Por Juliana Narimatsu
Coordenador do projeto Javier Amadeo fala em mesa de abertura (Crédito: Daniel Patini)
Para marcar os 12 anos sem esclarecimentos da onda de violência conhecida como Crimes de Maio de 2006, o Centro de Antropologia e Arqueologia Forense da Universidade Federal de São Paulo (CAAF/Unifesp) apresentou, na segunda-feira (14/5), os resultados da pesquisa que reanalisou esses episódios na perspectiva da antropologia forense e da justiça de transição. O objetivo foi, a partir de uma proposta interdisciplinar e de atuação conjunta com o movimento social Mães de Maio, apresentar uma nova perspectiva sobre os crimes e trazer à tona indícios que apontem que os ataques foram consequência da violência de Estado e que houve falta de investigação sobre esses casos.
“Essa pesquisa mostra que assuntos como esse são muito mais relevantes hoje, principalmente quando assistimos a um conjunto de retrocessos no ponto de vista dos direitos humanos, como o assassinato de militantes e defensores, como foi o caso de Marielle Franco no Rio de Janeiro. Nós comprovamos que essas questões devem ser pautas centrais para o desenvolvimento de pesquisas que mostram o compromisso político das instituições acadêmicas desse país”, manifestou Javier Amadeo, coordenador do projeto de pesquisa. Segundo ele, o projeto também visa relembrar os fatos, apoiando especialmente a federalização dos Crimes de Maio de 2006, a reabertura dos casos e a reparação dos danos materiais e imateriais dos familiares dessas vítimas.
O evento contou com a presença do vice-reitor da Unifesp, Nelson Sass, da diretora do Campus São Paulo/Unifesp, Rosana Puccini, e da representante do Conselho Britânico, Diana Daste. Também estavam presentes familiares das vítimas, militantes do Movimento Mães de Maio, estudantes, docentes e pró-reitores da universidade, bem como membros da Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos, da Comissão da Verdade do Estado de São Paulo, do Movimento Mães de Maio da Zona Leste de São Paulo e da Ordem dos Advogados do Brasil.
Débora Maria da Silva, pesquisadora e integrante do Movimento Mães de Maio
Resultados
Desenvolvido durante dois anos, o trabalho averiguou sessenta casos registrados oficialmente de pessoas assassinadas, entre os dias 12 e 20 de maio de 2006, por arma de fogo na região metropolitana da Baixada Santista. O estudo se baseou no cruzamento de diferentes fontes de informação – boletins de ocorrência, laudos necroscópicos, inquéritos policiais, reportagens, estudos e relatórios –, somando às narrativas originadas de entrevistas com familiares.
De acordo com a pesquisa, os casos analisados são representativos de um padrão de violência de Estado, pois suas mortes foram caracterizadas ou como resistência seguida de morte ou por ação de grupos de extermínio (sob suspeita de participação de agentes públicos). Dentre a análise quantitativa dos crimes, foi observado que a dinâmica de violência aconteceu no período da noite e início da madrugada e com maior incidência nas cidades centrais e mais populosas da região da Baixada Santista (Guarujá, Santos e São Vicente). A relação de mortes de agentes de segurança e de civis é de um para seis, respectivamente. Sobre o indício de execuções sumárias, foi visto que houve um alto número de disparos por vítima (4,81) e em regiões de alta letalidade (32% na cabeça e 30% no tórax). Já no mapeamento e geoprocessamento, os crimes aconteceram em regiões periféricas e, alguns casos, nota-se à proximidade com morros e favelas, locais onde a atuação do poder público é escassa (veja mais detalhes na apresentação resumida do relatório aqui).
Cooperação internacional
Fruto de uma colaboração institucional entre o CAAF e o Centro Latino-Americano – Escola de Estudos Interdisciplinares e de Área da Universidade de Oxford, o projeto de pesquisa Violência do Estado no Brasil: um estudo dos Crimes de Maio de 2006 na perspectiva da Antropologia Forense e da Justiça de Transição foi financiado pelo programa Institutional Links do Newton Fund no Brasil.
A parceria entre as universidades propiciou, inclusive, a promoção de debates sobre os temas direitos humanos, violência de Estado, antropologia forense, justiça de transição e segurança pública realizados em cada uma das instituições com a participação de estudantes, docentes, especialistas, pesquisadores e militantes de movimentos sociais vinculados a esses temas.