Refugiados venezuelanos embarcam em avião da Força Aérea Brasileira, em Boa Vista, com destino a Manaus e São Paulo (Imagem: Marcelo Camargo/Agência Brasil)
Matheus Campos
A única constante do ser humano é o movimento. É o que afirma o filósofo britânico Thomas Hobbes (1588-1679) em sua obra Leviatã. Segundo o pensador, uma coisa que está em movimento continua em movimento eternamente, a menos que algo a detenha. Não à toa, a história da humanidade tem como reflexo a história das migrações e dos grandes fluxos populacionais, que ocorreram por diversos motivos, entre eles a escassez de alimento, fuga de guerras, oportunidade de emprego ou busca de proteção e abrigo.
A ideia de movimento, nesse contexto, se dá pela busca por melhores condições de vida. Os deslocamentos populacionais de grandes proporções até motivaram em parte a criação da Organização das Nações Unidas (ONU) e o estabelecimento dos conceitos de “migração” e “refúgio”, com legislações e tratados sobre o assunto. Políticas de moradia, por exemplo, são de suma importância para compreender e contextualizar imigrantes e refugiados em qualquer lugar do mundo. Em São Paulo, Lalik Loula, estudante de graduação em Arquitetura e Urbanismo e pesquisadora, sensibilizou-se pela temática, que constitui, inclusive, o eixo de seu projeto. Este foi realizado no âmbito do programa de Iniciação Científica Voluntária (ICV), que é vinculado ao Instituto das Cidades (IC/Unifesp) - Campus Zona Leste.
Projeto de empatia
No início de 2018, milhares de venezuelanos buscaram refúgio no Brasil devido à crise humanitária que surgira em seu país de origem. Por outro lado, era também crescente o fluxo de deslocados no mundo por causa de conflitos externos e internos, principalmente em países do Oriente Médio, como a Síria.
“Todas essas informações chegavam até mim e me incomodavam, pois, morando em São Paulo, via diariamente um grande número de pessoas em situação de rua”, explica Loula. “Sabia que muitos refugiados, que buscavam melhores condições na cidade, acabariam marginalizados, somando-se ao sem-número de pessoas em situação de carência. Sem oportunidade de melhoria de vida ou acesso à infraestrutura básica, recorreriam a moradias alternativas como abrigos, cortiços e ocupações ou optariam até mesmo pelas ruas.” Foi justamente essa circunstância que a motivou a direcionar o tema de seu trabalho final de graduação. Naquela mesma época, o Instituto das Cidades promoveu o programa de Iniciação Científica Voluntária, voltado para estudantes da Unifesp e de outras instituições de ensino superior.
Por meio da inscrição no programa, a jovem manifestou interesse na pesquisa por remoções forçadas, que é também a área de Giovanna Milano, professora de Direito Urbanístico e Ambiental no Instituto das Cidades. A partir daí, elas desenvolveram um projeto sobre políticas de habitação, cujo foco recaía sobre pessoas em situação de refúgio na cidade de São Paulo.
A professora ressalta que esse é um dos problemas fundantes da atualidade. “Passamos por um momento de imperiosa ampliação da imaginação e dos caminhos teóricos em suas potencialidades críticas. A produção de conhecimento na universidade, afinal, deve estar afinada com os problemas vividos na sociedade de nosso tempo, sem deixar de vislumbrar devires e horizontes de transformação”, pontua Milano. “Esse par de questões é, para mim, fonte de tensões permanentes que aparecem nos processos de orientação das pesquisas e, evidentemente, nas práticas extensionistas e vivências em sala de aula”, complementa a professora.
A estudante Lalik Loula / Arquivo pessoal
A orientadora Giovanna Milano / Arquivo pessoal
Transformação urbana e social
Neste ano o Instituto das Cidades introduziu o nível de graduação, com o curso de Geografia, embora o campus já mostrasse força nas atividades de extensão. O tema estratégico e aglutinador, obviamente, são as cidades e as crises recentes que delas decorrem como a insuficiência de moradias e as desigualdades socioespaciais.
De acordo com Milano, “o intuito de lançar o edital de Iniciação Científica Voluntária no Instituto das Cidades era, e permanece sendo, incentivar o desenvolvimento de pesquisas e a produção de conhecimento crítico na área dos estudos urbanos”. Trata-se também de uma ação de engajamento para promover transformações e a formulação de novas políticas públicas, no Brasil e no mundo.
“Os problemas sociais precisam ganhar mais foco, e o conhecimento sobre eles contribui para chegarmos próximo da solução – isso ocorre também por meio do incentivo ao desenvolvimento científico”, analisa Loula.
Para o avanço da pesquisa, a orientanda mergulhou no estudo sobre processos migratórios. Foi feita uma revisão bibliográfica das políticas públicas já existentes, mediante o acesso à literatura, à legislação nacional e aos programas governamentais dirigidos ao tema.
A pesquisa foi, então, realizada a partir da sistematização da literatura especializada na relação de dois temas fundamentais: refugiados e habitação. O levantamento de dados foi feito a partir de informações disponibilizadas pelas seguintes instituições públicas que tratam do reconhecimento desses indivíduos: Comitê Nacional para os Refugiados (Conare), Polícia Civil e, em âmbito internacional, Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur), que produz o relatório anual Global Trends.
Foram também necessárias as informações dadas por entidades filantrópicas nacionais que implementam programas assistenciais. A legislação nacional e internacional, por sua vez, foi imprescindível ao procedimento e possibilitou a evolução da pesquisa, além dos artigos científicos correlatos.
“Como docente, acompanhar o processo de amadurecimento dos orientandos – com leituras mais elaboradas e o desenvolvimento do pensamento crítico – é, sem dúvida, um privilégio que reforça a importância da missão da universidade pública na sociedade”, reflete Milano.
Futuramente a estudante deseja dar prosseguimento à investigação. Os próximos passos consistirão em consolidar as análises que versam sobre os obstáculos à realização de políticas habitacionais destinadas especificamente aos refugiados na cidade de São Paulo.
“Problemas sociais permitem compreender melhor a sociedade e o futuro que surge no horizonte, ensejando a busca de meios que possam aperfeiçoar as políticas públicas existentes. Desse modo, será possível prover melhor suporte para as populações que carecem de oportunidade de acesso aos bens e à infraestrutura básica de serviços, diminuindo o abismo da desigualdade social no Brasil”, conclui Loula.
Ocupação em prédio no centro de São Paulo (Imagem: Rovena Rosa / Agência Brasil)