A juventude por trás das telas

Estudo da Unifesp avalia resposta de jovens estudantes da escola pública das periferias de São Paulo e Guarulhos à pandemia. Os resultados mostram relação direta entre tempo de tela, sono irregular e sintomas de depressão e ansiedade

juventude telas

(Fotografia: Freepik / Lookstudio)

 

Valquíria Carnaúba

Quando a pandemia fechou tudo, sobretudo as escolas da educação básica do Estado de São Paulo, a grande preocupação era proteger idosos(as) e adultos com comorbidades, fossem familiares ou profissionais da educação. Grupos contrários à reabertura das escolas, que começou a ser discutida em agosto de 2020, argumentavam que crianças e adolescentes poderiam expor cerca de 9,3 milhões de pessoas à contaminação pelo coronavírus e colocar mais de 900 mil na fila das UTIs com covid-19 (Fundação Osvaldo Cruz, 2020). O motivo para a preocupação era a falta de controle sobre o comportamento dos(as) jovens, o que representava situações potenciais de contaminação.

Adotando outra perspectiva, pesquisadores(as) da Unifesp e profissionais de educação que atuam diretamente com as faixas etárias compreendidas entre o 9° ano do Ensino Fundamental e o 3° ano do Ensino Médio regular foram investigar o possível impacto na vida dos(as) próprios(as) jovens, sobretudo entre aqueles(as) que se encontravam em situações de maior vulnerabilidade social. O projeto de extensão Juventude sem Máscara surgiu para responder questionamentos dessa ordem, e chegou uma conclusão da qual muitos já desconfiavam: Os(as) jovens estavam mais tempo na frente das telas - e mais ansiosos(as).

O grupo interdisciplinar de especialistas em Educação, Psiquiatria, Políticas Públicas e Epidemiologia, composto por Daniel Vazquez, Sheila Caetano, Rogerio Schlegel, Elaine Lourenço, João do Prado, Ana Nemi, Andréa Slemian e Zila Sanchez, além de Gabriel Zambonini Caña e Reislaine Rodrigues do Nascimento, estudantes, uniu-se à entidade Brigada pela Vida na construção da pesquisa. “Como os questionários foram distribuídos entre 29 de outubro e 14 de dezembro de 2020, quando as escolas estavam fechadas, foi mais difícil conseguir acesso aos(às) estudantes. A parceria com a Brigada pela Vida foi fundamental para conseguirmos maior adesão ao questionário elaborado pelo grupo”, afirma Slemian, professora adjunta da Escola de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (EFLCH/Unifesp) - Campus Guarulhos.

A Associação Brigada da Educação, Cultura, Assistência Social, Moradia Popular, Direitos Humanos e Saúde pela Vida, ou resumidamente Brigada pela Vida, é uma entidade sem fins lucrativos, fundada em 2020, com o objetivo de reunir agentes comunitários(as), educadores(as) e militantes da saúde do município de São Paulo. Desde o início, a entidade organiza-se em núcleos regionais, que se responsabilizam por ações como combate a notícias falsas sobre a pandemia e ações inovadoras nas áreas mais vulneráveis.

Seu papel na investigação foi mediar a relação entre os(as) pesquisadores(as) da Unifesp e os(as) estudantes da educação básica. Apesar de diferir da proposta primária, a Brigada pela Vida expandiu sua atuação aos(às) estudantes de bairros periféricos, como São Mateus, Itaquera, São Miguel Paulista e Sapopemba. “Uma das militantes da Brigada de Sapopemba sugeriu que iniciássemos o diálogo com os(as) jovens e seus familiares e, quando a ideia de escuta da população tomou uma forma mais definida, decidimos pedir apoio às universidades com quem temos algum vínculo, como a Unifesp e a UFABC”, explica Valter de Almeida Costa, coordenador da iniciativa.

Aos(às) pesquisadores(as) dos departamentos de Ciências Sociais e História da EFLCH/Unifesp e da Psiquiatria e Medicina Preventiva da Escola Paulista de Medicina (EPM/Unifesp) - Campus São Paulo, coube a elaboração das bases teóricas do estudo a fim de revelar possíveis alterações no modo como os(as) estudantes mantiveram os laços sociais e com a própria escola, seus hábitos de consumo, nível de saúde mental, bem como de percepção da crise atual.

Saudade da escola

Dos(as) 318 estudantes em 16 escolas municipais e três escolas estaduais localizadas nas zonas Leste e Norte do município de São Paulo, além de 83 casos em duas escolas estaduais da região do bairro Pimentas, no município de Guarulhos.

