Por Matheus Campos
No Brasil, o número de mortes causadas por dengue mais do que dobrou em um ano, de acordo com dados do Ministério da Saúde sobre doenças transmitidas pelo Aedes aegypti, que inclui casos registrados até 8 de junho de 2019 – foram 139 casos no primeiro semestre de 2018 e 366 no mesmo período deste ano, um aumento de 163%. No século XXI, o país se tornou o campeão no mundo com o maior número de casos notificados de dengue, alcançando o primeiro lugar no ranking internacional de casos totais da doença.
Diante desse cenário alarmante, um estudo conduzido pela professora Simone Georges El Khouri Miraglia e pela pesquisadora Ana Flávia Gabriel, ambas do Instituto de Ciências Ambientais, Químicas e Farmacêuticas (ICAQF), do Campus Diadema da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), em parceria com o Instituto de Matemática e Estatística (IME) da USP, procura entender as epidemias da doença e antecipar cenários futuros. A pesquisa foi publicada no periódico científico Epidemiology and Infection.
Na tentativa de alcançar resultados assertivos, a pesquisa realizou análises de séries temporais, verificando dados ao longo do tempo e propondo modelos para encontrar padrões e levantar suposições a respeito dos surtos da dengue. O estudo contemplou as incidências nos municípios de São Paulo e Ribeirão Preto, as quais aumentaram sem precedentes a partir de 2015 – ano em que ocorreu a maior epidemia na cidade de São Paulo, com mais de 100.400 casos confirmados. Em Ribeirão Preto, somente em 2016, houve mais de 35 mil casos de dengue, sendo considerada também a maior epidemia da história da cidade.
De acordo com as pesquisadoras, normalmente espera-se um declínio no número de casos de dengue nos anos seguintes às epidemias, devido à imunidade adquirida pela população exposta a um dos sorotipos virais da dengue. Um modelo de previsão, entretanto, pressupõe que um padrão de distribuição do vírus será repetido no futuro – apesar de que, ainda assim, “a epidemiologia da dengue é influenciada por diversos fatores, fazendo com que os modelos tenham dificuldades em manter a precisão da previsão”, ressaltam as pesquisadoras Simone Miraglia e Ana Flávia.
Para as cientistas, é essencial realizar pesquisas semelhantes para uma identificação precoce de doenças. “A eliminação da dengue como um fardo para a saúde pública só pode ser alcançada através da integração do controle de vetores e vacinas – e, dessa forma, os esforços para antecipar cenários de doenças podem justamente priorizar uma melhor intervenção no controle de vetores, de acordo com a magnitude da epidemia, bem como ajudar a fornecer subsídios para os serviços de saúde”, complementa Simone.
Causas e precauções
Dentre as hipóteses que podem explicar o surto da doença a partir de 2015, conforme o artigo "Avaliação de impacto à saúde da incidência de dengue associada à pluviosidade no município de Ribeirão Preto, São Paulo", publicado no Caderno de Saúde Coletiva (Rio de Janeiro, 2018), as pesquisadoras citam a crise hídrica que afetou o estado de São Paulo a partir de 2014. “A estiagem fez com que a população utilizasse métodos improvisados para armazenar água, tornando abundante a presença de reservatórios artificiais, os quais servem de criadouros ao principal vetor da dengue, o Aedes aegypti. Tal fato pode ter favorecido a proliferação dos mosquitos”, explicam Simone e Ana Flávia. Além disso, elas complementam que a introdução de um sorotipo do vírus dengue em uma região ocasiona o aumento de casos, uma vez que os indivíduos são suscetíveis a ele.
Outro fator que se constitui como ameaça à saúde nesse sentido, de acordo com os estudos, se dá pelas mudanças climáticas, devido à intensificação das ondas de calor e consequentemente a criação dos cenários favoráveis à disseminação da doença com a proliferação do mosquito. “Dessa maneira, medidas para conter emissões de gases de efeito estufa e outros poluentes atmosféricos trazem um benefício paralelo de reduzir as epidemias de dengue e demais doenças causadas pelo mosquito”.
Para evitar a proliferação do vírus , as pesquisadoras dão alertas ao Poder Público e à sociedade civil: “É importante intensificar ações de fiscalização de criadouros, utilizando tecnologias mais avançadas como, por exemplo, por auxílio de drones, promover campanhas de conscientização junto à população e incentivar investimento em pesquisas que tragam conhecimento sobre o processo de disseminação da doença e os custos ao sistema de saúde, tornando-os transparente à sociedade, como uma forma de quantificar o benefício da prevenção das doenças em comparação com o prejuízo da remediação”, concluem.