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Segunda, 30 Dezembro 2019 10:29

Aprendendo a conviver com a dor

O Grupo de Apoio a Pacientes com Fibromialgia (Gafibro) visa expandir modelo ao SUS em parceria com o Telessaúde Brasil Redes

Texto: Valquíria Carnaúba

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(Fotografia: Alex Reipert)

O Grupo de Apoio a Pacientes com Fibromialgia (Gafibro) é um dos programas de extensão mais antigos da Unifesp. Criado em 2008, trata-se de uma iniciativa que reúne mensalmente pessoas acometidas pela síndrome, que provoca dores no corpo por longos períodos. Como ainda se sabe pouco sobre a doença, das causas à cura, seu diagnóstico e tratamento não seguem uma cartilha definida na Medicina. Essa lacuna é preenchida atualmente por tratamentos terapêuticos diversos, a exemplo do Gafibro, que se mostra a cada dia um caminho seguro para pacientes se fortalecerem diante da doença por meio da troca de experiências.

Coordenado por Felipe Azevedo Moretti, fisioterapeuta vinculado ao Núcleo de Telessaúde da Unifesp, e por Cícero Inacio da Silva, coordenador adjunto do Programa Telessaúde Brasil Redes, o grupo já atendeu mais de duas mil pessoas nesses 11 anos de atividade. Os encontros são realizados semanalmente nas dependências do Clube Escola Unifesp, no bairro paulistano da Vila Clementino, e são incrementados vez ou outra por palestras, atividades físicas e de relaxamento (por meio da ioga, por exemplo). 

Moretti relata que, no início, o plano era transformar o Gafibro em uma associação de pacientes, aplicando o conceito de grupo operativo (terapia de grupo) - elaborado por Enrique Pichon Rivière, psiquiatra e psicanalista suíço. “Dessa forma, seria possível encorajar os membros do grupo a propagar seus conhecimentos e incentivar outras pessoas a superar os desafios impostos pela Fibromialgia”, comenta. Tornar-se uma associação permanece uma meta a longo prazo, mas o modelo de grupo operativo foi efetivamente implantado: seus membros mais antigos, além de participarem dos encontros, lançaram-se ao desafio de coordenar novos grupos terapêuticos orientados ao projeto original. 

Esse desmembramento foi uma solução encontrada por Moretti para resolver, a curto prazo, os principais obstáculos atuais à expansão do projeto. Com um espaço reduzido à disposição, cada encontro ocorre com, no máximo, 15 pessoas, o que dificulta a incorporação de novos membros e a manutenção do modelo de Pichon Rivière. Além disso, a condução das reuniões por profissionais da saúde depende exclusivamente de trabalho voluntário. “Para mantermos nosso atendimento como portas abertas, capacitando cada vez mais pessoas, seria aconselhável a formação de grupos com tempo de atuação finito. Mas como os pacientes com fibromialgia tendem a se isolar por se sentirem pouco compreendidos, deixar de ofertar esse acolhimento não seria a melhor alternativa”, reflete. 

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“Não tem bom humor quem tem dor”, diz Ivete Ungaretti,  que, junto com Yvone Ivanir Petrone e Ana Raquel Almeida Iorio, foi diagnosticada com fibromialgia há mais de 15 anos. Elas frequentam o grupo desde seu início. (Fotografia: Alex Reipert)

“Você dorme duas a três horas por noite, quando dorme. Troca colchão, travesseiro, desliga a TV, liga a TV, acende a luz, apaga a luz, e assim vai. Trabalho como voluntária em um grupo de escoteiros em Interlagos. Não dá para parar. Com dor em casa e dor na rua, eu vou para a rua”.

Ivete Ungaretti

“Fui diagnosticada com fibromialgia há cinco anos. Faço questão de frequentar o grupo. Só de conversar com pessoas que falam a mesma língua, que têm os mesmos sentimentos, é muito bom. Nos dias que você está bem, você quer fazer tudo o que não fez nos outros dias. Certo dia, decidi andar em um bosque. Caminhei 4 km e travou tudo, começou a doer mais ainda. Cheguei a me inscrever na hidromassagem, mas saía pior do que quando entrava. Dizem que ela se manifesta em momentos traumáticos da vida. No meu caso, foi a perda de emprego. Após 19 anos em uma empresa, fui dispensada. Não sei se porque a empresa estava em declínio, aquilo mexeu comigo. Quando a gente se vê com a síndrome, é muito difícil se livrar”.

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Heloisa Rovaroto Britto Neves (Fotografia: Alex Reipert)

Solução na telessaúde

O Gafibro é um programa de extensão vinculado à Universidade Aberta do Brasil (UAB/Unifesp). Isso porque almeja a expansão de seu modelo de atendimento ao Sistema Único de Saúde (SUS) com a capacitação de novos agentes da saúde básica - médicos, enfermeiros e psicólogos. Segundo Moretti, a ideia é ofertar capacitações e assistência por meio do programa nacional Telessaúde Brasil Redes, cujo apoio assistencial ao SUS vale-se de ferramentas e tecnologias da informação e comunicação (TICs). “Esses profissionais de saúde seriam habilitados para criar e conduzir grupos terapêuticos, com foco em dor crônica, adaptados ao modelo de atendimento do SUS, para que os pacientes possam ser acolhidos nos seus respectivos territórios”, complementa.

A implantação desse sistema esbarra nas discussões atuais acerca de uma atualização da telemedicina no país, regulamentada em 2002 por meio da resolução n° 1.643, do Conselho Federal de Medicina (CFM). De acordo com o modelo atual, o Ministério da Saúde proporciona aos pacientes do SUS atendimento com um especialista à distância desde que esteja acompanhado por um médico especialista presencialmente. A atualização proposta pelo Conselho Regional de Medicina (CRM) consiste na liberação de consultas on-line, telecirurgias e telediagnósticos, entre outras formas de atendimento à distância. 

Cláudia Galindo Novoa, coordenadora do Programa Telessaúde Brasil Redes na Unifesp, ressalta que é preciso distinguir telessaúde de telemedicina. “Telessaúde abrange tudo o que se faz (telefonoaudiologia, telepsicologia) e todos os profissionais que atendem outros profissionais de saúde ou discutem casos usando tecnologia digital. A telemedicina está dentro da telessaúde”, explica. As capacitações ofertadas pelo Telessaúde Brasil Redes, em específico, só podem ser ministrados por docentes vinculados a outro programa do Ministério da Educação (MEC), Universidade Aberta do Brasil (UAB), que estabelece parcerias com as universidades públicas para ofertar ensino à distância (EaD).

Para Novoa, a telessaúde tem grande potencial de elevar a qualidade de vida de quem se encontra fora do raio de alcance de hospitais à medida que ajuda a suprir dúvidas de médicos, evitando que haja um encaminhamento errôneo para outros especialistas. “No momento, é necessário chamar os pares para conversar, a fim de instituir a ampliação do escopo de atendimento com as regulamentações necessárias”. 

De acordo com Moretti, algumas dezenas de pessoas procuram o apoio do Gafibro mensalmente, inclusive pessoas de fora da cidade de São Paulo. As que não conseguimos encaixar no grupo, buscamos encaminhar para outros setores dentro da própria Unifesp. “Como damos prioridade aos que residem na região, arriscamos algumas experiências de suporte remoto. Uma delas foi uma jornada on-line realizada no Facebook, que chegou a ter 30 participantes e o monitoramento de grupos on-line com mais de 8.000 membros. É fundamental que isso se torne uma política de atendimento. A fibromialgia atinge de 2% a 4% da população brasileira, então é desejável que esse modelo atinja patamares de política de saúde pública”, finaliza.

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Membros do Gafibro comemoram mais um semestre de encontros, com comida, bebida e o usual intercâmbio de experiências e apoio (Fotografia: Alex Reipert)

 
Publicado em Edição 12
Segunda, 30 Dezembro 2019 09:30

(Trans)formando vidas

O Núcleo TransUnifesp reúne, há mais de três anos, diversas iniciativas voltadas à população transgênero e intersexo

Texto: Valquíria Carnaúba

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Fotografia: torbakhopper / flickr

Em maio de 2019, mês em que o desemprego atingia cerca de 13 milhões de brasileiros, o Núcleo TransUnifesp, por meio do projeto de extensão Extramuros, reuniu 40 pessoas no Anfiteatro Nylceo Marques de Castro (Campus São Paulo) para falar de empregabilidade e empreendedorismo entre o público trans. Maitê Schneider, uma das fundadoras do TransEmpregos, plataforma que intermedia pessoas trans e recrutadores do mercado de trabalho, compartilhou seus 32 anos de trajetória profissional. 

Schneider afirma que a regra entre pessoas transgênero é o abandono do estudo, refletindo em alto índice de ocupação em subempregos ou a opção pela prostituição. “Uma outra parcela das pessoas trans vai para o empreendedorismo devido a um sistema corporativo engessado, repleto de dogmas e filtros seletivos. Como há muitas que desejam, ainda assim, atuar nas corporações, é nosso papel potencializar esses sonhos”, observa a palestrante. 

Além dela, outros profissionais de atendimento do Núcleo TransUnifesp trocaram experiências nessa roda de conversa aberta ao público. Carlos Alberto Bricoli, terapeuta ocupacional, tratou, a partir do conceito de integralidade em saúde e sua relação com o direito ao trabalho, sobre a importância de realocar pessoas transgênero no mercado de trabalho.

As discussões levantadas nesse e em outros encontros evidenciam a atualidade e a inegável importância das ações extensionistas oferecidas pelo Núcleo TransUnifesp, coordenado por Magnus Dias da Silva, livre docente do Disciplina de Endocrinologia da Escola Paulista de Medicina (EPM/Unifesp) – Campus São Paulo, e Denise Leite Vieira, psicóloga e professora afiliada do Departamento de Psiquiatria da mesma instituição. A instância concentra um amplo conjunto de atividades de estudo e produção do conhecimento, acolhimento, promoção de saúde e cidadania das populações trans (mulheres transexuais, travestis, homens trans e gênero não binário) e intersexo (termo que se refere às mais de 40 variações em que uma pessoa nasce sem se encaixar no que é dito como feminino ou masculino).