76,6% conseguiram continuar os estudos desde casa

74,1% disseram sentir falta das aulas e/ou dos(as) professores(as)

55,7% concordaram com a afirmação que “os conhecimentos aprendidos na escola ajudam na vida cotidiana”

Vida que segue on-line

Após o fechamento das escolas, 76,6% conseguiram continuar os estudos dentro de casa, 74,1% disseram sentir falta das aulas e dos(as) professores(as) e 55,7% concordam que os conhecimentos aprendidos na escola ajudam na vida cotidiana. Outras informações, contudo, chamaram a atenção dos(as) pesquisadores(as). Na ausência da rotina escolar, jovens estudantes de escolas públicas de São Paulo e Guarulhos que passam mais tempo diante de telas e trocam a noite pelo dia apresentam com mais frequência sintomas de depressão e ansiedade durante a pandemia de covid-19.

Com base no Inventário de Depressão Infantil e de Ansiedade pelo Scared (Screen for Child Anxiety Related Emotional Disorders), métodos utilizados pelos(as) pesquisadores(as), constatou-se que 10,5% desses(as) estudantes apresentavam pontuação indicativa de depressão e 47,5% para ansiedade. Os escores de depressão e ansiedade estavam associados ao sexo, ao tempo de exposição à tela e à troca do dia pela noite como as três principais variáveis.

Os(as) pesquisadores(as) obtiveram 436 respostas, coletadas de forma on-line, por meio do questionário no Google Form, mas consideraram apenas 401 casos, pois 35 respondentes não preencheram os critérios de inclusão por serem maiores de 21 anos matriculados na modalidade EJA (Educação de Jovens e Adultos) ou menores de 13 anos de séries anteriores. Todos os resultados podem ser consultados no artigo Vida sem escola e a saúde mental dos estudantes de escolas públicas durante a pandemia de covid-19, publicado como preprint pela plataforma Scielo.

Slemian detalha que a maioria dos(as) respondentes vive em famílias em que as mães são as figuras centrais e que não tiveram a opção de ficar em casa. Outros(as) jovens (entre 13 e 17 anos), em menor quantidade, trabalhavam, mas a maioria dedicava seu tempo aos estudos. “Foi uma surpresa perceber como os(as) jovens, cuja presença na escola poderia ampliar a pandemia, tornaram-se um grupo de risco indireto devido aos impactos na sua saúde mental.”

A pesquisadora afirma que os(as) professores(as) também foram afetados(as) por todas essas mudanças. “As escolas, principalmente as públicas, se adaptaram mais lentamente. Por isso, a discussão que começou nos(as) estudantes pretende ser ampliada aos(às) docentes, definitivamente um elo frágil e fundamental nessa cadeia. Não somente porque têm que lidar com a realidade de várias perdas trazidas pela pandemia, mas por também serem pressionados(as) a voltarem à sala de aula sem condições mínimas de segurança.”

Para ela, a educação básica e a superior devem ser presenciais, sobretudo nas periferias, onde faltam equipamento, infraestrutura e proteção individual. “Além disso, a rotina é fundamental. A escola não é somente um ambiente de ensino, mas de encontros, convivência e dinâmica social. A pesquisa evidenciou dois aspectos decisivos para essa conclusão: a importância da convivência na escola e da tranquilidade no núcleo familiar. Mas não basta voltar a qualquer custo: ou retornam à escola com um protocolo possível, inclusive vacina, ou retornam tendo que conviver com a doença e as perdas irreparáveis, o que também causa sofrimento psíquico”, conclui.

Brigada pela Vida EMEF Henrique

A Brigada pela Vida inspirou-se na Brigada Emergencial de Saúde, organizada na região Nordeste sob a coordenação do neurocientista Miguel Nicolelis e que conta com médicos e agentes comunitários de saúde para o combate à covid-19

ENTREGA DE CESTAS BÁSICAS

ENTREGA DE MÁSCARAS

 

 

ANDREA SLEMIAN

Andrea Slemian

De acordo com o grupo, o retorno seguro às aulas deveria vir acompanhado de outros desafios: o aprimoramento dos programas do Ministério da Saúde nas escolas e o fortalecimento do vínculo dos(as) estudantes com as comunidades locais. “Mesmo sucateada, a escola segue tendo um papel central na vida dos bairros, igualmente na capacidade de transformação de seus territórios educativos”, afirma Slemian

Ana Nemi

Ana Nemi

Daniel Vazquez

Daniel Vazquez

Elaine Lourenço

Elaine Lourenço

Gabriel Zambonini

Gabriel Zambonini

ROGERIO SCHLEGEL

Rogerio Schlegel

Sheila Caetano

Sheila Caetano

Valter Almeida

Valter Almeida

Zila van der Meer Sanchez

Zila van der Meer Sanchez