Quarta, 20 Setembro 2017 12:57

Opinião: Por que investir em Reabilitação Neurológica?

Por Fabricio Ferreira de Oliveira*

De uma forma simplista, reabilitar corresponde a capacitar o paciente quanto à execução de funções essenciais para a manutenção de sua qualidade de vida, apesar de eventuais restrições anatômicas ou fisiológicas ocasionadas por doenças que tendem a limitar suas habilidades. Significa habilitar o paciente a recuperar uma função perdida ou que nunca conseguiu executar, mas não significa necessariamente a eliminação de uma sequela. É um conceito que envolve qualidade de vida e, consequentemente, talvez, quantidade de vida.

O conceito de reabilitação é representado por um ambiente que motive o indivíduo a envolver-se nas atividades propostas, profissionais capazes de lidar com pacientes e famílias em sofrimento, e um nível de desenvolvimento tecnológico que permita a adequação de técnicas e modelos à realidade do paciente.

Não se reabilita um indivíduo para que ele continue vivendo em função do hospital. Devem ser desenvolvidas estratégias de enfrentamento desde o início, visando à saúde física e mental como objetivo último do processo, voltando-se o paciente e sua família para a desinstitucionalização.

A família tem um papel fundamental no processo de Reabilitação Neurológica, e deve ser igualmente reabilitada. Quanto menor for o nível de independência funcional do paciente, maior será a importância de um círculo familiar que tenha condições de aceitar sua reintegração.

Reabilitar não corresponde a eliminar eventuais sequelas ou deformidades quando elas são inevitáveis; o objetivo é a conscientização de que existem várias formas diferentes de se executar uma função, e é graças a esta variabilidade que se dá o desenvolvimento dos grupos humanos.

Todos os profissionais envolvidos na equipe de reabilitação devem conhecer o tratamento proposto para o paciente em sua total abrangência, mas cabe a cada um, dentro de suas atribuições, tomar as decisões que lhe cabem no processo terapêutico, sempre levando em consideração a participação do paciente nestas decisões, além da boa comunicação entre os diferentes profissionais. Quanto menor for o nível de independência funcional apresentado por um paciente, maior será a necessidade de individualização das intervenções da equipe de reabilitação, o que requer mais tempo dispendido com cada família, e a necessidade de um volume maior de profissionais na equipe.

A desinstitucionalização tem por objetivo a máxima independência do indivíduo no meio em que vive. Da mesma forma, os domicílios e os locais de trabalho dos pacientes devem ser adaptados para sua correta utilização. Portas e passagens devem ser bem amplas para o deslocamento do paciente com dificuldade de locomoção, e banheiros devem ter barras de apoio para a mobilização adequada das pessoas. A ambientação do paciente é um determinante importante da velocidade e da forma como as estratégias de compensação dos déficits neurológicos adquiridos vão se desenvolvendo. Busca-se, sempre que possível, a adaptação do ambiente ao paciente, e não o contrário.

A neuroplasticidade consiste na capacidade dos elementos do sistema nervoso se reorganizarem funcionalmente após uma injúria ou diante de uma lesão previamente estruturada desde o nascimento. A neuroplasticidade pode ser estimulada por diferentes técnicas de Reabilitação Neurológica que, muitas vezes, acabam sendo complementares. Um exemplo é a recuperação motora simultaneamente à melhora do desempenho linguístico que pode ocorrer em pacientes com síndromes afásicas. Da mesma forma, a atividade física pode não só prevenir as síndromes demenciais como retardar o declínio cognitivo e funcional de pacientes já portadores de distúrbios neurocognitivos estabelecidos.

Diante de um paciente em programa de Reabilitação Neurológica, torna-se importante o registro de seus parâmetros funcionais em cada consulta realizada, por meio de escalas específicas. Isto permite uma avaliação seriada com quantificação da evolução obtida longitudinalmente.

De acordo com dados da Organização Mundial de Saúde, enquanto condições neurológicas e psiquiátricas são responsáveis por 1,4% de todas as causas de mortalidade e 1,1% dos anos de vida perdidos, estas condições respondem por 28% de todos os anos vividos com quaisquer tipos de incapacidades. No Brasil, estima-se que entre 10% e 20% da população atual seja portadora de algum grau de incapacidade física ou intelectual. Melhorar a qualidade de vida dos pacientes pode contribuir para a prevenção de uma série de doenças crônicas; como exemplos, pacientes que se exercitam melhoram a hemodinâmica e a função respiratória, aqueles que se mantêm lúcidos evitam acidentes e têm menor incidência de fraturas e luxações, e a reeducação da deglutição contribui para a prevenção de pneumonias broncoaspirativas de repetição. Pensando em termos macroeconômicos, o investimento em Reabilitação Neurológica é interessante tanto sob o ponto de vista do desenvolvimento de uma civilização quanto sob o ponto de vista financeiro (a independência funcional elimina a necessidade de cuidadores e aumenta os anos de vida economicamente produtiva).

O Setor de Neurologia do Comportamento da Escola Paulista de Medicina tem publicado vários artigos relacionados a aspectos da reabilitação dos pacientes com doenças neurológicas.

*Professor afiliado do Departamento de Neurologia e Neurocirurgia da Escola Paulista de Medicina (EPM/Unifesp) e pesquisador pós-doutor pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp)

Bibliografia Consultada:
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As opiniões expressas no artigo não representam a posição oficial da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

 

Lido 16866 vezes Última modificação em Segunda, 04 Junho 2018 17:44

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