Regido por uma Carta de Princípios relacionada à diversidade sexual, aprovada pelo Conselho Universitário (Consu/Unifesp), o Núcleo TransUnifesp compreende as atividades de graduação (estágios e trabalhos de conclusão de curso), assistência, por meio de seu ambulatório, e extensão universitária com o Programa Multtisaberes e os projetos vinculados – Extramuros e Diálogos de Capacitação, em execução, e os finalizados TransAmigo e Babadeires. “O sucesso do programa começou depois da primeira turma da disciplina eletiva oferecida para todos os estudantes de graduação da área da saúde, denominada Sexualidade e Saúde Sexual, criado e coordenado por Vieira. A partir de debates com estudantes, foram pensadas novas frentes extensionistas vinculadas ao núcleo”, observa Dias da Silva.

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Estudantes, docentes e voluntários presentes na reunião científica do Núcleo TransUnifesp, realizada em maio deste ano, sob o tema Mercado de Trabalho (Fotografia: Valquíria Carnaúba)

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Maitê Schneider afirma que diversas empresas ainda hoje têm dificuldade em sair da teoria e praticar a diversidade. “Nossa identidade ainda é muito ‘fetichizada’. Ou estamos nas páginas policiais, ou estamos no programa de televisão fazendo um show [que vou fazer no final para os que ficarem]”, brinca (Fotografia: Valquíria Carnaúba)

TERMO TENTATIVA DE DEFINIÇÃO
Sexo  Classificação biológica das pessoas como machos ou fêmeas, baseada em características orgânicas (cromossomos, hormônios e órgãos reprodutivos)
Intersexo  Pessoas intersexo apresentam, ao nascimento, infância ou na adolescência, variação da genitália (interna e externa) que não se encaixam na categorização binária macho ou fêmea
Orientação sexual  Classificação pessoal relativa a atração afetiva e sexual por outro. É a sexualidade vivenciada internamente em projeção com alguém de mesmo gênero (homossexual: gay ou lésbica), diferente (heterossexual), por ambos os gêneros (bissexual) ou indiferente (assexual)
Gênero  Classificação pessoal e social das pessoas como homens ou mulheres. Compreende um conjunto de papéis e expressões de gênero e independe do sexo de nascimento
Identidade de gênero  Gênero com o qual uma pessoa se identifica, que pode ou não concordar com o gênero que lhe foi atribuído quando de seu nascimento
Cisgênero  Pessoas que se identificam com o gênero que lhes foi atribuído quando de seu nascimento
Transgênero  Pessoas trans que não se identificam, em diferentes graus e períodos de vida, com comportamentos e/ou papéis esperados do gênero que lhes foi atribuído quando de seu nascimento
Crossdresser  Pessoa que periodicamente se veste, usa acessórios e/ou reitera expressões de gênero diferentemente do que é socialmente estabelecido para o seu gênero atribuído ao nascimento, porém sem se identificar como travesti ou transexual
Transexual  Termo genérico que caracteriza a pessoa que não se identifica com o gênero que lhe foi atribuído quando de seu nascimento
Homem transexual  Pessoa que reivindica o reconhecimento social e legal como homem. Alguns também se denominam transhomens ou homem trans, ou ainda do inglês Female-to-Male (FtM)
Mulher transexual  Pessoa que reivindica o reconhecimento social e legal como mulher. Algumas também se denominam transmulheres ou mulher trans, ou ainda do inglês Male-to-Female (MtF).
Travesti Denominação autoproclamada de uma pessoa que vivencia papéis de gênero feminino, mas não se reconhece como homem ou mulher, entendendo-se como integrante de um terceiro gênero ou de um
não gênero
Drag Queen/Drag King Artista transformista que se veste de maneira estereotipada e alegórica, conforme os papéis de gênero masculino ou feminino, como arte ou entretenimento
Queer Pessoa trans não binária, ou andrógino, que não se enquadra em nenhuma identidade ou expressão de gênero fixa. Termo que pode variar em diferentes culturas e sociedades
   Fonte: JESUS, Jaqueline Gomes de. Orientações sobre identidade de gênero: conceitos e termos. In: 2012. Guia técnico sobre pessoas transexuais, travestis e demais transgêneros, para formadores de opinião. [e-book] Disponível em: <http://www.sertao.ufg.br>. Acesso em: 26 Set. 2019.

Núcleo de Estudos, Pesquisa, Extensão e Assistência à Pessoa Trans Professor Roberto Farina

Há mais de três anos, o Núcleo TransUnifesp realiza, na última terça-feira de cada mês, reuniões abertas ao público para discussões e trocas sobre temáticas relacionadas à diversidade sexual e de gênero.

Ambulatório do Núcleo TransUnifesp

Inaugurado em 2017, é a parte assistencial do Núcleo TransUnifesp. Recebeu esse nome em memória a Roberto Farina, cirurgião plástico da EPM/Unifesp e pioneiro na cirurgia urogenital para transexuais no Brasil, em 1976. O atendimento ambulatorial conta hoje com profissionais das áreas da cirurgia plástica, endocrinologia, enfermagem, fonoaudiologia, ginecologia, psicologia, psiquiatria, serviço social, terapia ocupacional e urologia. Adicionados recentemente, residentes da endocrinologia, psiquiatria e medicina geral e de família também oferecem apoio. Abre suas portas à comunidade trans todas às terças-feiras, das 13h às 17h, na Rua Napoleão de Barros, nº 859.

Programa Multtisaberes de Cidadania e Saúde para Travestis, Transexuais e Intersexo 

Conjunto de atividades voltadas ao acolhimento e à promoção de saúde da população composta por travestis, mulheres e homens transexuais e intersexo. Visa, também, a troca de conhecimentos científicos e saberes populares. Apoia ações de outros setores acadêmicos da instituição e de movimentos sociais, como o Instituto Brasileiro de Transmasculinidade (Ibrat) e a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), visando à redução da homotransfobia. 

Projeto Diálogos de Capacitação do Atendimento

Pretende contribuir para o acolhimento e atendimento humanizado, livre de preconceito e discriminação, realizando rodas de conversa em cada setor solicitante, palestras, seminários, cursos e apresentação dialogada sobre diversidade sexual e de gênero para profissionais da saúde. A proposta não se restringe às equipes de saúde, mas compreendem todos os trabalhadores que atuam nos equipamentos de saúde da Unifesp e fora, especialmente em hospitais e unidades básicas de saúde (UBS).

Projeto Extramuros

Visa incentivar as ações de extensão protagonizadas pelos estudantes e profissionais de saúde - de dentro e de fora da universidade - a integrarem, por meio de reuniões mensais, fóruns, seminários, congressos e semana da diversidade, a população de travestis, mulheres e homens transexuais e pessoas intersexo.

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(Fotografia: Daniel Patini)

“A criação e o desenvolvimento das atividades do Núcleo TransUnifesp nesses últimos anos só foram possíveis porque conseguimos fazer aproximar e prosperar o espírito extensionista e transformador social, vanguardista e solidário, libertador e inovador no modo de pensar acadêmico dialógico, de um grupo de pesquisadores e estudantes. Para ele(a)s nossa gratidão: Adriano Brasolin, Aécio Gois, Ana Fanganiello, Anderson Rosa, Ariadne Ribeiro, Bernardo Bahe, Caroline Hur, Claudia Takano, Cristiana Silva, Cristiane Gonçalves, Ivaldo Silva, Daniela Monteiro, Danilo Rosa, Denise Vieira, Élen Santoro, Maria Ester de Almeida, Eunice Santana, Fernando Calderan, Fernando Silveira, Gustavo Parra, Giovanna Zavadzki, Jair Mari, Juliana Portas, Juliana Alves, Lydia Ferreira, Maria José Fernandes, Marair Sartori, Marisa Mota, Mariana Rosa Borges, Matheus Brandão, Nayla Pereira, Pedro Paulo, Natalia Rocha, Raiane Assumpção, Rafael Zeni, Raquel Pimentel, Renata Azevedo, Valéria Petri, Samira Yarak e Soraya Smaili.”

Magnus Silva

nucleotrans.unifesp.br

www.facebook.com/NucleoTransUnifesp/

 
Publicado em Edição 12
Quinta, 19 Dezembro 2019 09:50

Educação no combate à discriminação

Começando na sala de aula, Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros (Neab/Unifesp) é o principal responsável na universidade por ações de promoção da igualdade racial

Texto: Paula Garcia

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Estudantes do curso Cultura Afro-brasileira, na Unidade Avançada de Extensão Universitária Santo Amaro (Imagem: arquivo)

Após a redemocratização do Brasil, diferentes movimentos negros passaram a enxergar a educação como uma aliada ao combate à discriminação racial e à inclusão das minorias étnicas. Ações para difusão do conhecimento sobre a temática étnico-racial dentro de instituições de ensino foram ganhando expressão e visibilidade. Com a criação da Lei nº 10.639 de 9 de janeiro de 2003, instituindo a obrigatoriedade do ensino sobre história e cultura afro-brasileira nos estabelecimentos educacionais, e com a criação do Plano Nacional de Implementação das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, em 2004, os coletivos existentes ganharam força para o aumento de sua produção.

Em 2005, por meio do Programa de Ações Afirmativas para a População Negra nas Instituições Federais e Estaduais de Educação Superior (Uniafro), há o reconhecimento dessa representatividade dentro das instituições e alguns grupos começam a se organizar na forma de núcleos de estudos. “Antes as ações não eram unificadas, articuladas ou centralizadas em um órgão específico, mas de alguma forma respondiam a um conjunto de demandas que vinham sendo historicamente colocadas por ativistas dos movimentos negros no Brasil como um todo”, contextualiza o coordenador do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros (Neab/Unifesp), José Carlos Gomes da Silva.

Existem no Brasil mais de 150 Neabs atuantes nas instituições federais de ensino superior, conforme dados do último relatório da Associação Brasileira de Pesquisadores Negros (ABPN), que visam desenvolver ações, quase sempre no campo da educação, mediante atividades extensionistas, que de alguma forma buscam aproximar a universidade da sociedade, em especial da população negra.

