Por Itale Cericato*
Museu do amanhã / RJ - Foto: autora
As recentes modificações ocorridas no Ensino Básico de nosso país, especificamente no Ensino Médio, tiveram por objetivo transformar a escola em um lugar que acolhe a juventude. Isso não aconteceu por acaso. Por muitos anos, uma desconexão entre os anseios dos jovens e o que a escola exigia deles se refletiu em altos índices de evasão e abandono escolar.
Dados de 2019 do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, Inep, revelam que de cada 100 estudantes que ingressam na escola, 89 concluem os anos iniciais do Ensino Fundamental, 78 concluem os anos finais do Ensino Fundamental e 65 concluem o Ensino Médio na idade certa. Esses números se tornam mais preocupantes quando analisados no contexto da pandemia de Covid-19 que acentuou as desigualdades educacionais e configuram um desafio para todas as redes de ensino do país. O Ensino Médio, em especial, possui os piores indicadores de aprendizado de toda a Educação Básica.
Para enfrentar essa realidade, foi concebido o Novo Ensino Médio, que reorganizou concepções e práticas para garantir aprendizagens capazes de corresponder às exigências de um mundo em constante mudança.
Ao reorganizar-se e colocar os estudantes no centro da vida escolar, o Novo Ensino Médio elege o trabalho com projeto de vida como eixo orientador para uma formação integral: que promova o desenvolvimento pessoal e social e capacite os jovens para corresponder aos desafios das sociedades contemporâneas.
Para atender aos objetivos do Novo Ensino Médio, é necessário que os currículos escolares sejam organizados de acordo com as diretrizes da Base Nacional Comum Curricular, BNCC, documento homologado em 2018 que garante um conjunto de aprendizagens essenciais e comuns a todos os estudantes da Educação Básica, além da oferta de itinerários formativos, que permitam aos jovens escolher entre diferentes percursos a formação que mais se aproxima de seus interesses, aptidões e projeto de vida.
O trabalho com projeto de vida no Novo Ensino Médio é organizado para permitir que o jovem conheça a si mesmo, conheça o outro com o qual se relaciona e reflita sobre seu papel no mundo vivenciando e compartilhando as inquietações que compõem esse processo. Nesse sentido, o projeto de vida é uma estratégia pedagógica essencial para que o jovem ingresse no mundo adulto sabendo como planejar e o que fazer para alcançar o que deseja, afinal, quando se tem ideia de onde se quer chegar, fica mais fácil percorrer os caminhos necessários e enfrentar os obstáculos que surgem no percurso. Nesta perspectiva o projeto de vida oferece aos jovens uma orientação consistente para guiar seus passos futuros.
Existem vários estudos desenvolvidos no campo da ciência psicológica que demonstram que ter um projeto de vida é fator de proteção para a saúde mental, pois promove bem-estar psicológico, previne doenças como depressão, ansiedade e toxicodependência e desenvolve habilidades sociais. Tais evidências são ainda mais significativas quando relacionadas aos dados da Organização Mundial de Saúde, OMS, que indicam que a depressão é a doença que mais incapacita ao trabalho no mundo no século XXI. Dados específicos da realidade brasileira apontam o suicídio como a terceira causa de morte entre jovens.
Para apoiar a prática educativa nas escolas o governo federal distribuirá gratuitamente, a partir do segundo semestre de 2021 até 2024, livros didáticos do componente curricular projeto de vida para todos os estudantes do Ensino Médio das redes públicas de ensino. Essa distribuição ocorre por meio do Programa Nacional do Livro e do Material Didático, PNLD, cuja existência é justificada pela Lei de Diretrizes e Bases de 1996, LDB, que garante a distribuição de material didático como parte do dever do Estado com a educação escolar pública.
Com o objetivo de assegurar a qualidade dos materiais aprovados, os livros distribuídos pelo PNLD passam por criteriosa avaliação técnica, física e pedagógica realizada por especialistas das diferentes áreas do conhecimento sob a coordenação do Ministério da Educação. Em decorrência da pluralidade do ensino brasileiro, os próprios professores e membros das escolas escolhem, dentre os livros aprovados, aqueles que desejam receber do programa para melhor atender as demandas dos seus estudantes. Esse procedimento garante que a escolha seja realizada de maneira democrática e autônoma pelas instituições de ensino.
Embora existam críticas às diretrizes estipuladas pela BNCC e ao proposto pelo Novo Ensino Médio, não há dúvidas que esta etapa de ensino necessitava de urgente reformulação. Estruturar essa reformulação em torno da construção de projetos de vida juvenis que permitam que as novas gerações mobilizem conhecimentos, habilidades e competências, articulados com as diferentes áreas do saber, para elevar progressivamente seus níveis de autonomia com vistas ao pleno exercício da cidadania parece uma decisão acertada, muito embora seus resultados só possam ser avaliados com o tempo.
Link para o livro: (Des)envolver & (Trans)formar
*Itale Cericato é psicóloga e doutora em Psicologia da Educação. Atualmente, é professora do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), vice-presidente do Centro de Formação de Educadores da Escola Básica da mesma universidade e coordenadora do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Profissão Docente, credenciado ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq)
As opiniões expressas neste artigo não representam a posição oficial da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp)