Prototipagem eletrônica viabiliza aparelho de ultrassom acessível

Facilidade de programação, preço e compatibilidade com diversos sistemas operacionais inspiraram estudante do Campus São José dos Campos

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Imagem: pch.vector / Freepik

Valquíria Carnaúba

A maior parte das pessoas, alguma vez, já realizou um exame por ultrassonografia, seja para diagnosticar uma gravidez, seja para investigar uma dor abdominal. O que é pouco difundida, de fato, é toda a engenharia por trás dos aparelhos de ultrassom. São máquinas e, como tais, podem estar sujeitas a uma cadeia de suprimentos – já que hoje é difícil encontrar equipamentos complexos que sejam integralmente fabricados por uma só empresa (ou empresas de um mesmo país). Entre os principais componentes dos aparelhos de ultrassonografia estão o gerador de pulso-eco e o transdutor piezoelétrico. O primeiro diz respeito ao mecanismo responsável pela emissão das ondas mecânicas produzidas pelo segundo, o transdutor de ultrassom, e pela recepção dessas ondas após ecoarem no corpo humano, traduzindo esses pulsos em sinais elétricos e posteriores comandos do aparelho de ultrassom (como a produção de imagens). 

No mercado, um bom gerador de pulso-eco não é encontrado por menos de 10 mil dólares. Apesar de corresponder a cerca de 10% do preço do equipamento completo de ultrassonografia, esse valor ainda é alto devido ao fato de ser totalmente importado. Avaliando os gastos públicos em saúde, Manusa Soares Leal idealizou e está construindo o protótipo de um gerador de pulso-eco, de baixo custo, que utiliza o Arduino, uma plataforma aberta de prototipagem eletrônica – trata-se de uma placa que permite a construção de modelos exclusivos de determinado tipo de equipamento. Orientada por Manuel Henrique Lente e Marcus Vinicius de Siqueira Silva, docentes lotados respectivamente no Instituto de Ciência e Tecnologia (ICT/Unifesp) e no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia - IFSP (Campus São José dos Campos), a estudante do 4° ano de Engenharia Biomédica da Unifesp decidiu-se pela montagem e programação de um equipamento voltado à geração e à recepção de ultrassom para potenciais aplicações na ultrassonografia abdominal.

Uma resposta para a economia prevista está na substituição do gerador de pulso-eco comercial pelo circuito formulado. Com o desenvolvimento a partir do Arduino, foi possível programar o sistema para funcionar de forma semelhante ao dos dispositivos comerciais. O projeto possui inúmeros diferenciais, como o preço, o ambiente de programação simples de usar (inclusive para quem não possui uma boa base de eletrônica e programação), a operação multiplataforma (que roda nos sistemas operacionais Windows, Linux e Macintosh OS X) e, principalmente, o incentivo ao learning by doing (aprendendo na prática) – que proporciona ao estudante prática e experiência de mercado. 

Leal explica que a montagem do gerador poderá, futuramente, evoluir para uma produção em escala. No momento, o projeto, iniciado em 2019, está parado devido à pandemia. “A primeira parte do projeto, o desenvolvimento do gerador de pulso-eco em si, foi concluída ainda em dezembro do ano passado. Na segunda etapa, iremos construir dois transdutores piezoelétricos ultrassônicos, os quais serão acoplados ao nosso gerador de pulso-eco”, assegura. 

O orientador afirma que o estímulo para a concepção do mencionado produto foi justamente a lacuna da indústria nacional nesse setor. Segundo ele, não existem empresas no Brasil que produzam esse tipo de equipamento. Por isso, os pesquisadores acreditam na possibilidade de encaminhar o projeto a uma startup após a sua conclusão. “Como cada transdutor piezoelétrico é específico para determinada diagnose médica (de órgão ou tecido), o que implica algumas particularidades no gerador de pulso-eco, pretendemos definir posteriormente um nicho para a aplicação dessa estrutura, ocupando-nos então em criar a instrumentação final”, esclarece Lente.

Juntamente com Leal, os docentes apontam uma possível utilização da ultrassonografia no acompanhamento de pacientes com covid-19. “Tendo em vista que o coronavírus pode provocar edema pulmonar agudo em determinados pacientes, imagens por ultrassom podem tornar-se uma importante ferramenta para o acompanhamento da evolução do quadro do paciente. Assim que pudermos, retomaremos o desenvolvimento de nossos trabalhos, pois queremos o gerador de pulso-eco e os transdutores piezoelétricos funcionando no campus em atividades de ensino e pesquisa, como um modelo que inspire novos projetos, semelhantes ao atual”, frisam.

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A estudante Manusa Soares Leal, do 4° ano de Engenharia Biomédica, e seus orientadores, Manuel Henrique Lente (ao centro) e Marcus Vinicius de Siqueira Silva, docentes lotados respectivamente no Instituto de Ciência e Tecnologia (ICT/Unifesp) e no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia - IFSP (Campus São José dos Campos)  / Imagens: arquivo pessoal

Experiências que motivam

Aos 21 anos, antes de prestar o vestibular, a orientanda já tinha uma noção de onde gostaria de atuar: na área médica. Como não pretendia dedicar-se especificamente ao atendimento, pesquisou alternativas e encontrou referências sobre o curso de Engenharia Biomédica. “Após assistir a vídeos no YouTube sobre candidatos que haviam ingressado no curso, inclusive da própria Unifesp, apaixonei-me pela profissão”, relembra. Sem ter ainda passado pelas aulas de instrumentação médica, ela soube que Lente procurava estudantes de graduação interessados em participar desse projeto. Foi quando decidiu abraçar a ideia.

Apesar das dificuldades de deslocamento entre as duas unidades do ICT/Unifesp (Talim e Parque Tecnológico), conforme relatado por ela, sua experiência tem como base o apoio dos docentes. De forma análoga, Lente defende que os estudantes passem pela experiência da Iniciação Científica. “No momento, estou montando um grupo de pesquisa voltado à área de Ciência de Materiais e ao desenvolvimento de instrumentação biomédica (ferramentas que transformam informações físicas em registros visíveis ou audíveis). Gosto de orientar e ver o laboratório com alunos que realizam seus projetos. As dificuldades de nossa instituição não são tão diferentes das de outras. Já estive em várias universidades, inclusive fora do país. Um grupo só prospera se tiver uma boa equipe. É o que enriquece e move a pesquisa”, finaliza.

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