Neab como instância local

A história do Neab dentro da Unifesp começa quando Silva ingressa como docente no Departamento de Ciências Sociais da Escola de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (EFLCH/Unifesp) - Campus Guarulhos, no ano de 2009, já tendo em sua trajetória a constituição de um núcleo na Universidade Federal de Uberlândia (UFU). A partir de 2010, ao se reunir com Cleber Santos Vieira e mais alguns docentes negros do campus, se inicia uma conversa sobre a possibilidade de formação do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros na universidade. “Isso não quer dizer que as ações aconteceriam só após a institucionalização. Esses professores, em conjunto com estudantes negros, já vinham desenvolvendo atividades com caráter do que seria o Neab hoje, como semanas de consciência negra e cursos de extensão”, explica Silva.

Em 2015 a Unifesp insere-se no contexto das políticas públicas de promoção da igualdade racial e de combate ao racismo planejadas em âmbito nacional, com a criação do seu Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros, colocando a instituição em sintonia com os marcos legais que regulamentam o tema para as atividades meio e fim no ensino superior.

Por meio da Pró-Reitoria de Extensão e Cultura (Proec/Unifesp), o Neab/Unifesp desenvolve ações de caráter extensionista, como cursos e palestras, tendo respaldo integral durante a Semana da Consciência Negra, evento anual mais importante do programa. A Proec/Unifesp também assegura um bolsista do convênio firmado entre a Unifesp e o Santander Universidades, responsável pelo suporte de todas as atividades do núcleo. Já em parceria com a Pró-Reitoria de Graduação (Prograd/Unifesp), o Neab/Unifesp tem estudado a atuação na graduação, com o intuito de inserir conteúdos relacionados à temática racial na grade curricular dos diferentes cursos da universidade.

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Atividade do curso Cultura Afro-brasileira: fundamentos para a prática pedagógica (Imagem: arquivo)

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Reunião do núcleo para planejamento de atividades (Imagem: José Luiz Guerra)


Igualdade racial e combate ao racismo

Como programa de ação afirmativa dentro das instituições federais de ensino superior, o Neab tem como missão articular suas atividades com os planos de ensino, pesquisa e extensão no contexto organizacional universitário, inserindo conteúdos relacionados à temática racial. Oficinas, grupos de formação, minicursos e palestras foram implementados desde a sua criação na Unifesp e se solidificaram com o passar dos anos. Um exemplo é o curso de extensão Cultura Afro-Brasileira: fundamentos para a prática pedagógica (2012-2013), ministrado na Unidade Avançada de Extensão Universitária Santo Amaro, abarcando um público de estudantes bem diversificado, como professores, discentes de graduação e pós-graduação, pessoas da sociedade civil, ativistas dos movimentos sociais e comunidades negras da capital e do interior de São Paulo.

Em parceria com a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (Secadi), do Comitê Gestor Institucional de Formação Inicial e Continuada de Profissionais da Educação Básica (Comfor) - ambos ligados ao Ministério da Educação, à Unifesp e à Prefeitura de São Paulo criaram a pós-graduação lato sensu intitulada Política de Promoção da Igualdade Racial Na Escola (Uniafro), de 2014 a 2016, para professores da rede municipal de ensino, com o total de 250 cursistas.

Além da parte de formação, o Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros tem papel essencial no combate à discriminação racial, atuando frente às manifestações de racismo e tensões raciais que emergem na instituição, sendo convocado para assessorar, opinar ou contribuir com a resolução de conflitos. Também integra a ação de enfretamento das denúncias que a universidade recebe, referente ao uso indevido ou possível fraude nas cotas raciais. “Desempenhamos o papel de discutir e buscar estratégias para resguardar esse direito e para preservar a própria instituição de possíveis medidas jurídicas”, finaliza Silva.

www.facebook.com/NEAB.Unifesp1

 
Publicado em Edição 12

MemoRef, Licenciatura Indígena e cursinhos populares integram conjunto de ações de extensão intercampi voltadas à promoção de direitos humanos, imigração e interculturalidade

Texto: José Luiz Guerra e Paula Garcia

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(Fotografia: Alex Reipert)

A Coordenadoria de Direitos Humanos (CDH/Unifesp) concentra programas de extensão institucionais voltados especificamente à promoção da cidadania de jovens e idosos, refugiados e indígenas. Aqui falamos dos cursinhos populares, da Universidade Aberta para as Pessoas Idosas (Uapi/Unifesp), do Memorial Digital do Refugiado (MemoRef), da Licenciatura Indígena (em fase de estruturação) e da Cátedra Kaapora. Conforme explica Débora Galvani, docente da Escola de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (EFLCH/Unifesp) - Campus Guarulhos, a meta da coordenadoria consiste em acompanhar e cuidar das ações, intercampi e interdisciplinares, que dizem respeito a ampliar o acesso à universidade por meio da promoção dos direitos humanos. “Trata-se de abraçar a questão do envelhecimento, o acesso das pessoas idosas à universidade e as práticas intergeracionais (no caso das Uapis), ou valorizar as iniciativas de ampliação de acesso à educação para uma população que, no geral, não consegue acessar (no caso dos cursinhos”, elucida.

Universidade Aberta para as Pessoas Idosas (Uapi): nunca é tarde para aprender

“Hoje eu sinto a essência da vida, coisa que eu não sentia antes”. A frase de Esther de Carvalho, 83 anos, estudante da unidade de São Paulo da Universidade Aberta para as Pessoas Idosas (Uapi/Unifesp), resume a importância e o impacto do projeto, tanto para a universidade quanto para as pessoas que são beneficiadas por ele.

Criada em agosto de 1999, tem como propósitos principais a reciclagem do conhecimento, a socialização, a inserção social e atualização, destacando-se como uma das iniciativas pioneiras no Brasil na área. As aulas são voltadas para maiores de 60 anos, seguindo a classificação de pessoas idosas da Organização Mundial da Saúde, e cada um dos projetos oferece a seus estudantes aulas sobre diversos temas- artes, curso de línguas, direitos humanos e inclusão digital. 

Com o processo de expansão da universidade, o curso também se expandiu, e atualmente conta com cinco unidades: São Paulo, Baixada Santista, Diadema, Embu das Artes e Santo Amaro. O próximo passo, que já está sendo discutido entre os coordenadores das Uapis e a Coordenadoria de Direitos Humanos, é a criação do núcleo das universidades abertas à pessoa idosa, o que, na visão geral, contribuirá para garantir a continuidade do trabalho realizado.

Primeira unidade em funcionamento, a Uapi/Unifesp do Campus São Paulo existe desde 1999. Nesses 20 anos, já recebeu mais de 1.500 idosos. Coordenada por Claudia Ajzen, que participa das atividades desde o início, conta com aulas todas as terças e quintas-feiras à tarde, contemplando, anualmente, 80 discentes. Devido à grande procura, é necessário que o(a) candidato(a) entre em uma lista de espera para a matrícula. O curso tem duração de um ano.

Na Baixada Santista, a Uapi/Unifesp funciona desde 2006 - um dos primeiros projetos de extensão do campus, e já beneficiou cerca de 1.300 idosos. Anualmente são abertas duas turmas de 50 pessoas cada, com aulas às sextas-feiras, no período da tarde. Durante o curso, além das atividades regulares oferecidas, os estudantes podem se matricular em algumas disciplinas dos cursos de graduação que oferecem vagas específicas para a Uapi/Unifesp, e também de participarem de outros projetos de extensão oferecidos pelo campus. O projeto é coordenado por Ricardo Guerra, docente do curso de Educação Física do Instituto de Saúde e Sociedade (ISS/Unifesp).

Além desses, são ofertadas 50 vagas no Campus Diadema e 30 vagas na Unidade de Extensão de Embu das Artes. Na Unidade de Extensão de Santo Amaro, as atividades focam em práticas contemplativas e inclusão digital.

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A coordenadora da Uapi/Unifesp em São Paulo, Claudia Ajzen, ministrando aula para os estudantes da unidade (Fotografia: Alex Reipert)

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Grupo de estudantes da Uapi/Unifesp na Baixada Santista apresentando trabalho (Fotografia: Alex Reipert)


Cursinhos comunitários – Um empurrãozinho para a vida acadêmica

Os cursinhos comunitários são iniciativas organizadas por estudantes e servidores da Unifesp que visam auxiliar os egressos do ensino fundamental e médio a se prepararem para concursos de vestibulinho e vestibular de acesso a escolas técnicas estaduais, institutos federais e universidades. 

Dispostos a promover a inserção social desses jovens e adultos, muitos com defasagem em seu aprendizado, seus professores trabalham com atividades que estimulam a formação cultural, coletiva e política. 

Alguns desses cursinhos chegam a garantir um índice de 30% de aprovação nos vestibulares das principais universidades.

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Estudantes do Cursinho Popular Pimentas Unifesp (CPPU) / Imagem: divulgação em rede social

Cursinho Pré-vestibular Jeannine Aboulafia (Cuja)

  • Campus: São Paulo
  • Fundado em: 2001
  • Vagas ofertadas: 168
  • Público-alvo: Estudantes e egressos de escolas públicas ou de baixa renda
  • Inscrições: Início de dezembro
  • Processo seletivo: Avaliação socioeconômica e prova de conhecimentos gerais
  • Custo: O curso é gratuito, com uma taxa de inscrição (R$ 20) e uma de matrícula (R$ 30)

www.cujaunifesp.com

www.instagram.com/cuja.unifesp

www.facebook.com/cujaunifesp

Cursinho Popular Cardume

  • Campus: Baixada Santista
  • Fundado em: 2012
  • Vagas ofertadas: 120
  • Público-alvo: Estudantes e egressos de escolas públicas
  • Inscrições: Início de fevereiro
  • Processo seletivo: Avaliação socioeconômica
  • Custo: O curso é totalmente gratuito

 

www.unifesp.br/campus/san7/extensao/cursinho-poupular-cardume

www.facebook.com/cursinhocardume/

www.instagram.com/cardumeunifesp/

Cursinho Popular Pimentas Unifesp

  • Campus: Guarulhos
  • Fundado em: 2009
  • Vagas ofertadas: 320
  • Público-alvo: Estudantes e egressos de escolas públicas
  • Inscrições: Em janeiro
  • Processo seletivo: Por meio da análise de uma redação
  • Custo: O curso é gratuito, com uma taxa de inscrição (R$ 10)

cursinhounifesp-guarulhos.blogspot.com/

www.facebook.com/cursinhounifespguarulhos/

Articula Cursinhos - Cursinho Integra e Cursinho do GEB

  • Campus: Diadema
  • Fundado em: 2017
  • Vagas ofertadas: 60
  • Público-alvo: Estudantes e egressos do ensino médio
  • Inscrições: Início de fevereiro
  • Processo seletivo: Inscrição on-line
  • Custo: O curso é gratuito, com uma taxa de matrícula (R$ 40)

www.facebook.com/articulacursinhos/

MemoRef - Apoio aos que buscam uma nova vida

Dados do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur) apontam que o número de refugiados no mundo cresceu 50% nos últimos 10 anos, alcançando 25,4 milhões de pessoas nessa situação. Essa crescente movimentação social demanda aos países que os recebem uma série de ações de acolhimento. 

Uma dessas ações surgiu em 2015, pelas mãos de Marina Reinoldes, graduada em Letras pela Escola de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (EFLCH/Unifesp) – Campus Guarulhos. Quando discente, ela ministrava voluntariamente aulas na ONG Oásis Solidário, na mesquita do Pari, e resolveu convidar outros colegas de curso para ajudarem. “Como a procura foi grande, decidi tentar levar o projeto para a EFLCH/Unifesp e começamos a organizá-lo”, explica. 

O programa possui três eixos principais: ações culturais que integram a comunidade acadêmica ao entorno, aulas de língua e cultura brasileira para refugiados, alimentação do memorial digital do refugiado, contando por meio da história oral o relato de vida dos estudantes. Além do apoio institucional, que ocorre por meio da CDH/Unifesp, da qual o programa faz parte, atualmente, o projeto tem apoio da Cáritas Arquidiocesana de São Paulo, da ACNUR e do Conselho Municipal de Assistência Social de Guarulhos. Em 2018, expandiu suas atividades para o Campus São Paulo da Unifesp e recebeu o Selo de Direitos Humanos e Diversidade, concedido pela Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania da Prefeitura de São Paulo (SMDHC/SP), concedido a empresas e organizações que promovem políticas de inclusão de diferentes segmentos da população no mercado de trabalho.

O ensino da língua portuguesa também é oferecido por meio de um curso oferecido pela própria CDH/Unifesp, voltado para a inserção de estudantes estrangeiros em cursos de graduação da universidade, por meio do Programa Estudante Convênio de Graduação (PECG). “O curso é pioneiro no Estado de São Paulo e além de ser um curso de português, é um programa de acolhimento, já que muitos desses estudantes passam por situações de racismo e xenofobia na sociedade e nós montamos esse programa já sabendo de tudo isso e pensando em estratégias de acolhimento,” explica Galvani.

Outra ação ligada ao apoio aos refugiados é o Curso de Saúde Mental, Imigração e Interculturalidade. Nascido como um curso de curta duração, em três anos tornou-se um curso de especialização, com oferta de trinta vagas anuais, mas com uma procura bem maior do que isso. “Esse ano tivemos cerca de 500 inscrições no curso. Se tivéssemos mais estrutura, provavelmente teríamos chance de ampliá-lo”, afirma Galvani, uma das coordenadoras do curso. Para ela, a atividade é importante, já que o tema ainda é pouco discutido nas universidades. “A gente percebe uma demanda enorme de gente que está atendendo nos serviços de saúde, assistência e educação, em ONGs, com pouca formação em relação às demandas dos imigrantes”, completa.

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Turma de estudantes do MemoRef (Fotografia: José Luiz Guerra)

Entreteses022 MemoRef material didatico

Um dos materiais didáticos produzidos pela equipe do MemoRef (Fotografia: José Luiz Guerra)

Licenciatura indígena - Espaço para discussão sobre saberes dos povos indígenas e quilombolas

Um espaço para propor formas de troca e diálogos com grupos tradicionais, populares, não hegemônicos e não ocidentais. Com essa missão, a Cátedra Kaapora foi instalada na Unifesp em 2014. Desde então, foram realizadas inúmeras atividades, com o intuito de passar os ensinamentos relativos às culturas indígenas e quilombolas, geralmente contadas pelos próprios membros dessas comunidades, aos estudantes da Unifesp. 

Coube também à cátedra e à Coordenadoria de Direitos Humanos atuar no apoio ao desenvolvimento da licenciatura indígena. A partir de uma demanda do Fórum de Professores Indígenas do Estado de São Paulo (Fapisp) e do Comitê Interaldeias de São Paulo, a Unifesp se mobilizou para pensar em estratégias de apoio à formação na área, diante da impossibilidade imediata de criar uma licenciatura. “Quando a gente recebe essa demanda, a Cátedra Kaapora é convidada a nos ajudar na discussão e no entendimento e a demanda deles é bastante específica, que é de conteúdo e perspectiva de ensino, como a gente cria uma forma de produção de conhecimento atrelada às aldeias, à demanda das escolas indígenas, e também uma demanda dos professores”, diz Galvani. 

E pensar em licenciatura indígena não se restringe apenas ao currículo, mas às características desse público, alternando atividades na universidade e nas aldeias, situadas na região de Parelheiros, extremo sul de São Paulo, permitindo a manutenção das tradições indígenas. “Tomamos todos os cuidados com alojamento, com as crianças. Já que as famílias não podem se separar das mães, precisa de espaço para manter as suas práticas, como a alimentação, a reza, o fumo, a presença do Pajé, se alguém adoece... são vários elementos e a concepção do curso precisa levar em conta tudo isso”, completa a coordenadora da CDH/Unifesp.

Entreteses024 Atividade de construção do projeto político pedagógico PPP

Atividade de construção do Projeto Político-Pedagógico da Licenciatura Indígena

Entreteses023 Coordenadores do projeto e professores indigenas

Coordenadores do projeto de Licenciatura Indígena da Unifesp e professores indígenas

CAAF/Unifesp consolida modelo de investigação sobre violação de direitos humanos no Brasil

O Centro de Antropologia e Arqueologia Forense (CAAF/Unifesp) tem desenvolvido, durante seus cinco anos de existência, projetos importantes com foco na defesa dos direitos humanos. Os dois principais são a pesquisa sobre os Crimes de Maio de 2006, que investigou os episódios de violência de Estado a partir das execuções ocorridas na região da Baixada Santista há 12 anos, e o Grupo de Trabalho Perus (GTP), instituído em 2014 a partir de um acordo de cooperação técnica entre as Secretarias Nacional e Municipal de Direitos Humanos e a Unifesp, com a finalidade de analisar os restos mortais encontrados em 1990 no local que ficou conhecido como vala clandestina de Perus, no Cemitério Dom Bosco, na zona norte de São Paulo.

Dois cursos, vinculados à Coordenadoria de Direitos Humanos da Proec/Unifesp, decorrem da consolidação do órgão: o curso de especialização em Antropologia Forense e Direitos Humanos, criado em 2017, e o curso de especialização em Direitos Humanos e Lutas Sociais. A especialização em Antropologia Forense, fruto de uma parceria do centro com a Secretaria Especial de Direitos Humanos (SEDH) do Governo Federal e do apoio da Secretaria de Segurança Pública Nacional (Senasp). Já a especialização em Direitos Humanos e Lutas Sociais busca articular os saberes emergentes das lutas com a produção acadêmica, objetivando qualificar a trajetória e a atuação das várias militâncias e ativismos em direitos humanos.

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Publicado em Edição 12
Terça, 17 Dezembro 2019 15:17

Sou mais importante do que pensam...

Você! É você mesmo! Aproxime-se, vamos conversar. Aliás, contar histórias e dialogar sobre elas são dois momentos dos quais gosto tanto, desde que, lógico, envolvam você e a universidade pública. É nessas ocasiões que tenho a oportunidade de trazer o conhecimento popular e o conhecimento científico para o mesmo espaço, fazendo da troca de saberes o principal fermento para a produção acadêmica brasileira. Eu e meus irmãos, o ensino e a pesquisa, somos, inclusive, inseparáveis. Tal união está até oficializada, há mais de 30 anos, no artigo 207 da Constituição da República Federativa do Brasil, de modo que nunca nos dissociássemos, justamente para levar o melhor da educação superior pública a você, que me lê agora.

Provavelmente você ouviu falar de mim. Pelo menos, deveria. Por alguns, sou conhecida como filantropia; por outros, como assistência social. No entanto, não é apenas isso. É comigo que a universidade promove inovação social, algo que muda e muito a sua vida. Inovação social, digamos, é aquele conceito moderno – mais efetivo, eficiente, justo – que resume a lacuna entre os problemas que enfrentamos e as soluções que oferecemos. E é desse universo que nascem novos modelos benéficos à população, como economia solidária, empreendedorismo social, gestão comum de bens e terceiro setor – este último termo, com certeza, você já o leu por aí, e é a partir dele que eu firmo parcerias para que essas práticas o atinjam.

Acredito que deu para notar certas características minhas, mas quero que saiba que sou também exigente. Lá atrás, no ano de 1999, as instituições públicas de ensino superior se reuniram para decidir em quais áreas do conhecimento seria permitido que se registrassem cursos, projetos, programas, eventos e prestação de serviços para atender a todos, do norte ao sul do país. Essas ações, portanto, devem estar bem alinhadas com educação, saúde, meio ambiente, comunicação, cultura, direitos humanos, tecnologia e trabalho.

O interessante é que, por conta do envolvimento com essas temáticas, as propostas acabam oferecendo não só finalidades distintas, mas alcançam também diferentes públicos. Desde a criação de jogos de tabuleiro para estimular o aprendizado sobre doenças infecciosas até o desenvolvimento de unidades de software que fornecem soluções para o fluxo de trabalho em organizações sociais sem fins lucrativos. A promoção de atividades e a prestação de serviços para idosos, pacientes com fibromialgia, refugiados, travestis e transexuais. Pode surgir da intenção de um grupo em buscar partes da história e da memória do país por meio da identificação de mortos e desaparecidos políticos ou pode surgir do propósito de outro em mostrar a brasilidade e a importância comunitária por meio das ondas sonoras de uma rádio escola. Minha missão é simples e, ao mesmo tempo, complexa: proporcionar respostas às demandas da sociedade.

Aqui, na Unifesp, mantenho 43 programas e 179 projetos. Sou inspiração para tantas atividades que você nem sabe que estão sob minha responsabilidade. A formação, por exemplo, de cerca de 1.400 residentes médicos e multiprofissionais que auxiliam no atendimento dos milhares de pacientes que adentram o Hospital São Paulo, reconhecido como hospital universitário, e seus ambulatórios. A prática empresarial e o empreendedorismo, temas trabalhados pelas oito empresas juniores que fortalecem o relacionamento dos estudantes com o mercado profissional. Existem ainda os observatórios, espaços de articulação democrática capazes de contribuir para o monitoramento e a transformação da realidade.

Normalmente não estou prevista nos cálculos das universidades públicas – assunto tratado por Naomar de Almeida Filho e que apresento mais adiante. A situação está mudando, mas as verbas orçamentárias são majoritariamente utilizadas no ensino, enquanto os recursos para pesquisa advêm das agências públicas de fomento. E eu, onde fico? Continuo ajudando a produzir parte da transformação social que, direta ou indiretamente, atinge você. Então, percebeu o quão sou importante?

Se não me conhecia, prazer. Eu sou a extensão universitária.

Texto: Juliana Narimatsu e Valquíria Carnaúba

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Publicado em Edição 12
Terça, 17 Dezembro 2019 10:33

Perfis

Muito mais do que o simples contorno da lateral de um rosto, o perfil é uma oportunidade de conhecermos as pessoas a fundo. Sejam tímidas ou extrovertidas, novas ou idosas, sejam próximas ou distantes, todas possuem uma história para contar e, apesar de aparentemente ser comum, o relato de vida desses indivíduos é único e, por isso, significativo. Brenda Barbosa, Gustavo Leonel e Vanessa Gonçalves nos ofereceram essa chance: a de escutarmos suas palavras por meio da literatura, identificarmos quem são e entendermos suas transformações por meio da extensão da Unifesp

Texto: Juliana Narimatsu

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(Fotografia: Alex Reipert)

A escola de Brenda

Do sonho de costureira para mestranda na Unifesp, jovem se dedica a trazer a educação pública e popular de qualidade aos seus pares

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(Fotografia: Alex Reipert)

“Lembrar sempre de sonhar, de alargar os horizontes e de agir para que aconteça.” Brenda é assim. Aos 26 anos, faz o que muitos apenas pensam. Sua aparição na Unifesp se inicia na época da graduação, quando não se acreditava que uma jovem negra, da periferia do Grajaú, em São Paulo, poderia cursar o ensino superior, mais ainda em uma universidade pública. Brenda não só se apropriou do espaço educacional, tornando-se uma estudante assídua, mas assumiu o papel de agente transformadora, inspirada em uns e estimulando outros a se envolver em ações coletivas.

Na verdade, tal envolvimento vem de antes. O episódio se deu no ensino fundamental II. Brenda observou que, fora ela, outros coleguinhas de diferentes turmas chegavam cedo na escola e ficavam tediosos até a aula começar. Decidiu levar o problema para a diretora trazendo logo uma solução: liberar os brinquedos do recreio. “Eu me liguei que, além de perceber a situação, é possível mudá-la”.

E lá foi Brenda preencher o resto do dia com atividades extracurriculares, mesmo que não organizadas pela escola. Nesses casos, cabia aos próprios estudantes a organização e execução. Participou dos programas de capacitação para desenvolvimento de projetos sociais – um promovido pela ONG Labor e outro pelo Aprendiz Comgás –, aperfeiçoando movimentos culturais oferecidos pela própria escola, voluntariou-se como monitora da biblioteca, idealizou a formação de um grêmio estudantil para dar continuidade às ações de extensão e, no fim do ensino médio, planejou um grupo de estudos preparatórios para o vestibular. Conseguiu ainda reservar um tempo para uma partida de futebol, levando o time Vai ou Racha – Parte II para a final do campeonato interclasses. 

Fato é que não se via a escola sem Brenda. Nem Brenda sem a escola. Mas quem é Brenda Barbosa da Silva? Filha de pernambucanos, a mãe, vendedora de doces, e o pai, laminador. Libriana, caçula da família, tem certa facilidade com trabalhos manuais. Seu desejo na juventude, inclusive, era de ser costureira. Aos 13, para ajudar nas despesas de casa, arranjou um bico na linha de confecção de bolsas de uma fábrica. Cinco centavos por cada arremate. Poderia continuar ali. Preferiu, no entanto, encontrar um emprego formal entregando seu currículo como aprendiz de porta em porta. Num mundo em que a realidade pode limitar os sonhos, o melhor para Brenda era fazer acontecer. E, apesar da rotina exaustiva, não abriu mão dos estudos.

Entendeu só depois que sua vivência foi a chave para o ensino superior. Visualizou que o Serviço Social era a oportunidade de profissionalizar suas iniciativas e colocar outras em prática. Na sequência do diploma de graduação da Unifesp, engatilhou um mestrado na USP Leste. A energia de caloura perdurou durante todo o curso, impulsionando-a a complementar sua formação com projetos de extensão: foi bolsista na tutoria do PET Educação Popular e, dali, fez parte da criação do cursinho pré-vestibular da Baixada Santista, o Cardume, sendo ainda professora voluntária de Redação. Mas Brenda não se deu por satisfeita.

Foi com tal talento sensitivo, somado à característica própria de identificar aspectos inesperados em situações esperadas, que Brenda decidiu fazer um novo mestrado, dessa vez na Unifesp. Ao contribuir com o trabalho de tutora no Projeto de Desenvolvimento Acadêmico Abdias Nascimento, cursinho preparatório para a pós-graduação, notou as dificuldades da primeira turma. Da elaboração do projeto de pesquisa ao modelo hierarquizado do processo de ingresso. O sininho do Serviço Social a despertou para continuar analisando o contexto educacional. “Sem romantizar, tive que apanhar, mas cresci muito. Não acredito que é preciso sofrer para aprender. Por isso, tenho um senso forte de responsabilidade e quero antecipar e colaborar para que novas estratégias possibilitem que outras Brendas apareçam por aí”.

A história de Gustavo

Muito mais do que aprender a partir da realidade do outro, é perceber que também podemos fazer mais por ele

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(Fotografia: Alex Reipert)

Você, agora, é chamado pelo nome de Edmond Dantès. E vive em uma prisão, onde há boatos que ninguém conseguiu escapar. Mas sua liberdade e bondade escaparam por suas mãos após ser condenado por um crime que não cometeu. Como lidar com tal destino? Difícil resposta! Talvez você já a sabe. Tem conhecimento do norte que o marinheiro de Alexandre Dumas, em O Conde de Monte Cristo, decidiu se guiar. A literatura nos oferece essa oportunidade, a de navegar por diferentes mares, de chegar a lugares nunca desbravados e aprender. Ok, partiremos para uma outra história, desconhecida, mas possível de ser comum.

Você escolheu ser Derfel Cadarn, mas não o guerreiro leal de rei Arthur, apenas apropriou-se das características do personagem para trazer para os dias atuais. É uma pessoa tímida, monossilábica de vez em quando, calada na maioria das vezes, mas possui um sorriso cativante. Busca refúgio nos livros e na escrita. Gosta de diários. Gosta de pinturas. Admira Monet e Van Gogh e até cogitou cursar Artes na graduação. No entanto, por conta da facilidade com os números, optou por fazer Ciências Contábeis na Unifesp.

Você é um homem trans. A notícia sobre seu ingresso no ensino superior trouxe uma mistura de alegria e preocupação. Sinceramente, mais preocupação. Você não queria frequentar um novo ambiente, ainda mais universitário, pois estava no começo da sua transição. Mas resolveu encarar. Não só uma, nem duas, mas três vezes. Os constrangimentos insistiram em permanecer e os boatos correram soltos. Mesmo mudando de semestre, mesmo mudando de turma, certos colegas não mudaram suas atitudes. 

Você não consegue apoio na família. O relacionamento não chega nem perto dos exibidos por comerciais de margarina. Com sua mãe, dialoga só o necessário. Seus irmãos escolhem ignorar sua existência. Já seu pai, distante desde a infância, mal troca uma palavra ou um olhar. Ele, inclusive, tentou expulsar você de casa. A péssima convivência reverbera com os demais parentes, até por aqueles que sente apreço. Contudo, existe ainda quem goste de colocar o papo em dia, que prefere a sua companhia para sair. Seu avô, com 85, é essa exceção. 

Você decide, então, enfrentar os desafios por empoderamento. Trabalha e estuda. Sim, voltou a cursar a graduação por uma causa política, para ocupar os espaços em que a população trans é minoria*. Atua em uma startup, uma conquista suada depois de inúmeras entrevistas em outras empresas. A busca por um emprego foi, aliás, uma época complicada, já que estava sofrendo de ansiedade social. A doença foi melhor trabalhada com a ajuda de uma psicóloga do Ambulatório de Saúde Integral para Travestis e Transexuais, local que frequenta e se trata desde 2016. 

Você é voluntário do Núcleo Trans da Unifesp. O envolvimento se deu logo no início, também em 2016, no fórum de criação, quando sentiu, pela primeira vez, que não estava sozinho. Apesar dos dias corridos, participou das reuniões de desenvolvimento do projeto e contribuiu no planejamento e divulgação de suas atividades. Lá, foi um espaço que possibilitou a você se conhecer e também conviver, não só com estudantes trans, mas diferentes formas de pensamentos e vivências. Sua contribuição foi o caminho para promover novas ações, levando a discussão de gênero e diversidade para todos os campi e para o hospital universitário.

Você é Gustavo Parra Leonel e esse é um breve relato da sua história. “Foi uma montanha russa, com muitos altos e baixos, mas, agora, os loopings cessaram, finalmente! Eu evolui como pessoa, e o fato de ver outras realidades fez eu perceber que posso fazer mais pelos outros, trazer melhores condições para população. Nosso maior desafio é o preconceito, sempre vai haver, mas é por isso que precisamos exercitar, todos os dias, a empatia”, você finaliza.

