Sexta, 03 Abril 2020 11:49

Opinião: “Você não está entretido?” — Perguntou o sapo gladiador a seu rival

Por Alexandre Varaschin Palaoro*

Sapo amarelo em um galho de árvore
(Imagem ilustrativa)

Quando o território é invadido, machos tipicamente ficam agressivos e brigas podem ocorrer. Afinal, o dono do território não quer dividir o que está dentro de seu território. Quando a briga entre dois rivais fica acirrada e eles entram em contato físico, é aí que prendem nossa atenção. Instintivamente queremos ver o resultado. Porém, apesar do que os documentários mostram, o enfrentamento e o contato físico são raros entre animais.

Os exemplos mais comuns (cervos, alces, bois e bodes) possuem diversos vídeos espalhados pela internet (e documentários) mostrando suas brigas. Nelas os animais tendem a usar seus enormes chifres para afastar rivais. Porém, estes vídeos, apresentando tanta agressividade, são apenas uma amostra de um evento mais raro. Normalmente, vocalizar ou caminhar próximo do possível rival (parallel walking, em inglês) tende a ser suficiente para finalizar uma briga. Se considerarmos estes comportamentos de vocalização como fazendo parte de uma briga — como se os animais estivessem se avaliando — as brigas tornam-se muito mais comuns do que imaginamos. Porém, ao adicionar essa parte sem contato físico, tornam-se muito menos violentas do que imaginamos

Em anfíbios, este padrão fica ainda mais evidente. Na maioria das espécies, os machos tendem a confrontar rivais que entram em seus territórios de coaxo. Porém, apesar de entrarem em contato físico, eles tendem a resolver a briga apenas no coaxo. Apesar de o som para briga ser diferente daquele para atração de fêmeas, na gigantesca maioria dos casos, não há contato físico entre os machos. Um deles apenas se afasta.

Os sapos gladiadores, porém, desafiam este padrão. Muitas das cerca de 187 espécies se envolvem em brigas físicas, nas quais os machos não emitem tantos sons e tendem a tirar o rival do seu território. Só que o nome comum não vem dessa propensão ao contato físico, mas sim por causa de uma estrutura que deixa a briga muito mais perigosa. Machos de muitas espécies têm espinhos próximos aos seus “dedões” dos braços (também conhecidos como pré-polex). Portanto, ao entrar em contato físico, os danos sofridos pelos combatentes podem ser muito altos. Foi isso que investigamos em uma espécie de sapo gladiador do Rio Grande do Sul, a Boana curupi: pelo que estes indivíduos brigam? E o quão danosas são as brigas?

Como vimos no início do texto, os machos geralmente brigam por territórios. Anfíbios, mais especificamente, tendem a brigar pelas aéreas em que as fêmeas depositam seus ovos. Descobrimos que esta espécie de sapo gladiador se reproduz apenas em riachos. As fêmeas, quando estão prontas para acasalar, vão até áreas de águas mais profundas nas quais galhos da vegetação tocam a superfície da água. Se essa descrição parece algo muito específico é porque é mesmo! Em um trecho de 1 km de rio encontramos apenas quatro desses locais. E nesses locais também encontramos machos defendendo!

Durante a briga, os machos se abraçam e usam os seus espinhos para acertar os rivais nas costas. E estes embates deixam marcas. De 32 machos encontrados, 29 deles possuíam cicatrizes nas costas. Alguns, inclusive, com mais de 60% das suas costas completas de cicatrizes. Nós não encontramos danos mais profundos que isso, mas em algumas espécies já foram encontrados machos cegos e surdos depois das lutas. Portanto, sapos gladiadores entram frequentemente em contato físico e, mais do que isso, se machucam muito no processo.

*Professor visitante do Departamento de Ecologia e Biologia Evolutiva do Instituto de Ciências Ambientais, Químicas e Farmacêuticas (ICAQF/Unifesp) — Campus Diadema

As opiniões expressas neste artigo não representam a posição oficial da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp)

Lido 8073 vezes Última modificação em Terça, 02 Abril 2024 14:37

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