Uma ponte entre a periferia e o mundo acadêmico

Pesquisa do Centro de Estudos Periféricos propõe ações para beneficiar os bairros mais carentes

 

ponte periferia

(Imagem: flickr / Avelino Regicida)

 

Pedro de Biasi

A universidade pode hoje estar mais próxima da periferia do que já esteve antes. Essa afirmação não diz respeito apenas a questões geográficas – como é o caso do Campus Zona Leste, inaugurado em 2014 –, mas também a uma confluência entre os objetivos acadêmicos e aqueles aos quais aspiram os moradores dos bairros periféricos. Representando essa ponte está uma pesquisa realizada pelo Centro de Estudos Periféricos (CEP), criado dentro da universidade em 2018 e vinculado ao Instituto das Cidades (IC/Unifesp), unidade universitária que compõe o Campus Zona Leste. O CEP é formado por moradoras e moradores de bairros periféricos, os quais produzem conhecimento sobre a realidade em que vivem.

Denominada Agenda Propositiva das Periferias, a pesquisa em foco parte da observação e desenvolve uma análise sistemática, que – no caso – identifica diversas carências e demandas da periferia de São Paulo. A diferença em relação a outros estudos está na lista de propostas elaboradas para enfrentar cada uma das questões mais urgentes que emergiram ao longo da atividade desenvolvida.

“Tradicionalmente, as Ciências Sociais possuem a característica de estudar sem intervir. A intervenção é vista como uma deturpação do processo científico, mas essa é uma exploração que propõe, que chama à responsabilidade”, explica Tiaraju Pablo D’Andrea, professor adjunto do Instituto das Cidades (IC/Unifesp) e coordenador do trabalho. “Queremos transformar o que escutamos dos moradores da periferia em proposições e buscar melhorias.”

Ele enfatiza que o estudo apresenta uma dupla ousadia, não só por sua natureza propositiva, mas também por ter a participação de estudantes e pesquisadores que vivem na periferia. “Moradores de regiões periféricas que fazem pesquisa na universidade é algo que continua a causar frisson”, comenta o docente, destacando que a maioria da equipe envolvida no estudo, com cerca de 30 pessoas, provém desses bairros.

O CEP realizou ampla discussão com todos os seus participantes para encontrar a temática e o formato de sua primeira investigação de caráter científico. Essa discussão também se estendeu aos integrantes da Fundação Rosa Luxemburgo (FRL), instituição alemã sem fins lucrativos, vinculada ao partido Die Linke. Fundada no ano de 1990, em Berlim, tem como principais desafios promover a formação política e a crítica social. A FRL, que é parceira do CEP, abriu o escritório regional do Brasil e Paraguai em 2003, na cidade de São Paulo.

Uma investigação com proposições foi escolhida como a melhor forma de iniciar a atuação do centro. Os pesquisadores e estudantes entrevistaram aproximadamente 400 moradores de regiões periféricas nos quatro cantos do município de São Paulo. O trabalho da equipe foi dividido em dez segmentos, de acordo com os eixos temáticos, cuja abordagem coube a cada um dos grupos: cultura; gênero; habitação; participação popular; transporte; educação; genocídio, violência e racismo; infância; saúde; e trabalho.

“A pesquisa tornou-se muito extensa, maior do que prevíamos, e isso nos ocupou em demasia”, relata. “Nós formulamos muitos aspectos, mas, pela necessidade de concisão, decidimos que cada eixo destacaria as cinco propostas mais cruciais.” Iniciada em agosto de 2019, a Agenda Propositiva das Periferias foi finalizada um ano depois, em agosto de 2020.

A doutora em Educação Adriana Dantas, que também fez parte da equipe, ressaltou que os movimentos sociais têm um longo histórico nas regiões de periferia, e a Agenda Propositiva trouxe essa atuação para a dimensão acadêmica. “Nós nos inserimos em um lugar específico que pretende sistematizar academicamente a atuação dos movimentos sociais, estabelecer uma troca com esses movimentos e buscar a mudança”, afirma. “Existem governos mais abertos e menos abertos, mas o importante é não se calar e valorizar as demandas da academia e da periferia.”

Com a Agenda Propositiva das Periferias, o plano é criar uma sintonia de objetivos e ações em prol das zonas periféricas. Afinal, como assegura D’Andrea, a universidade e os moradores das quebradas hoje estão juntos: “Nossos colaboradores pertencem a uma geração que nasceu e cresceu na periferia, mas que também faz pesquisa e está na universidade, produzindo conhecimento.”

Tiaraju Pablo

Tiaraju Pablo D’Andrea, coordenador da Agenda Propositiva das Periferias

Felipe Toledo

Felipe Toledo, estudante pertencente à equipe do projeto

Adriana Dantas

Adriana Dantas, da equipe do projeto

Washington Douglas

Washington Douglas, estudante pertencente à equipe do projeto

 

Agenda Propositiva das Periferias - portal da Fundação Rosa Luxemburgo, instituição apoiadora do projeto:

Agenda Propositiva das Periferias

https://rosalux.org.br/agenda-propositiva-das-periferias/