*De acordo com a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), 0,02% da população de travestis e transexuais estão na universidade. 

ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE TRAVESTIS E TRANSEXUAIS. Mapa dos assassinatos de travestis e transexuais no Brasil em 2017. Brasília: ANTRA, 2018, 121 p. Relatório disponível em: <https://antrabrasil.files.wordpress.com/2018/02/relatc3b3rio-mapa-dos-assassinatos-2017-antra.pdf>. Acesso em: 20 set. 2019.

Vanessa do Jardim Santa Mônica

Dado o devido valor ao que tinha e não tinha, Vanessa acabou dando valor a si mesma

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(Fotografia: Alex Reipert)

O Jardim Santa Mônica poderia ser um bairro igual a todos os outros em São Paulo. Poderia, se não fosse por uma família. Lá dentro há desafios de uma metrópole inteira. É o pedaço da realidade na utopia de uma cidade grande. O protesto à tão gritante e comum desigualdade social. O Jardim Santa Mônica é o lar de uma jovem perspicaz, que a partir das dificuldades encontrou motivos para aprender e transformar. É o lar de Vanessa da Silva Pereira Gonçalves.

Ninguém sabe dizer como foi que a família de Vanessa parou por ali. Fato é que sua mãe saiu de Remanso, interior da Bahia, rumo à capital paulista. Parou em um terreno às margens da Rodovia dos Bandeirantes. Tijolo por tijolo, trabalhando como tecelã, levantou um único cômodo para receber os filhos. Em seguida, os parentes. Com as primeiras moradias, vieram também a água e a luz. Houve momentos em que aparecia alguém da Prefeitura. Em outros, mais tensos, as habitações amanheciam marcadas em vermelho, prontas para serem derrubadas. “Só depois comecei a ter consciência da minha trajetória, que eu venho de uma ocupação e que temos problemas de vulnerabilidade social. Enquanto moradora, não enxergava isso”.

Vanessa apropriou-se dessa vida normalmente. E foi assim que o Jardim Santa Mônica se transformou em um lar. Da simples alvenaria sem reboque nem pintura em contraste com os condomínios residenciais de luxo. Dos escorregas no morro de terra aos córregos a céu aberto para as corriqueiras enchentes. Os problemas, na verdade, encontravam-se no interior de sua casa. Caçula, Vanessa foi fruto de mais um casamento que não deu certo. Sem a presença do pai, aos oito, precisou encarar também a ausência da mãe. Seu falecimento ocorreu de forma abrupta, viajando, durante as primeiras férias do emprego, para a cidade natal. Sem recurso para bancar as passagens dos filhos, as crianças, no fim, mal puderam se despedir. “As datas comemorativas, durante a minha infância, na escola, foram muito difíceis, porque eu não tinha a referência de pai e de mãe”.

Não fosse por querer transformar o mundo, Vanessa seria colecionadora de episódios de superação. Mais velha, com 28, foi vítima de violência doméstica. Tudo começou por ela ter denunciado o irmão por tentativa de homicídio contra sua sobrinha de oito meses. A cunhada já passava por um histórico de agressão, inclusive enquanto estava grávida, e foi a própria Vanessa quem a acompanhou no hospital. Com cara e coragem, sem dinheiro para pagar um advogado, ela levou o caso para Defensoria Pública. A justiça, no entanto, não foi favorável. Vanessa foi obrigada a deixar a sua origem e o seu Jardim Santa Mônica. “E se ele matasse alguém? Eu iria carregar essa culpa! Minha vida desmoronou, mas não me arrependo”.

Vanessa teceu seu futuro com os retalhos da própria experiência. Com o desejo de proporcionar novas perspectivas, garantindo que situações como as que passou não repetissem. “Tudo tem uma motivação e se você quer chegar em um propósito é por meio dos estudos”. Ela se formou em Pedagogia e, na sequência, fez Serviço Social. Inscreveu-se recentemente em uma outra graduação, em Direito. A jovem do Jardim Santa Mônica é a primeira da família a conquistar um diploma no ensino superior e a frequentar uma universidade pública. “‘Faculdade que não pode pôr os pés’ é um trecho da música do Emicida. A gente acredita que esse é um lugar que não nos pertence, para o pobre, preto, de periferia... mas eu sou a prova que conseguimos, sim”.

O que Vanessa não esperava foi que, muito mais que conhecimento, ela pudesse ter clareza sobre seu território. O Jardim Santa Mônica é uma comunidade precária, sem acesso às políticas públicas, sucateada. Tal despertar se deu durante a especialização em Cidades, Planejamento Urbano e Participação Popular, oferecida pelo Instituto das Cidades (IC/Unifesp) - Campus Zona Leste. O curso foi para aperfeiçoar seu trabalho como assistente social, compreender a importância do território. Dito e feito. Dado o devido valor ao que tinha e não tinha, Vanessa acabou dando valor a si mesma. Colecionando episódios de superação, ela ressignificou seu passado e também seu futuro. Talvez seja esse o papel do Jardim Santa Mônica. E talvez por isso que ela busque também por sua transformação. “Nós precisamos modificar nossa realidade. É uma ação de formiguinha, mas se cada um fizer um pouco, juntos, já estamos mudando muita coisa”.

 

 

Publicado em Edição 12

Médico epidemiologista, ex-reitor da UFBA e da UFSB e professor visitante do IEA/USP, Naomar de Almeida Filho abordou os caminhos enfrentados pela extensão universitária nas instituições públicas de ensino superior brasileiras

Texto: Valquíria Carnaúba

Naomar de Almeida Filho, docente no Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia (UFBA), ex-reitor da instituição e da Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB), vice-presidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) e professor visitante do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (IEA/USP), é um grande crítico do verdadeiro papel da extensão universitária no Brasil. Em entrevista à Entreteses, Almeida Filho abordou, de maneira central, a dificuldade de a extensão universitária ser de fato incorporada à verdadeira missão das universidades públicas. Define extensão universitária como "a atuação da instituição junto à sociedade, à comunidade, fora dos muros da universidade. Por meio de projetos (duração finita) e programas (duração por tempo indeterminado), o pesquisador produz conhecimento sobre um determinado assunto, desenvolve aplicações e o traduz para que seja efetivo na solução de problemas”. Também sua vivência na área médica, onde o controle e a prevenção de doenças são considerados extensão da medicina tradicional, ajudou a fundamentar seus conceitos. Para ele, ainda que a Constituição Federal disserte sobre a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão - as três bases da educação superior - esse terceiro pilar persiste com um certo viés de marginalidade, já que é trabalhado pelas universidades públicas de modo menos intenso em relação aos demais e, por fim, ainda carece de um orçamento próprio para a contratação de bolsistas e o desenvolvimento de suas ações. Almeida Filho discorreu ainda sobre o limiar entre extensão universitária e assistencialismo, autonomia universitária e os caminhos que se apresentam às ações extensionistas frente ao contexto atual.

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Para Almeida Filho, museus, orquestras sinfônicas, corais e ginásios de esportes são ações de extensão que permitem à universidade retornar uma demanda social, já que não consegue absorver todos os jovens que almejam a educação superior (Fotografia: Alex Reipert)


Entreteses • Existe confusão entre os conceitos extensão universitária, filantropia e assistencialismo?

Naomar de Almeida Filho • É na extensão que identifico uma dificuldade maior da universidade se reconhecer. E como a extensão não é priorizada na missão orgânica das instituições, também não está prevista nos seus orçamentos - com exceção da prestação de serviços e atividades na área da saúde, como os hospitais universitários. As verbas orçamentárias destinam-se exclusivamente ao ensino; já as fontes para pesquisa advêm das agências públicas de fomento (Finep, Capes e Cnpq). Temos, por um lado, em algumas universidades, atividades artísticas e culturais sendo definidas como extensão, quando o conceito não se aplica, pois se trata de uma parte da função criativa da vida acadêmica. Já no caso dos hospitais, a sociedade tem maior propensão a considerá-los como a grande contribuição social de uma universidade, um direito dos sujeitos. Há também os museus, uma outra forma de extensão pensada de modo a sintetizar ou representar a realidade externa. Toda grande universidade no mundo tem seus museus, assim como orquestras sinfônicas, corais, hospitais universitários, ginásios de esportes, ou seja, atividades que fazem essa ligação da universidade com a sociedade. São formas de a instituição retornar uma demanda social, já que a universidade não consegue absorver todos os jovens que estão precisando da educação superior, reservando pequenos fragmentos de sua excelência e os estendendo aos demais. É interessante refletir que a extensão se apresenta, muitas vezes, como a única forma de fazer quem está fora da universidade se fazer ouvir, permitindo o diálogo. Nesse sentido, é raro um programa ou projeto de extensão ser uma ação que pergunta; costuma-se na extensão fornecer de imediato uma solução, em vez de ser algo mais exploratório, dialógico. Essa discussão incorpora, inclusive, o aspecto político da extensão. Em tese, as universidades têm uma missão civilizatória, de modo a não impor a transformação, mas relacionando-se com a sociedade com uma postura mais modesta.


E. Como citou o caso dos hospitais universitários, entende que a sociedade ainda tem dificuldade de visualizar as ações de extensão universitária como um direito?

N.A.F. Sim, mas a responsabilidade é, em parte, da própria universidade, pois são realizadas quase como uma concessão da instituição. Há movimentos meritórios que buscam reverter essa ideia, adotando um posicionamento mais crítico que visa integrar universidade e extensão, mas são casos isolados, não regra geral. As expectativas da sociedade se orientam não pela vanguarda, mas pelo que dá resultados de modo certo e seguro. As pesquisas, ainda que inovadoras, muitas vezes voltam-se a aplicações mais simples e conectadas com o cotidiano. O mesmo deveria acontecer com a extensão que, a depender do projeto ou programa, pode se caracterizar como pesquisa/ação, tratando de singularidades quando deveria ter como foco universalidades. Na atividade extensionista, não há um interesse científico declarado, comum na pesquisa convencional, o que leva a extensão a se tornar quase que um subproduto institucional. Mas muitas dessas ações definem a ciência de um modo socialmente responsável, e a expressão “inovação social” é muito feliz para resumir esse conceito. Minha posição é essa: o que a gente lista como atividade nobre da universidade, pesquisa, é em grande parte exercida sem registros, sistematização e reflexão, perdendo-se nos relatórios. Há, por outro lado, uma grande dificuldade em reconhecer que uma ação de promoção de valores sociais ou uma atividade que religa as pessoas (que podem ser chamados de trabalho de extensão) pode ser geradora de um volume considerável de conhecimento - etnográfico, antropológico, artístico, histórico e cultural. 


