Quarta, 11 Janeiro 2017 15:25

Opinião: Lei da Biodiversidade - o que nós temos a ver com isso?

Portal da Unifesp abre espaço para abordagem de temas da atualidade

Por Thaysa Paschoalin*

Foto de árvores e rios do Pantanal

Bioma do Pantanal brasileiro

Poucos pesquisadores estão a par das implicações da nova Lei da Biodiversidade (13.123/2015), que dispõe sobre o acesso ao patrimônio genético, para as pesquisas científicas do país. De modo geral, todos os estudos que envolvam informação de origem genética de espécies vegetais, animais, microbianas ou espécies de outra natureza, incluindo substâncias oriundas do metabolismo destes seres vivos obtidas de qualquer área do território nacional, além de conhecimentos tradicionais, inovações ou práticas de povos e comunidades tradicionais, povos indígenas e agricultores familiares, que se encontram relacionados diretamente com os seres vivos precisarão estar cadastrados em um sistema do Ministério do Meio Ambiente (MMA), caso os envolvidos não queiram sofrer sanções legais. Mas vamos começar pelo princípio...

Autoridades mundiais reunidas na Convenção da Diversidade Biológica durante a ECO92 elaboraram documento com o intuito proteger o patrimônio genético e conhecimento tradicional dos países signatários. O documento, assinado na ocasião pelo governo brasileiro e ratificado em 1994, propõe regras para assegurar a conservação da biodiversidade, o seu uso sustentável e a justa repartição dos benefícios provenientes do uso econômico dos recursos genéticos, respeitando-se sempre a soberania de cada nação sobre o patrimônio existente em seu território. No Brasil, a proteção e o acesso ao conhecimento tradicional, e a repartição de benefícios para a conservação e uso sustentável da biodiversidade são questões regulamentadas apenas em 2015, quase 15 anos após a implementação da Medida Provisória 2.186/2001, substituindo a antiga legislação. 

A partir da regulamentação, o uso direto de material ou informações acerca de produtos provenientes da biodiversidade brasileira, além do desenvolvimento tecnológico em que houver aplicação econômica, precisarão ser cadastrados e/ou notificados ao MMA, que deverá negociar o valor referente à repartição dos benefícios. O não cumprimento desta determinação pode acarretar em sanções administrativas na forma de advertências, apreensão da amostra e multas que variam de R$ 1.000,00 (mil reais) a R$ 100.000,00 (cem mil reais) - quando a infração for cometida por pessoa física, e de R$ 10.000,00 (dez mil reais) a R$ 10.000.000,00 (dez milhões de reais) quando a infração for cometida por pessoa jurídica, ou com seu concurso. O grande temor é que recursos da biodiversidade brasileira sejam patenteados e usados para criar produtos no exterior, sem um retorno financeiro para o País.

As atividades sujeitas à lei incluem: o acesso ao patrimônio genético (PG) ou ao conhecimento tradicional associado (CTA) e transferência de tecnologia, a remessa para o exterior de amostras de patrimônio genético e a exploração econômica de produto acabado ou material reprodutivo oriundo de acesso ao patrimônio genético ou ao conhecimento tradicional associado realizado após a vigência desta lei. Deste modo, atividades de pesquisa, experimental ou teórica realizada sobre o PG ou CTA com objetivo de produzir novos conhecimentos, mas sem finalidade econômica, deverão ser informadas ao MMA por meio de preenchimento de cadastro no Sistema Nacional de Gestão do Patrimônio Genético e do Conhecimento Tradicional Associado (SisGen) disponibilizado pelo Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (CGen). Todas as pesquisas envolvendo filogenia, epidemiologia, ecologia e taxonomia molecular, incluindo o uso de sequências genéticas publicadas em bancos de dados públicos (como por exemplo, o GenBank), provenientes de material vegetal, animal, fungos e micro-organismos em geral isolados do território nacional, mar territorial, plataforma continental e zona econômica exclusiva precisam estar cadastradas. 

Qualquer envio de amostra que contenha patrimônio genético para a prestação de serviços no exterior como parte de pesquisa ou desenvolvimento tecnológico na qual a responsabilidade sobre a amostra é de quem realiza o acesso no Brasil, não acarretando transferência de responsabilidade, também deverão estar cadastradas no SisGen. E quais serviços são considerados neste processo? Testes, técnicas especializadas executadas pela instituição parceira da instituição nacional responsável pelo acesso ou por ela contratada, mediante retribuição ou contrapartida. Se ocorrer a remessa para o exterior, ou seja, a transferência de amostra de patrimônio genético para instituição localizada fora do país com a finalidade de acesso, a responsabilidade sobre a amostra deve ser transferida para a destinatária, por meio de cadastro no SisGen e assinatura de Termo de Transferência do Material (TTM), previsto pelo CGen.

No caso de desenvolvimento tecnológico, com o objetivo de desenvolver novos materiais, produtos ou dispositivos, aperfeiçoar ou desenvolver novos processos com o intuito de exploração econômica, além do cadastro no SisGen, deve ser realizada a notificação do produto acabado para que ocorra a repartição dos benefícios, determinada pelo MMA.

No momento, estamos sujeitos a um vácuo legal. A lei foi regulamentada, mas o cadastro do SisGen, previsto no artigo 20 do Decreto nº 8.772, de 11 de maio de 2016, ainda não está disponível ao público. Portanto, as atividades de acesso ao patrimônio genético ou ao conhecimento tradicional associado podem ser iniciadas mesmo sem a disponibilização do cadastro. O prazo para o cadastramento ou notificação será de 1 (um) ano, contado da data da disponibilização do cadastro pelo CGen e realizado o cadastramento ou notificação no prazo previsto, o usuário não estará sujeito a sanção administrativa.

Precisamos agora nos mobilizar a fim de divulgar o escopo da lei e iniciar um registro dos projetos da universidade que se enquadram nos casos previstos, a fim de facilitar o posterior cadastramento dos mesmos no sistema do Ministério de Meio Ambiente, evitando as sanções legais a que estaremos sujeitos.

*Thaysa Paschoalin é chefe da Divisão de Biossegurança do Departamento de Gestão e Segurança Ambiental (DGA/Unifesp)

*Créditos das fotos: Terri Heisele/FreeImages.com Content License License

As opiniões expressas no artigo não representam a posição oficial da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

 

Lido 14296 vezes Última modificação em Quarta, 26 Setembro 2018 14:51

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