Terça, 15 Março 2022 08:39

Trabalho da Unifesp analisa principais manifestações de pele associadas à covid-19

Revisão de literatura sobre o tema foi publicada nos Anais Brasileiros de Dermatologia da SBD

Por Daniel Patini

Pessoa branca de blusa verde clara coçando o braço esquerdo
(Imagem ilustrativa)

Uma revisão de literatura publicada por pesquisadoras do Departamento de Dermatologia da Escola Paulista de Medicina (EPM/Unifesp) - Campus São Paulo analisou os principais aspectos das manifestações cutâneas associadas à covid-19. O trabalho está nos Anais Brasileiros de Dermatologia, uma publicação da Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD).

Os resultados indicam que a real frequência das manifestações dermatológicas ainda é incerta, podendo variar de 0,2% a 45%; sendo próxima a 6% nos estudos de revisão sistemática. As mais encontradas são as erupções maculopapulares, seguidas das lesões eritema pérnio (EP) símile. Quadros de urticária, erupções vesiculares e do espectro livedo-púrpura-necrose são menos frequentes. Quanto ao tempo de surgimento, as lesões cutâneas são habitualmente concomitantes aos sintomas gerais da covid-19 e raramente podem precedê-los, como nos casos de urticária e lesões vesiculares. O EP-símile pode surgir tardiamente ou, inclusive, ser o único sintoma clínico de covid-19. Já os quadros vasculares como livedo, púrpura e necrose também são tardios, porém associados a maior gravidade e pior prognóstico (veja mais informações no quadro abaixo).
 
"São poucos estudos prospectivos sobre o assunto publicados até o momento, os quais forneceriam informações mais fidedignas sobre a verdadeira prevalência das lesões cutâneas e os padrões identificados, especialmente por meio da busca ativa de lesões cutâneas pelo especialista. Embora o número de publicações em um curto intervalo de tempo seja expressivo e crescente, ainda há muitas perguntas desafiadoras sobre as manifestações cutâneas associadas à covid-19. No Brasil, por exemplo, não há dados sobre a prevalência de lesões cutâneas até o momento", relata Camila Seque, dermatologista da Unifesp e uma das autoras do artigo.
 
De maneira bastante simplificada, detalham as pesquisadoras, essas manifestações têm sido divididas em duas formas quanto à fisiopatologia: inflamatória, como resposta imune a infecção viral, gerando um processo de inflamação sistêmico intenso; e vascular, secundária aos fenômenos de vasculite, vasculopatia e trombose, sendo as lesões do tipo eritema pérnio (ou perniose) mais estudadas. "Estudos histopatológicos [análise microscópica dos tecidos para a detecção de possíveis lesões] e de imuno-histoquímica [processo para localizar antígenos em tecidos] dos diferentes padrões de lesões cutâneas em pacientes com covid-19 são fundamentais para melhor compreensão do seu significado fisiopatológico em relação à doença", considera a dermatologista.
Confira mais detalhes sobre as principais manifestações de pele relacionadas à covid-19:
Erupção maculopapular (prevalência de 9% a 47% / em adultos / quadro leve)
Na maioria dos estudos, é considerada a manifestação cutânea mais frequente na covid-19. Engloba quadros de exantema ou rash cutâneo – caracterizado pela presença de manchas vermelhas na pele –, pápulas difusas – lesões palpáveis elevadas na pele –, pitiríase rósea símile – doença inflamatória reacional da pele –, eritema multiforme símile – reação inflamatória da pele causada por uma infecção ou medicação –, entre outros. Habitualmente, surge nos primeiros dias de sintomas gerais da infecção viral ou em até duas semanas, embora haja relatos esporádicos de surgimento tardio (após um mês). Correlaciona-se com quadros sistêmicos leves e tem melhora espontânea entre sete e dez dias, sem necessidade de tratamento específico.
 