E. A curricularização das ações de extensão é um dos caminhos para a integração à missão da universidade?

N.A.F. É uma maneira institucional, mas convencional, de se produzir um valor para a extensão. É o que torna aquela ação integrável ao histórico escolar dos estudantes, um reconhecimento de que aquela atividade equivale a uma disciplina ou curso. Acredito que outro caminho mais interessante seria a abertura ampla dos currículos, e as atividades que produzam aprendizado serem reconhecidas como tal, sem a obrigatoriedade de as horas de extensão serem cumpridas como aula. No processo de aprendizagem, as pessoas são diferentes entre si. Para alguns estudantes, não adianta três mil horas de prática se eles não estiverem incorporando aquele ato, e a reflexão sobre a ação, como conhecimento. É bom pensar bem; precisa ter um tempo para sair daquela atividade e digerir tudo.


E. Em um seminário na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em 2017, você defendeu que as instituições públicas de ensino superior devem ter liberdade em relação aos processos de governança e capacidade de traçar seus próprios destinos. Ainda na ocasião, lembrou que as universidades têm grande dificuldade de admitir que precisam incorporar a sociedade na sua gestão, no seu cotidiano, exigindo uma ampla reforma no ensino superior em pleno século XXI. O que deveria ser necessariamente modificado?

N.A.F. As universidades, mesmo aquelas com postura politicamente mais engajada, não abrem seus espaços de gestão para que a sociedade participe. No máximo, dois ou três lugares em um conselho universitário com 60-70 membros, fazendo com que os espaços de governança tornem a sociedade minoria nas decisões. Reforça-se, assim, a gestão universitária como pública por ser estatal, que presta contas “justificando” sua existência. Nessa lacuna se insere a liberdade acadêmica no sentido da autonomia institucional, que em diferentes contextos ganha definições distintas. No Brasil, as instituições públicas pertencem ao Estado, que dita o que a universidade pode fazer ou não – e isso se aplica da contabilidade à escolha dos dirigentes. Claro, se somos parte do Estado, as regras da gestão administrativa pública se aplicam, e isso é um problema. O Brasil tem algumas experiências de autonomia relativa em gestão financeira, como as universidades paulistas, com uma porção de seu orçamento definida de acordo com o percentual de arrecadação [de impostos]. Já as universidades federais dependem de uma parcela do orçamento do Ministério da Educação (MEC) e são caracterizadas pela vinculação dos sujeitos como funcionários federais – os servidores compõem a carreira do serviço público. Tenho defendido que precisamos ter mais clareza sobre por qual autonomia se luta, mas ela não vingará se nos mantivermos submissos à folha de pagamento do governo federal. Outros países construíram suas alternativas adotando modelos fundacionais. Os Estados Unidos (EUA), por exemplo, não possuem nenhuma universidade estatal, ainda que muitas sejam públicas por suas verbas advirem do Estado. No Canadá, embora o orçamento seja público e repasses de verbas ocorram mediante metas, as universidades também não são estatais. Portugal, por sua vez, resolveu a situação criando o ente jurídico chamado universidade pública. Onde tem dinamismo na produção de ciência, conhecimento e cultura, as universidades encontram-se desvinculadas do Estado, são de fato autônomas. Temos agora que descobrir o nosso modelo ideal. Sendo parte do Estado, as universidades federais brasileiras padecem de uma contradição de base em sua missão: a principal regra da administração pública é poder fazer somente o que está na norma, e isso é a morte da universidade, pois nesse registro nada pode ser criado. Suas regras dependem de limites externos. Tornando essa questão mais central, penso que a ideia de autonomia que temos no país é uma distorção do verdadeiro conceito, aproximando-se mais da velha liberdade de cátedra, ou seja, a liberdade de definir o que o professor ensina. Nesse aspecto, há uma certa confusão como pauta política, pois nisso não se distingue a autonomia institucional da liberdade individual. Defender o individualismo de modo algum representa uma reivindicação progressista e democrática. Outra discussão que considero delicada é o fato de as universidades estatais no Brasil estarem a serviço dos interesses privados, porque formamos projetos de vida para sujeitos individuais, muitos definidos por suas mitologias familiares. Apesar da inegável abertura recente do acesso, com a expansão e com as cotas, que de fato mudaram o cenário das universidades públicas brasileiras, quem mais aproveita delas é um segmento social que domina a política e a economia e tem a universidade como a continuidade das próximas gerações. A pergunta que persiste é a seguinte: esses segmentos sociais que conquistaram essa chance de ascensão social estão recebendo da instituição uma aprendizagem libertadora ou terminam sendo cooptados a se tornarem parte dessa elite? 


E. Na sua opinião, qual o futuro da extensão nas universidades federais brasileiras considerando quatro fatores: retorno social (impostos), o patamar atual da educação básica, os cortes orçamentários e a visão da sociedade sobre o papel da universidade pública?

N.A.F. Tudo isso faz parte de um ataque especulativo contra a universidade pública brasileira feito por um governo de viés totalitário, anti-intelectual e empenhado no que chamam de guerra cultural. Não haverá futuro para a extensão se não houver horizonte de futuro para a universidade. Partindo do primeiro aspecto, consideremos a pauta que coloca a cobrança de mensalidades e anuidades nas universidades públicas. Para mim, há dois argumentos que, a meu ver, vão contra essa proposta. Por um lado, porque isso não vai resolver o problema orçamentário. No Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), por exemplo, apenas 10% do seu orçamento é coberto por mensalidades. Aqui no Brasil, foi efetuado um cálculo por meio do qual se chegou à estimativa de que as mensalidades cobririam aproximadamente 18% do orçamento total. Por outro lado, este é um modelo de financiamento que pode terminar aumentando a exclusão de alguns segmentos sociais da educação superior. Ainda assim, são argumentos politicamente pouco eficientes para se contrapor a essa cobrança. A expressão retorno social do investimento público dá a impressão de que as pessoas que fazem a cessão de parte de sua renda ao Estado nacional são as mesmas que recebem esse benefício. O retorno social não se aplica nesse caso, pois quem mais paga para sustentar o Estado não está na universidade, mesmo com todo o esforço recente pela inclusão social na educação. O sistema tributário brasileiro é de uma regressividade absurda, fazendo com que os sujeitos de baixa renda paguem proporcionalmente mais imposto do que os que têm ganhos elevados. O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) tem sucessivos estudos que revelam que, quanto maior a renda da pessoa física, menor é o pagamento proporcional de impostos. As famílias que ganham menos de três salários mínimos comprometem 56% de sua renda em impostos e aqueles que ganham mais de 20 salários mínimos pagam menos de 20% em impostos, em parte pelo sistema de restituição de imposto de renda por despesas educacionais para dependentes de até 24 anos. Mesmo quem não tem uma renda satisfatória acaba consumindo boa parte dela para sobreviver, ao comprar roupa, comida, usar transportes públicos. Temos um sistema de distribuição de renda absolutamente perverso; quem tem renda paga uma escola privada de ensino médio para que os filhos passem pelo “superfiltro” seletivo das universidades públicas. Quem sustenta o ensino privado são os pobres, pois não adentram as universidades gratuitas, e aos que permanecem no ensino médio público restam as vagas no ensino superior privado, onde muitos se endividam. Os pobres são aqueles que, ao consumirem para sobreviver, estão pagando a retribuição que o Estado faz aos que possuem poder de compra elevado. É como se a universidade pública se consolidasse como um grande dispositivo de propagação da desigualdade social, inclusive ofertando formação de melhor qualidade nas profissões mais valorizadas no mercado de trabalho. 


E. E a questão da educação básica, não seria um foco prioritário da extensão?

N.A.F. A maior ação de responsabilidade social das federais brasileiras realmente seria o comprometimento com a melhoria da péssima qualidade da escola pública na educação básica, outra das perversões nacionais. A maior parte dos docentes que atuam na rede pública é formada no setor privado e, por outro lado, a excelência das universidades públicas coloca os seus licenciados no setor privado. O maior programa de extensão das universidades públicas brasileiras deveria ser formar professores da educação básica. Hoje, o número de licenciaturas ofertadas pelas universidades federais é pequeno, ao passo que a evasão é alta – em alguns casos chega a 60%. O pouco investimento institucional na formação de professores e a prioridade na formação de profissionais é um grave problema político para as universidades públicas brasileiras. Enfim, formação de quais perfis profissionais e em benefício de quem? Pensar nisso é um esforço que vale a pena, pois quando politizamos esse problema, revela-se na extensão uma patologia na relação da universidade com a sociedade, historicamente estabelecida como colonial, baseada na escravatura, que promove uma imensa desigualdade social. E a universidade pública tem ajudado a preservar e reproduzir esse modelo.

 
Publicado em Edição 12

Nesta edição da revista Entreteses, em que se comemoram os 25 anos da Unifesp, abordamos a extensão e a cultura produzidas no âmbito da instituição. É o volume em que apresentamos e reafirmamos a política de extensão e cultura, construída ao longo da história da universidade, e damos visibilidade a um conjunto de ações, processos, produtos e conhecimentos que emergem da relação de nossos campi com a sociedade.

A política de extensão e cultura, em consonância com as diretrizes nacionais, tomou como fundamento a concepção e a intencionalidade dos sujeitos que conduzem ações extensionistas e culturais na universidade. Foi, então, definida como um conjunto de ações e processos, de natureza educativa, cultural, científica e política, desenvolvido por metodologias que propiciam a assimilação e a construção do conhecimento, a partir dos desafios postos pela realidade vivida. Por meio do diálogo entre as práticas científicas e sociais, com atuação interdisciplinar e interprofissional, busca construir respostas às questões apresentadas, na perspectiva da formação individual e da transformação da sociedade, valorizando a diversidade e os direitos socioambientais da população.

