecida pelo IEPCF, para o cruzamento, comparação e análise dos dados post mortem. “Embora o foco da pesquisa seja na construção de um banco de dados a partir do conjunto osteológico trabalhado, busquei também operar na realização das etapas de análise dos indivíduos no laboratório até a sistematização de seus dados: montagem esquelética, inventário, odontograma, aplicabilidade de métodos e sistematização de dados. Busca-se, a partir da sistematização de dados em plataforma digital, o cruzamento de dados a partir das informações obtidas de cada indivíduo ante mortem e post mortem e a realização de gráficos que nos auxiliem na compreensão dos dados obtidos, bem como a aplicabilidade de cada método utilizado dentro da realidade brasileira”, relata Silva.
Até o momento, os resultados levantados estão permitindo compreender a relevância do banco de dados para os estudos em ciências forenses e como ele torna-se imprescindível para a construção de identidades, proporcionando facilidade de representação dos dados e operações realizadas, até então, por uma vasta quantidade de papel. Por meio da pesquisa, Silva realizou a sistematização dos dados de 30 indivíduos, auxiliando em um primeiro momento na visão detalhada dos dados coletados. “O papel da Iniciação Científica é fundamental para que possamos formar estudantes que reflitam e desenvolvam seus raciocínios e pesquisas acadêmicas dentro da perspectiva empírica, científica. A Gabrielle foi capacitada de modo a entender a formulação de um problema a ser resolvido a partir de aplicação de métodos, onde dados serão coletados, armazenados em um banco de dados, o qual ela ajudou na alimentação, e, a partir de então, cruzar os dados de modo a conseguir interpretar uma série de dados que respondam à pergunta original. Embora o projeto seja muito mais amplo e ainda esteja em andamento, ela pôde fazer um treinamento do que é o começo, meio e fim de uma pesquisa científica”, afirma Plens.
Reconhecimento Internacional
Cláudia Plens no Congresso da AAFS 2020
A pesquisa de Pibic de Silva se insere no projeto Building up Human Rights through professional qualification and research in Forensic Anthropology in Brazil, Projeto de Validação em Antropologia Forense (Provaf), que é coordenado por Plens em parceria com Camila Diogo de Souza, docente da Universidade Federal Fluminense (UFF), e Thaís Torralbo Lopez Capp, docente da Universidade de São Paulo (USP), ambas integrantes do Núcleo de Ensino e Pesquisa em Arqueologia e Antropologia Forense (Nepaaf/Unifesp), com o apoio da American Academy of Forensic Sciences (AAFS) e do The Humanitarian and Human Rights Resource Center (HHRRC), sendo o primeiro projeto de uma instituição brasileira a receber esta verba.
O Provaf visa o desenvolvimento de um protocolo padrão científico de antropologia forense aos padrões morfológicos brasileiros, a partir de métodos de determinação de perfil biológico recomendados internacionalmente, preenchendo lacunas e trazendo metodologias próprias dos estudos em ciências forenses para o contexto nacional.
“Em fevereiro de 2020, participamos do 72th Annual Meeting of the American Association of Forensic Sciences (AAFS) para apresentação de pôster da sessão do HHRRC/AAFS. Na ocasião concedi uma entrevista para o Just Science Podcast, do Forensic Technology Center of Excellence (FTCOE), programa do National Institute of Justice (NIJ). Tanto a apresentação do pôster quanto a entrevista sobre a importância do financiamento da HHRRC para o projeto Provaf foram importantes para divulgação do Laboratório de Estudos Arqueológicos (LEA/Unifesp), bem como para possibilitar novas estratégias para pesquisa e ensino”, finaliza Plens.