Eritema pérnio (EP) símile ou pseudo eritema pérnio (prevalência de 18% a 75% / em crianças e jovens / quadro leve ou assintomático)
Sem dúvida, são as manifestações mais relatadas em grandes séries de casos na literatura. Com a chegada da pandemia de covid-19 na Europa, observou-se uma explosão de casos semelhantes ao eritema pérnio ‘‘clássico’’ – uma inflamação cutânea desencadeada pela exposição ao frio e que atinge, sobretudo, as extremidades do corpo –, porém com características distintas da forma clássica: predomínio em crianças e jovens, em época de temperaturas amenas (primavera), sem antecedente pessoal de eritema pérnio. Foi descrito, então, o EP-símile associado à covid-19, sendo mais frequente em crianças e adultos jovens, saudáveis, com poucos sintomas ou assintomáticos, podendo ser a única manifestação da doença. Portanto, na presença dessas lesões, sugere-se que a infecção pelo novo coronavírus (Sars-CoV-2) seja investigada. Surge em média após 10 a 14 dias dos sintomas gerais, duram em média 14 dias, com melhora espontânea.
 
Urticária (prevalência de 9% a 30% / em adultos / quadro leve)
As infecções, inclusive virais, são fatores desencadeantes já conhecidos de lesões urticariformes – quadro cutâneo caracterizado por lesões avermelhadas, elevadas com "vergões" na pele. Nesse sentido, a infecção por Sars-CoV-2 poderia ser um novo fator desencadeante. São relatados quadros de urticária associados à covid-19 em pacientes sem relatos prévios da doença. Estima-se que em 10% dos pacientes o quadro cutâneo possa preceder em alguns dias os sintomas gerais de covid-19 e que, portanto, a detecção das lesões de pele poderia favorecer o diagnóstico precoce da infecção. Porém, em sua grande maioria, essas lesões surgem concomitantemente aos demais sintomas. Não há predileção por faixa etária e associa-se a quadros leves, com baixa mortalidade. É relatada melhora espontânea em sete dias, ou com uso de anti-histamínicos e/ou corticoide sistêmico em baixa dose.
 
Erupções vesicobolhosas ou vesiculares (prevalência de 9% a 15% / em adultos / quadro leve a moderado)
Embora raras, as erupções vesicobolhosas ou vesiculares – pequenas bolhas com líquido interno – são consideradas padrão específico de lesão cutânea associada à covid-19. São quadros de vesículas ou bolhas localizadas ou disseminadas, que podem acometer a região das palmas dos pés e mãos, poupando mucosas. Elas têm início cerca de três dias após os sintomas gerais e perduram por 7 a 14 dias, com melhora espontânea. Associam-se a quadro sistêmico leve a moderado.
 
Livedo, púrpura, necrose (prevalência de 4% a 9% / em idosos / quadro grave)
As manifestações cutâneas vasculares associadas à covid-19 compreendem um amplo espectro, que varia desde livedo reticular transitório a fixo, livedo racemoso – caracterizado pelo surgimento de manchas redilhadas avermelhadas ou azuladas na pele –, púrpuras – erupção de manchas roxas devido ao vazamento de pequenos vasos sanguíneos na pele – e necrose de extremidades – morte celular ou de tecidos. São manifestações raras associadas a quadros sistêmicos graves, que ocorrem de maneira tardia em pacientes idosos, internados em ambiente de terapia intensiva, com múltiplas comorbidades e alterações laboratoriais. Frequentemente, associam-se a outros eventos trombóticos como trombose venosa profunda, acidente vascular encefálico (AVE) isquêmico e coagulação intravascular disseminada, que são responsáveis pela elevada mortalidade neste grupo.
 
Eflúvio telógeno (queda de cabelo)
Amplamente e há muito tempo conhecido na Dermatologia, o eflúvio telógeno (queda de cabelo) pode ser desencadeado por alterações metabólicas, nutricionais, medicamentosas e inúmeras condições sistêmicas, entre elas, as infecções. Na covid-19, cogita-se que as citocinas inflamatórias liberadas e o uso de medicações, como a heparina, possam estar envolvidas nesse mecanismo. Há relatos de aumento de sua incidência em quase três vezes durante a pandemia. Estima-se que 10% dos pacientes com covid-19 evoluam com queda de cabelo nas semanas e meses subsequentes à infecção, especialmente nos pacientes com comorbidades.
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