Na Unifesp a extensão e a cultura têm sido fortalecidas pela produção gerada a partir da indissociabilidade entre extensão, ensino e pesquisa; pela ampliação da prestação de serviços e do número de programas, projetos, cursos de extensão e eventos institucionais; e pelo aprimoramento dos cursos de especialização e de aperfeiçoamento. Houve, também, uma aposta em diversas iniciativas na interface com outras pró-reitorias, a exemplo da política de observatórios, da Apresentação - Curricularização, do Projeto Acadêmico de Prestação de Serviços (Paps), da inovação social, da política de direitos humanos, da política de cultura e da institucionalização das empresas juniores.

É importante ressaltar que a Unifesp tem sido responsável por desenvolver programas que contribuem com as políticas públicas, tais como cursos de especialização (lato sensu) e de extensão que visam à capacitação dos servidores públicos e da população em geral. Entre esses, destacamos a especialização em Saúde da Família (UnA-SUS/Unifesp); o aperfeiçoamento para agentes de saúde indígena (por meio do Projeto Xingu e da Secretaria Especial de Saúde Indígena do Ministério da Saúde); o curso de extensão Supera (Sistema para Detecção do Uso Abusivo e Dependência de Substâncias Psicoativas: Encaminhamento, Intervenção Breve, Reinserção Social e Acompanhamento) para profissionais de saúde, em parceria com o Ministério da Justiça e Segurança Pública e a Universidade Virtual do Estado de São Paulo (Univesp); e o Núcleo Telessaúde Brasil Redes, que resulta de parceria entre a Unifesp/ Secretaria de Educação a Distância (Sead) e o Ministério da Saúde.

Outras ações desenvolvidas ao longo da história da Unifesp vêm assumindo, além do valor estético, um papel pedagógico importante, inclusive para a sociabilidade e a inclusão. O Museu Histórico Prof. Dr. Wladimir da Prússia Gomez Ferraz, da Escola Paulista de Medicina, o Coral Unifesp, o Projeto Jovem.doc, a Cátedra Kaapora, a Cátedra Edward Saïd, o Projeto Artes do Corpo, o Laboratório de Artes Visuais (Labart) e a Semana Unifesp Mostra sua Arte. Todo esse potencial, edificado ao longo de 25 anos, promoveu transformações na universidade como um todo. Revisões da prática docente, alterações e ajustes na estrutura organizacional e, ainda, reflexões sobre o conceito e o papel da instituição nos diferentes contextos – nacional e internacional.

Nesse sentido, o cenário de desafio e reinvenção permanece atual para a universidade pública. Cabe a ela continuar a contribuir para o enfrentamento das crises contemporâneas, oferecendo subsídios científicos, de forma ética e comprometida com a emancipação humana. E é justamente na compreensão desse propósito que a extensão e a cultura universitárias reiteram seu significado: como prática acadêmica produtora de conhecimento na diversidade e na interação dialógica com a sociedade.

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Raiane Assumpção - Pró-reitora de Extensão e Cultura (Fotografia: Alex Reipert)

 
Publicado em Edição 12

A Unifesp é destaque no ensino e na pesquisa, êxito avalizado pelos indicadores contidos em rankings nacionais, como no RUF/Folha de S. Paulo, e internacionais, como no conceituado The Higher Education (THE). Contudo, é preciso falar de uma faceta muito desenvolvida e pouco divulgada, que é a extensão universitária, a qual se integra ao ensino e à pesquisa na missão da universidade. De acordo com a Política Nacional de Extensão Universitária, a extensão é definida como “um processo interdisciplinar, educativo, cultural, científico e político que promove a interação transformadora entre universidade e outros setores da sociedade”. Representa, dessa forma, um conjunto de ações, processos, produtos e conhecimentos oriundos da conexão direta entre a universidade e as diferentes comunidades e camadas sociais. 

Na Unifesp, a extensão denota uma vasta gama de atividades inter e multidisciplinares ligadas ao ensino e à formação de profissionais, bem como a possibilidade de aplicação direta dos conhecimentos gerados pela pesquisa em projetos da iniciativa privada e do poder público. Nestes 25 anos, desde a criação da Unifesp, e durante os 86 anos que decorreram desde que germinou sua primeira semente, a Escola Paulista de Medicina, verificamos uma grande transformação na extensão, tanto conceitual quanto prática.

Antes, a extensão era entendida como uma área voltada apenas aos cursos de especialização ou à assistência à saúde – no caso, o atendimento pelo Hospital Universitário. Hoje a universidade expandiu sua visão, realizando as atividades de extensão em diversos níveis: projetos sociais, formação a distância, criação de estratégias de atuação em movimentos populares, atendimento às populações mais carentes nas próprias localidades, ensino a refugiados, atendimento em saúde a grupos sociais vulneráveis, projetos de combate à violência e às drogas, políticas de ações afirmativas, núcleos de estudos africanos e indígenas e cátedras de estudos populares. 

Mais recentemente, introduzimos novas dimensões institucionais para a extensão ao criarmos as áreas de direitos humanos e de cultura, tornando aquele setor mais abrangente e transversal. Alinhados com nosso tempo, reservamos à cultura um lugar que não é limitado ao entretenimento ou ao lazer, o que resultou na mudança de denominação do órgão responsável pela gestão dessas questões para Pró-Reitoria de Extensão e Cultura

Nesse contexto, celebramos o cumprimento da diretriz do Plano Nacional de Educação de 2014-2024, de 10% da creditação curricular às ações extensionistas. Destacamos também a ampliação do espectro de ações no que diz respeito à prestação de serviços, por meio da implementação dos Projetos Acadêmicos de Prestação de Serviços (Paps), o que possibilita parcerias com a iniciativa privada na perspectiva acadêmica. Demos maior espaço à inovação e tecnologia social, que tomam forma por meio de iniciativas como as empresas juniores, fortemente conectadas com a recém-criada Agência de Inovação Tecnológica e Social (Agits) da Unifesp.

Por meio de ferramentas digitais, a extensão leva o conhecimento a locais nunca antes imaginados pelos setores que compõem nossa instituição. Os extensionistas experimentam e executam, por meio dos 43 programas e 179 projetos em vigência na Unifesp, as cinco diretrizes que norteiam as ações de extensão: interação dialógica; interdisciplinaridade e interprofissionalidade; indissociabilidade ensino-pesquisa-extensão; impacto na formação do estudante; e impacto e transformação social.

Assim, como determina a Constituição Cidadã de 1988, a Unifesp ajuda a promover e a garantir os valores democráticos da equidade e do desenvolvimento da sociedade em suas dimensões humana, ética, econômica, cultural e social. 

Parabéns aos extensionistas. E isso significa parabenizar toda a Unifesp, que continua mobilizada, tornando-se cada vez mais ativa, abrangente e consciente de seu papel como universidade – pública e inserida na sociedade. 

Desejamos a todos uma boa leitura.

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Soraya Smaili - Reitora da Unifesp (Fotografia: Alex Reipert)

 
Publicado em Edição 12
Terça, 10 Dezembro 2019 15:23

Expediente

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A revista Entreteses é uma publicação semestral da Universidade Federal de São Paulo. 

ISSN 2525-5401 (publicação impressa) 
ISSN 2525-538X (publicação on-line )

 

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO PAULO

Reitora: Soraya Soubhi Smaili

Vice-Reitor: Nelson Sass

Pró-Reitora de Administração: Tânia Mara Francisco

Pró-Reitor de Assuntos Estudantis: Anderson da Silva Rosa

Pró-Reitora de Extensão e Cultura: Raiane Patrícia Severino Assumpção

Pró-Reitor de Gestão com Pessoas: Murched Omar Taha

Pró-Reitora de Graduação: Isabel Marian Hartmann de Quadros

Pró-Reitora de Pós-Graduação e Pesquisa: Lia Rita Azeredo Bittencourt

Pró-Reitor de Planejamento: Pedro Fiori Arantes

Jornalista responsável/Editor: Walter Teixeira Lima Junior (MTB 23.663/SP)

Coordenação: Valquíria Carnaúba

Reportagem: Daniel Patini, Denis Dana, José Luiz Guerra, Juliana Narimatsu, Lu Sudré, Marcos Zeitoune, Matheus Campos, Paula Garcia, Tamires Tavares e Valquíria Carnaúba

Projeto gráfico e diagramação: Ana Carolina Fagundes

Infografia e ilustração: Ana Carolina Fagundes

Revisão: Celina Maria Brunieri e Felipe Costa

Fotografia: Alex Reipert / Créditos indicados nas imagens

Capa: Alex Reipert

Tratamento de imagens: Alex Reipert / Ana Carolina Fagundes

Conselho Editorial: Lia Rita Azeredo Bittencourt, Karen Spadari Ferreira, Débora Cristina Hipólide, Bruno Moreira Silva, Ricardo Pimenta Bertolla, Andréa Slemian, Marimélia Aparecida Porcionatto, Vera Raquel Aburesi Salvadori

Conselho Científico: Olgária Chain Feres Matos, Renato Janine Ribeiro, Ruy Ribeiro de Campos Jr., Paulo Schor e Fulvio Alexandre Scorza

Revista Entreteses n° 12 – Novembro/2019 
www.unifesp.br/entreteses 
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Tiragem: 4.000 exemplares

 

DEPARTAMENTO DE COMUNICAÇÃO INSTITUCIONAL

Direção: Walter Teixeira Lima Junior 

Jornalismo: Daniel Patini, José Luiz Guerra, Juliana Narimatsu, Paula Garcia, Tamires Tavares e Valquíria Carnaúba

Design: Ana Carolina Fagundes e Paula Garcia

Fotografia: Alex Reipert

Audiovisual: Gabryelle Pereira da Silva, Jean Carlo Silva, Loiane Caroline Vilefort e Reinaldo Gimenez (coordenação)

Mídias sociais: Rosangela Gonçalves Martins

Revisão: Celina Maria Brunieri e Felipe Costa

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